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MILITANTES, CIDADÃOS E ELEITORES

ESSER JORGE SILVA Sociólogo

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por ESSER JORGE SILVA
Sociólogo

Aproximamo-nos de mais um ato eleitoral no qual, os cidadãos em geral, constituídos como o princípio e fim da governação, expressarão a sua vontade através do voto, assim estratificando as diferenciações do campo político. Fá-lo-ão, escolhendo sobre uma primeira triagem concebida no interior dos partidos políticos, onde antes se fará o favor de proceder à eliminação de todos os que não cabem ou não se dispõem a proceder num sistema de interesses. Daí resulta que, antes do proveito pensado para o bem comum, os membros da organização partidária, enunciam um campo de interesse particular que, referem, tem como fim “o partido”. Nos discursos públicos que vêm a seguir, os sobrantes partidários colocados como candidatos para escolha dos eleitores gerais, adaptam o seu discurso, reciclam-no e transformam o que era antes um apelo particular partidário num discurso de preocupação do bem geral.

Em tempos não muito idos os partidos tiveram um tipo de indivíduo militando nas suas bases que encontrava na organização a via da sua existência política pessoal. O partido possuía em si um ato exterior denominado ideologia que tanto o limitava nas suas fronteiras, como balizava o seu espaço. Essa condição tornava os seus simpatizantes em partes. Eram partidários do partido por assim dizer. Mas eram-no em obediência a uma totalidade constituída por diferenças o que promovia não a paz celestial mas o conflito revelador. O domínio do partido resultava de variáveis provindas de várias sensibilidades. E, nesse mar de ondulação permanente, o militante de outros tempos, apesar de, em grande medida, se inscrever num perfil de baixas letras, conseguia apreender a sua responsabilidade individual, interpretando o seu papel debaixo de razões desligadas dos imediatos interesses particulares.

A história do militante, filtro responsável pela pré-escolha dos candidatos, sofreu uma grande mutação. Em boa verdade os partidos vêm-se hoje com uma tão evidente escassez de militantes que, por vezes, perante algumas vitórias eleitorais, é necessário deslocar camionetas de norte para o centro, a fim de a organização mostrar uma multidão viva manuseando bandeiras. À escassez, junta-se o desinteresse e assim, os poucos existentes, para se moverem, têm por vezes de ser remunerados para integrarem as caravanas. E assim surge uma realidade interna partidária que vem sendo ocultada como se não fosse importante e que se revela no facto do militante, agente que corporizava os partidos pela sua vontade, ter desaparecido, sendo agora substituído por “sacos de votos” de inscritos em partidos que neles não militam. São estes “sacos de votos” arregimentados pelos que dizem ser, ou querer ser, profissionais da política, funcionando como marionetas e cumprindo formalmente os estatutos, que “escolhem” os candidatos a que os cidadãos livres terão de referendar com o seu voto.

A escolha partidária “a entregar” aos comuns eleitores já obedeceu a critérios de responsabilidade. Já dependeu do lugar que o indivíduo conquistasse no exterior da sociedade, fosse através da perícia profissional, fosse através da distinção gerada no empenho associativo, fosse através do reconhecimento social pelo seu papel destacado Hoje dá-se a inversa: acede ao lugar para ser sufragado quem, através de uma contabilidade de inscrições no partido, conseguir encher um saco de votos internos. Na linguagem da organização partidária continua-se a falar da vontade dos “militantes” mas estes há muito que deixaram de ter vontade, até pela sua inexistência. São os amigos que fazem de militantes e, estes, nada acrescentam à organização que não seja um número e figura de espírito ausente. No livro de José Machado Pais “Ganchos, Tachos e Biscates” (Âmbar, 2001) um jovem político da atualidade refere: uma pessoa pode hoje ser “levada em linha de conta, merecer respeito, mas isso pouco conta no que importa contar: os votos” (p.191). Há solução e é urgente: os partidos políticos devem repensar a figura do “militante” e repensar.

O grande desafio nos primórdios da democracia portuguesa foi lutar contra os caciques, geralmente pessoas que usavam o seu poder económico para capturarem a pobreza de espírito que grassava e controlarem o seu voto. Não se passaram tantos anos e vemos hoje um outro tipo de cacique a surgir. Este é letrado, apesar de ignorante, despudorado apesar de viver com a moral na boca. Move-se na chico-esperteza, naquilo que designa “a máquina do partido”, preocupa-se com a “estrutura”, com “os valores”, com a “história” do partido, apesar de \nada saber mensurar. Não se coíbe de se submeter à condição de um lambe botas do que pensa ser o líder e está-se marimbando para o eleitor porque já se habituou à ideia de que votando muitos ou votando poucos, ele ganha sempre na medida em que a sua prática o torna quase dono do partido. Isso é tão evidente que, a breve prazo, sem ninguém dar por ela, concebe práticas pessoais ao arrepio dos estatutos partidários.

Quem quiser verificar o efeito pernicioso desta irresponsabilidade partidária pode fazê-lo confrontando, não só a taxa de abstenção, como também a evolução do número de votos brancos e nulos expressos nas urnas. Como estes votos são expurgados da contabilidade eleitoral, tende-se a esquecê-los desconsiderando-os. Todavia, por trás está uma clara mensagem aos partidos políticos e à forma como forjam certos candidatos. Este é um dos grandes problemas que a sociedade portuguesa e os partidos políticos têm para resolver. Não o fazendo, persiste uma falácia.

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