Romances, poesia e contos infanto-juvenis fazem parte do leque de obras de Conceição Sousa. Atualmente com 12 livros publicados, a escritora vimaranense esteve à conversa com a Mais Guimarães no âmbito do Dia Internacional do Livro Infantil, para contar como é que partiu “Em Busca da Flor de Mil Cores”. Esta saga resultou em três publicações: “Bugalhudo e Caracolitas no Bocejo do Vulcão”, em 2013, “Bugalhudo e Caracolitas na Armadilha do Céu” e “Bugalhudo e Caracolitas no Lago das Letras Flutuantes”, ambos em 2014.
Fazendo uso da sua experiência pedagógica – profissão que exerce desde 1996 -, apostou na interatividade como forma de envolver os seus jovens leitores.

Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos Ingleses e Alemães, ramo Educacional, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Desde então, tem exercido funções como professora. A literatura e o contacto com os jovens sempre a cativaram desde cedo?
Sim, desde muito, muito novinha. Embora os meus pais só tenham a quarta classe – porque naquela altura não puderam prosseguir estudos -, o meu pai tinha um especial gosto pela literatura e então encomendava coleções, como por exemplo do reader’s digest, e também discos. Tenho memórias de, com quatro ou cinco anos, folhear aquelas coleções, e de ter muita curiosidade, que eu acho que é onde começa tudo. Tinha muita curiosidade em perceber o que eram aqueles símbolos a que as pessoas chamam letras. E então olhava para as imagens e inventava as minhas próprias histórias à volta daquelas imagens e o que poderia estar ali escrito. A verdade é que eu tinha sede de conhecimento.
Quando entrei na escola primária foram três meses até aprender a ler porque já levava algumas bases criadas por mim e pelos meus pais. Foi assim que começou… na escola primária, depois a escrever cartas aos amigos, a criar romances, no segundo ciclo, entre as amigas da turma. Na altura ainda não havia internet ou telemóveis, então tínhamos de nos distrair com outras coisas. Entretanto, os meus pais mudaram-se também para o Porto e comecei a escrever longas cartas às minhas amizades daqui e, claro, ia tendo diários. A escrita sempre esteve muito presente na minha vida.
Toda essa “fome de conhecimento” e vício pela literatura resultou na publicação de 12 livros, entre eles três de literatura infanto-juvenil… Como é que esta vertente entra na sua vida?
Foi precisamente por uma questão pessoal, pelos meus filhos, que tinham oito ou nove anos, na altura. Eu senti uma certa culpa de estar a começar a publicar as minhas coisas, porque, na verdade, eu já tinha muito trabalho feito, só que, por questão de personalidade, a timidez não deixava que o mostrasse. Houve ali uma altura, que coincidiu com o surgimento do Facebook, que achei que esta podia ser uma boa montra. E arranjei coragem para começar a mostrar os meus trabalhos.

Achei que também estava a tirar algum tempo aos meus filhos por causa dessa área, embora o meu filho mais velho tenha sido o meu principal incentivador. Inicialmente eu só iria publicar um primeiro romance para a família, mas, quando me dirigi à gráfica com ele, perguntou-me porque não o publicava para outras pessoas também. Disse-me que se era um sonho meu devia persegui-lo. “Mãe, porque não fazes 300 exemplares em vez de 30, e começas a mostrar a tua escrita aos outros?”, disse-me. Para mim, foram palavras muito boas porque eu entendia que estava a roubar tempo à família com este tempo que dedicava a mim e aos meus sonhos. Significou que também os meus filhos me queriam ver a ser eu própria e que era eu, talvez como muitas mulheres em Portugal, que me estava a colocar limitações.
Como publiquei inicialmente cinco livros de poesia e um romance, entendi que já estava a tirar muito tempo à família e houve um sentimentozinho de culpa. Como eles estavam muito curiosos, decidi começar uma coisa mais familiar e foi assim que surgiu a literatura infantil, como forma de chamar os meus filhos para fazerem parte do meu sonho. A partir deles surgiu a ideia de alargar as obras a outros meninos e meninas, uma vez que são livros muito interativos.
Porque é que decidiu integrar esta parte tão interativa nos seus livros?
Tem a ver mais com a minha área pedagógica de professora. Eu sabia que se não envolvesse o leitor, ele desistia e não prosseguia a leitura. E também queria muito incentivar as crianças e os adolescentes a gostarem desta arte da literatura, nem que fosse só pelas ideias. Isto é, mesmo que um pai ou uma mãe leiam as histórias a crianças que não sabem ler, não é impeditivo porque podem responder às ideias que a autora vai pedindo. E eles ficam muito contentes quando o encarregado de educação transmite para mim essas ideias. Acaba por ajudar a própria família a saber orientar a própria criança em termos didáticos e a criança sente que está a participar em algo maior e quem sabe dali não saem escritores no futuro.
Como é que descreve estes três livros “Em busca da flor de mil cores”?
O primeiro livro saiu pela altura da Troika. Enquanto professora notava que estava a haver muita ausência nas famílias. As crianças sentiam que não lhes era dada muita atenção e os pais, na verdade, também não podiam. Muitos estavam emigrados, outros tinham dois ou três trabalhos, e alguns até estavam mais deprimidos. Nesse sentido, decidi criar uma história que tivesse um narrador, que eles é que têm de adivinhar quem é, como se fosse alguém presente, como se estivesse ali para escutar as suas dúvidas, os seus problemas e que pudesse até sugerir alguns caminhos. São livros que abordam temas como bullying, anorexia, bulimia, os perigos da Internet, a transição de criança para adolescente e as mudanças no corpo.

Os assuntos típicos da adolescência são o foco nestes três livros, mas sempre no sentido de ir questionando, de forma a que quem esteja do outro lado possa refletir e até intervir. Nestes livros, o pai das personagens faleceu e a mãe está ausente por via de uma doença do foro oncológico, o que faz com que não tenham a devida atenção. Esta flor de mil cores irá colmatar estas dores, quer sejam físicas ou emocionais. São livros de geocaching, ou seja, vão sendo encontradas caixas com enigmas. Quer na literatura para crianças, quer para adultos – se bem que estes livros têm simbolismo e um adulto consegue interpretá-los de outra forma -, tento que as pessoas façam uma reflexão sobre a sua vida.
Sou uma escritora que tem muito de filosofia e de psicologia, que são as minhas bases, e estes são livros que também se podem inserir na autoajuda, mas de uma forma mais rebuscada.
Que mensagem gostaria de deixar àqueles jovens que ainda não despertaram a paixão pela leitura?
Que comecem! É uma decisão que começa com o ato de entrarem numa livraria, olharem para as capas dos livros, para os livros, e abrirem alguns que lhes desperte o interesse. E mesmo que sintam aquela primeira resistência, permitirem-se a ler o primeiro parágrafo e perceber se a história os cativa. Mesmo não indo a uma livraria, também a partir do mundo virtual conseguem fazer isso com muita facilidade. Nas livrarias online têm tudo muito bem estruturado, normalmente até colocam logo o primeiro capítulo disponível. A literatura é a experiência de pessoas que podem ainda estar vivas ou podem até já ter falecido. E nas diversas áreas, seja literatura para entretenimento, literatura por criatividade ou literatura, por exemplo, pela engenharia ou pela medicina, é sempre uma forma de termos a experiência de alguém que já foi vivo e que deixou algo já feito com base na sua experiência. Costumo dizer que a literatura é como conversar com alguém mais velho, até porque o livro supera a mortalidade do ser humano, se não for destruído. Se há até regimes políticos que impedem as pessoas de ler e destroem os livros, por alguma coisa será. É uma sabedoria que faz com que nos sintamos um bocadinho mais avançados em qualquer área.
