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OS MÉDICOS IDEOLÓGICOS

ESSER JORGE SILVA Sociólogo

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por ESSER JORGE SILVA
Sociólogo

Direita e esquerda. Dois lados de uma fronteira artificial traçada num momento em que a histórica Revolução Francesa colocou os partidários do rei à direita e os revoltosos jacobinos à esquerda. Situação e rutura, ordem e movimento, conservadores e progressistas, expressam essa divisão. Gradualmente a dicotomia “antitética”, como afirma Norberto Bobbio, descobriu também divisões na economia, nomeadamente o poder dos que detêm os meios de produção e da submissão a que estão obrigados os que apenas contam com a sua força de trabalho para oferecer.

São poucos os que se afirmam de direita, apesar de, claramente refutarem a esquerda. Por outro lado a direita ganha propriedades que a mesma diz desconhecer através das diferenciações e fronteiras que os assumidos de esquerda lhe lembram. Apesar de tudo, a esquerda faz por existir bradando a sua presença a todo o momento, enquanto a direita, grosso modo, faz tudo para não dar nas vistas, agindo de acordo com a crença na existência da invisibilidade de uma mão que, enquanto agente fautor da economia justa, parece estar sempre do lado dos mais fortes.
A questão todavia aqui trazida é a de saber se, verdadeiramente, um indivíduo é exclusivamente de um lado desta divisória? Sendo o indivíduo alguém inteiro, custa-nos imaginar que alguém possa ter existência dividida. Mas, está bom de ver, esta forma de colocar o problema está desde logo errada porquanto primeiro fez-se a criação de esquerda e direita e depois pediu-se aos indivíduos para escolher.

Calha assim que só determinada crença utopicamente sustentada acomete pessoas em grupos, assim desindividualizando-as, retirando-lhes do seu ser e, em certas situações, desumanizando-as em favor
de uma qualquer crença, muitas vezes para além da razão.
Vejamos um caso em concreto. Se não todos, pelo menos a maioria dos portugueses percebeu que Portugal se divide hoje entre esquerda e direita. E, dentro dessa divisão, acometeram-se duas realidades em disputa surda: de um lado estão os funcionários públicos, ou agentes do Estado e do outro estão os agentes privados, nomeadamente agindo e vivendo no que habitualmente se designa por sociedade civil.

Os agentes da sociedade civil culpam a existência excessiva do Estado e logo, de demasiada gente vivendo dele. E, como consequência, admitem que a falência que assola Portugal advém desse facto.
Por seu lado, os viventes do Estado acusam a sociedade civil de, não só não produzir o suficiente, como de delapidação do Estado por não contribuir com o que deviam contribuir para dar corpo a um Estado são. Daí o persistente discurso da existência de uma economia subterrânea e fuga ao fisco, apesar de já se se ter percebido que tal é cada vez mais difícil de acontecer.
Parece uma simplificação mas, de todo, não é. Basta conversar com alguns representantes de um e outro lado, estar atento à repentina musculação das instituições do Estado e, em simultâneo, não escapar uma crescente presença de discursos extremados. As pernas do Leviatã agem, dia após dia, cada vez com maior ferocidade. Os apelos de grupos nacionalistas ganham cada vez mais adeptos. Num e noutro caso, perde toda a gente.
Exemplo prático: qualquer notícia sobre baixas médicas da Segurança Social é realizada atualmente com base numa estranha métrica em que a palavra “fraude” é protagonista. Ninguém sabe quantas baixas existem hoje. Mas o balanço das fraudulentas ocupa o espírito de qualquer um. Todavia, é de colocar a hipótese de tais baixas fraudulentas resultarem de uma construção médica da fraude, ato perpetrado pelos médicos a quem está acometido o trabalho fiscalização e avaliação, vulgo, junta médica.
Ora, desde o início da crise de 2008 o desemprego tem baixado através de duas vertentes essenciais: emigração e
criação do próprio emprego através de microempresas. Tratam-se de empresas cujo empregado é também funcionário. Sempre que um destes empresários adoece e socorre-se da Segurança Social, em caso de baixa e verificação da junta médica, na maior parte dos casos é-lhe aplicada a suspensão compulsiva da baixa. Porquê? Munido de uma informação colhida nos serviços, os três médicos avaliadores não avançam imediatamente para o estado de saúde da pessoa. A sua primeira questão, invariavelmente é: “tem uma empresa?”.

Para além de retórica subjacente (a Segurança Social sabe quem é e não é empresário), a primeira pergunta do médico está nas antípodas do “ato médico”. É, de todo, uma pergunta que enuncia um preconceito. Já existe decisão e a pergunta tem como objetivo simular, da mesma forma como, na maior parte dos casos, um destes médicos simula a seguir um desinteressado e nada empenhado ato de interesse médico. Neste caso, o médico já sabe antecipadamente, sem sequer ver ou perguntar, que está perante alguém que não pode estar doente: trata-se de um empresário e por isso “está bom para trabalhar”. Que vergonha!

É evidente que a desumanidade e a burocracia tomaram conta da profissão médica. Mas daí aos médicos deixarem-se ocupar pela ideologia numa decisão em que devia estar, exclusivamente, presente o conhecimento, a técnica e o interesse da medicina vai um grande desvio. Constrói-se desta forma uma falácia da qual ninguém fala: a fraude da junta médica. Porque não consta em lado nenhum que o juramento de Hipócrates distinga o doente empresário do doente não empresário, mandando ajuizar por ato positivo o que de negativo tem determinado estado de saúde. Uma medicina ideológica é uma medicina discriminatória, estereotipada e preconceituosa. Convém combatê-la.

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