AS CORRIDAS DE VILA REAL – LIÇÕES PARA AS ORGANIZAÇÕES

por Victor Manuel Sanfins Cardiologista

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por Victor Manuel Sanfins

Cardiologista

 

monteiroDomingo, 26 de Junho de 2016. Tiago Monteiro, o único português em competição no Campeonato do Mundo de Carros de Turismo (WTCC) acaba de vencer a principal corrida da jornada portuguesa, que decorreu no Circuito Internacional de Vila Real. Uma impressionante moldura humana, estimada em 100.000 pessoas, rodeava a mais recente versão da pista, agora encurtada para cerca de 4600 m. Algumas horas antes, Manuel Pedro Fernandes, vencera a corrida do Campeonato Europeu de Turismo (ETCC), logo na sua primeira participação neste campeonato. Na cerimónia do pódio, rodeado de > 5000 pessoas, A Portuguesa ecoou até ao final, bem para além da curta versão que a organização do WTCC tem prevista para este momento.

Em Dezembro de 2016, numa sondagem online da Red Bull (http://www.redbull.com/en/motorsports/f1/stories/1331829630276/10-best-street-circuits-formula-1-motorsport-worldwide), Vila Real é considerada a melhor pista citadina do mundo, à frente do Mónaco, Macau, Pau, Long Beach ou Adelaide.

Como se chegou aqui? Como foi possível que, numa pequena cidade, perdida na “Província”, se criasse uma pista com tanta tradição e se realizasse um dos principais eventos a nível mundial em 2016 (http://www.sportinglife.com/other-sports/news/article/678/10108332/key-sports-dates-for-2016-sporting-events-calendar)?

13891790_10153866288432057_3161523183088197256_n-600x600Tudo começou no início dos anos 20 do século passado. Um grupo de amantes dos automóveis organiza gincanas, perícias, mostras de automóveis, concursos de elegância, que cedo mobilizaram os vilarealenses para o desporto automóvel. A ideia de criar um circuito e uma prova de competição ia fazendo o seu caminho. Esta concretizou-se em 15/6/1931, com o apoio da Secção do Norte do Automóvel Club de Portugal. Para fazer frente às despesas inerentes a este objectivo, tinha sido lançado, um ano antes, um imposto especial (40$00!) sobre cada quilo de carne comprado. Da comissão organizadora destacavam-se, entre outros, Aureliano Barrigas, Emílio Botelho, Luís Taboada, José Augusto Taboada. Numa pista de terra com 7150 m, foram percorridas 20 voltas, num total de 143 km.

Pela primeira vez em Portugal ocorria uma corrida de automóveis em circuito. Não foram realizados treinos de adaptação nem de qualificação para esta primeira corrida, sendo sorteada a ordem de largada e sido esta à moda de “Brooklands” (a primeira pista construída especificamente para corridas automóveis, em 1907, em Inglaterra), com os carros alinhados em espinha ao longo de um dos lados da partida, com os pilotos fora destes, no lado oposto e correndo para o seu interior quando era dado o sinal para o início.

O primeiro vencedor desta histórica corrida foi, em Ford A, Gaspar Sameiro.

O sucesso desta primeira corrida e o entusiasmo que gerou, facilitaram a realização de provas nos anos seguintes, com excepção de 1935.

Em 1934 foi organizada a primeira corrida de motos, com um grande número de pilotos, facilitado pelo facto de serem mais baratas do que os automóveis e despertarem já uma enorme paixão pêlos adeptos dos motores.

A internacionalização do circuito chegou em 1936, bem como a pavimentação com alcatrão do seu traçado. Com ela, chegaram as grandes máquinas da altura: Ford V8, BMW315, Bugatti 35 C/ 51, Alfa Romeo 6C e 8C, Adler e outros.

A 2ª Grande Guerra motivaria a interrupção das provas entre 1939 e 1949, realizando-se estas até 1953, altura que foram de novo interrompidas por diversas obras ao longo do seu traçado.

9-150x150Apenas em 1958 se voltaram a realizar corridas, então com a presença de Sir Stirling Moss em Maserati. Sobre a opinião deste sobre a pista escreveu-se: “Sir Stirling Moss descreveu Vila Real como um dos seus traçados favoritos – e quem somos nós para discuti-lo? A pista nortenha é uma montanha-russa incrível que, apesar de ter perdido a estreita ponte da sua versão original, mantém o espírito desse figurino, com subidas e descidas cegas, curvas exigentes e praticamente nenhuma escapatória – um pouco como um Norschleife urbano”.

Infelizmente só em 1966 a adrenalina dos motores se sentiria de novo em Vila Real.

Mas que ano. Chegaram os fórmulas e os Porshe da Garagem Aurora do Porto. Os protótipos faziam a sua aparição e com eles o espectacular Lola T 70 MK III com que Michael Grace De’ Udy esmaga a concorrência. Cartaz do programa, a corrida de fórmula 3, tem como vencedor Carlos Gaspar, que estabeleceu o record do circuito que havia de perdurar por muitos anos: 178,171 km/h.

Outro ano de ouro foi 1968. De’ Udy regressa com o seu aperfeiçoado Lola T 70 e protagoniza um duelo lendário com David Piper e o seu Ferrari 330 P3/4. Quatro impressionantes Chevron estreiam-se em Portugal nesse ano.

No ano de 1969 são organizadas as “Seis horas de Vila Real”. A grelha de partida impressiona, até para os padrões de hoje: 28 protótipos, entre eles Lola, Ferrari, Ford GT 40, Chevron B8. Falha por pouco a entrada de Vila Real no Campeonato do Mundo de Protótipos.

Até 1973 Vila Real vivia a sua “Idade de Ouro”: as melhores máquinas, os melhores pilotos, uma assistência impressionante ao longo do circuito, tudo contribuía para levar longe o nome da cidade.

A barreira do Marão e a dificuldade para chegar a Vila Real, em vez de desmobilizar reforçavam a imagem de Capital Portuguesa do Desporto Automóvel. A cidade tornava-se verdadeiramente internacional durante o período das corridas. As fotografias e os registos em filme que hoje, graças à internet, se podem ver dessa altura são verdadeiramente impressionantes.

A crise do petróleo de 1973 trouxe com ela a proibição de corridas automóveis. Nos anos seguintes foi de todo impossível criar as condições para que as máquinas voltassem ao circuito.

No entanto, a mesma Cidade que, em 1930, aceitou o imposto da carne, não desistiu. Sendo sucessor das Comissões Permanentes do Internacional de Vila Real, o Club Automóvel de Vila Real (CAVR), conseguiram levar avante as provas, incluindo o regresso das motos, em 1981, com uma prova do Europeu.

Ano grande das motos em Vila Real foi 1982, altura em que integrou o Campeonato do Mundo de Fórmula 1 e 2 TT. Honda, Susuki, Ducati, Norton, conduzidas por pilotos como Carl Forgaty, Robert Dunlop, Joe Dunlop ou o português Alex Laranjeira fizeram as delícias de todos que tiveram o privilégio de os ver em pista.

Infelizmente em 1991, um trágico acidente (e a falta de vontade da autarquia de então….) levaram a uma nova interrupção das corridas. Os interesses imobiliários e a falta de visão estratégica uniram-se para interromper as “nossas corridas”.

No entanto, cada prova no Estoril (onde ninguém vai ver corridas de automóveis!), o anúncio do novo Autódromo de Portimão (onde ainda vai menos gente ver corridas!) faziam com que Vila Real e um possível regresso do circuito alimenta-se os sonhos de muitos.

A realização de um “Revival do Circuito de Vila Real” e a impressionante moldura humana que atraiu, evidenciou as potencialidades de voltar a fazer das corridas um evento único para Vila Real e mostrou à autarquia o erro estratégico que previamente cometera. O incentivo que Sir Stirling Moss, convidado especial para este evento, foi único.

O 40º Circuito de Vila Real, realizado em 2007 com um novo traçado mais curto mas, absolutamente espectacular marcaram o renascer da pista e das corridas. Ler o que disseram os pilotos que ali corriam pela primeira vez e como muitos se lembravam de ali acompanhar os pais é comovedor e mostra bem como Vila Real é, em Portugal, a rainha do desporto motorizado em circuitos.

A visão do então Presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, ao re-erguer o Circuito da Boavista, constituiu um estímulo para levar o nosso circuito para um novo patamar. Graças a um outro Rui (Moreira), seu sucessor na Câmara do Porto que, alinhando com todos (bem poucos…) que ficavam incomodados com o ruído dos carros (nessa altura o jornal Público conseguia sempre encontrar e entrevistar alguém contra as corridas mas nenhum dos mais de 80.000 que as iam ver), esteve muito bem um outro Rui (Santos), o actual Presidente da Câmara de Vila Real (a quem presto a minha homenagem) que, “vítima” do bichinho dos carros que habita em todos nós, Vilarealenses, teve a capacidade e o engenho de trazer para Vila Real o WTCC. Esta prova, que terá este ano a sua terceira no circuito da cidade, marcou a subida de Vila Real ao lugar que de há muito merecia, com a revisão da homologação da pista para este tipo de corridas e a sua integração num campeonato oficial da FIA. Em 2016, a corrida de Vila Real foi a que teve a maior audiência de todas a do calendário do WTCC desde 2005, ano em que se iniciou a transmissão televisiva pelo Eurosport. O impacto que as corridas têm trazido a Vila Real é absolutamente impressionante.

Em 2017 regressa o modelo de dois (yes!) fins-de-semana de corridas, regressam as motas (em formato “demonstração”, os Fórmula (a 4) e estreia-se o Campeonato Ibérico de TCR.

O CAVR é ainda o responsável pela organização da etapa portuguesa do Campeonato do Mundo de Rallycross, em Montalegre (21-23 de Abril), que ano após ano, esgota a capacidade das bancadas em receber mais público.

Ver os promos destas corridas, Vila Real e Montalegre, no Eurosport é bem elucidativo do grau da adesão do público a estas corridas.

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A teimosia e a persistência transmontana deram frutos. Nada foi feito com planeamento central, nenhum destes eventos seria “necessário” realizar ou “faria sentido” em Vila Real. No Estoril (onde já gastamos milhões a perder de vista) ficariam muito melhor. A “guerra” feita à deslocação do Rally de Portugal para o Norte teve momentos hilariantes (“os nossos hotéis são melhores”; “não é preciso ter público”), enfim. A melhor resposta que se pode dar são as imagens fantásticas das provas, dos milhares e milhares de pessoas que as vão ver e que fazem delas o enorme sucesso que são.

Também nas nossas organizações temos que ter uma atitude semelhante: saber o que queremos, antecipar as necessidades que vão existir, não desistir com as dificuldades que a “burocracia” e o “planeamento” (sempre feito ouvindo os mesmos, defendendo os interesses dos mesmos e das suas organizações), unir esforços e o apoio da comunidade em torno de um bem comum e ir à luta e estar preparado para estar sempre “na luta”, são elementos imprescindíveis para que as organizações (sim, estou a falar de hospitais) se desenvolvam, cresçam e possam criar condições para que os doentes que nelas confiam tenham o melhor tratamento possível. Mesmo não vivendo em Lisboa, Porto ou Coimbra.

As que não estiverem preparadas para o fazer têm o destino traçado: definhar e morrer.

 

Victor Manuel Sanfins

Nascido em Vila Real

Assistente Graduado Sénior de Cardiologia, do Hospital de Guimarães, onde trabalha desde 2/1/1993.

Fotos: Direitos reservados

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