A agricultura biológica está em crescimento (mesmo durante a pandemia)

Três vimaranenses, produtores de agricultura biológica, apostam na venda direta. Sem intermediários e a um preço justo.

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Três vimaranenses, produtores de agricultura biológica, apostam na venda direta. Sem intermediários e a um preço justo. E os consumidores começam a priorizar o produto local, evitando superfícies comerciais muito concorridas.

© DR

Poucos minutos passam das 06h00. O sol vai dando cor ao campo e, num exercício rotineiro, há de aquecer tudo o que se estende na paisagem sem grande esforço. Carlos Ribeiro já se encontra pelo seu terreno, também ele no exercício rotineiro que lhe enche as horas “há mais de 30 anos”. O proprietário da Quinta da Bica e Quinta de Casalermo (em Urgeses e Infantas, respetivamente) levanta-se às 05h30. E só sai dos seus terrenos, que escalam a montanha da Penha, por volta das 19h30. “É preciso ter paixão por isto”, diz, quase como a justificar o tempo que dedica ao trabalho.

Carlos Ribeiro é produtor de agricultura biológica. A especialidade são “os mirtilos, as framboesas e os morangos”, mas também as nozes. E não só: “Também aproveito os frutos para fazer compotas ou para secar. Depois, também tenho apicultores para a produção de mel. Há uma diversidade grande de produtos. Trabalho não falta” acrescenta. Para Nuno Oliveira, outro produtor de agricultura biológica, Carlos Ribeiro é “o pioneiro” do sistema agrícola sustentável por Guimarães. Com outros produtores agrícolas da região que partilham a mesma filosofia, fazem “exclusivamente venda direta”. Segundo um artigo do Expresso, a procura por produtos de agricultura local triplicou neste período. E, de acordo com os dados do INE (relativos a 2017), a agricultura familiar é responsável por ¾ da mão-de-obra agrícola; contudo, grande parte das vendas “estão nas mãos de grandes distribuidores”, como se lê no artigo citado.

Uma parcela das vendas diretas tem lugar na Quinta da Verdelha, onde Nuno Oliveira é responsável pela exploração agrícola. A eles junta-se, entre outros, Jorge Santos, do Berço dos Cogumelos. Com mais cinco produtores, constituem uma Associação para a Manutenção da Agricultura de Proximidade em Portugal (AMAP). A produção dos três vimaranenses entrevistados pelo Mais Guimarães procura responder ao crescimento do interesse na agricultura biológica: para além de ser “mais sustentável”, existe uma procura “por alimentos da época” e “há um cuidado extra com a saúde”. Essas são justificações que já vinham a ganhar força há algum tempo. Com a pandemia, os vimaranenses (e não só) começam a evitar “frequentar as grandes superfícies, muito frequentadas”, diz Nuno Oliveira. “Os clientes habituais visitam-nos mais vezes e trazem outras pessoas”, acrescenta. Na quinta, garante “a segurança e o atendimento individual”, sendo apenas necessário levantar-se a encomenda, composta por produtos que não passam por intermediários.

A natureza a respirar de alívio

“É tempo de os cogumelos começarem a abrir. Com este calor, crescem muito”, diz Jorge Santos. Do Berço dos Cogumelos, em Mesão Frio, uma boa parte da produção saía para o mercado externo. Neste momento, adianta o produtor vimaranense, “a exportação está a 0%”. Mas, por outro lado, a percentagem de “clientes finais”, os que compram diretamente ao produtor, subiu. A razão é a mesma apontada por Nuno Oliveira: “As pessoas fogem da afluência dos shoppings. Fazem o seu pack e levantam-no. Faz bastante diferença.” Para além disso, Jorge Santos nota que os vimaranenses começaram a perder “o receio de um produto relativamente novo”, que não segue em conservas. “Dantes, atribuía-se a substituição da carne aos cogumelos. Agora, noto que as pessoas compram mais por motivos de saúde. Não é só pela questão do vegetarianismo ou veganismo. O público é muito mais diversificado”, explica. Já no que diz respeito aos “clientes para revenda”, o proprietário do Berço dos Cogumelos diz que, “para já, é para esquecer os restaurantes”, por exemplo.

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Jorge Santos conta que a proximidade é um dos fatores que mais peso tem no crescimento da agricultura biológica. “Noto isso nas feiras. As pessoas procuram. Se algum produtor falhar, perguntam logo por ele. E quem vende tem amor ao que tem para vender”, diz. No mercadinho de produtos biológicos que tem lugar no Museu de Alberto Sampaio, os produtores vendem os seus produtos a um público que vai crescendo. Talvez por isso Carlos Ribeiro diga que esta fama não seja de agora: “Independentemente da pandemia ou não, estamos sempre a vender mais um pouco. É um trabalho que só dá frutos uns anos depois e requer algum investimento.” E esse crescimento “tem sido feito de forma sustentável, para conseguir passar a mensagem e eliminar intermediários”. A Quinta da Verdelha de Nuno Oliveira é, para Carlos Ribeiro, um “ponto estratégico”: fica ao lado do antigo edifício do hospital de Guimarães e vê o Castelo de Guimarães a erguer-se por entre as árvores. Ali, “as quartas na quinta” são um lugar de reunião para os clientes que levantam encomendas.

“A minha ideia é um bocado esta: em vez de andar a produzir e a perder tempo em distribuição, tentar crescer a nível local. É muito interessante”, aponta. Já Nuno Oliveira aponta que, quando há revendedores, “só 20% do total [do lucro] é que vai para o produtor”. E nega que isto seja uma moda elitista ou para carteiras mais recheadas: “Temos o compromisso do preço. Para além disso, este negócio não teria viabilidade se não fosse a venda direta. Ganham os dois e o cliente obtém um preço incomparavelmente fresco e a preço justo.” A maior parte do público costuma ser constituída por “mulheres com 40 anos ou mais e com curso superior”; agora, também isso mudou: “Vemos a demografia do público a estender-se para os mais jovens e também para pessoas mais velhas.” E o fenómeno não é localizado — tanto que Nuno Oliveira afirma que a situação é semelhante no estrangeiro, como os “colegas de outros países” lhe contam.

O responsável pela exploração agrícola da Quinta da Verdalha é da opinião que, em tempos de crise, deve ser assegurado “o abastecimento” de produtos alimentares nas localidades. Mas os circuitos de proximidade não são tão privilegiados em Portugal. No artigo anteriormente referido do Expresso, a investigadora Isabel Rodrigo referiu que, em países como França, estabeleceu-se “no máximo um intermediário entre o produtor e o consumidor, de modo a apoiar a agricultura familiar”. O Governo lançou, contudo, uma campanha chamada “Alimente quem o alimenta”. O objetivo, segundo a ministra da Agricultura, citada pelo Expresso, é “apostar cada vez mais na autossuficiência alimentar” e “incentivar que mais pessoas vão para o interior” para se dedicarem à agricultura. No entanto, as medidas são temporárias.

Temporários também se querem os tempos de pandemia, mas espera-se que “algumas das reflexões” sobre a alimentação perdurem no tempo. Pelo menos é o que Carlos Ribeiro perspetiva, ainda que com incerteza: “Nota-se que há mais preocupação em consumir de forma sustentável e em ter uma produção mais controlada. Não sei se é isso que vai ficar.” “A pandemia apanhou-nos desprevenidos. O homem foi buscar coisas que não lhe pertencem, explorou recursos que pensava serem insustentáveis. Mas, pelo menos, a natureza está um pouco aliviada do sufoco”, conclui

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