Nelson Felgueiras: “Temos de criar condições para que as pessoas possam praticar o desporto que as realiza”

Artigo publicado na edição de janeiro da revista Mais Guimarães.

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Há 10 anos, por esta altura, Guimarães recebia o título de Cidade Europeia do Desporto, com o mote “Desporto para Todos”. Uma década depois, é tempo de fazer um balanço do concelho em termos desportivos e apontar um caminho de futuro. Em entrevista à Mais Guimarães, Nelson Felgueiras, vereador do Desporto na Câmara Municipal de Guimarães, adianta que o programa das comemorações ainda não está fechado, mas terá como objetivo envolver toda a comunidade em torno da prática desportiva.

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

Quais as principais recordações que tem da CED?

Há 10 anos estava a terminar os meus estudos, em Coimbra, na Faculdade de Direito, onde me licenciei. Estava, portanto, entre Coimbra e Guimarães. Era um ex-atleta porque até ao ensino secundário, de uma forma informal, sempre pratiquei desporto. Nessa altura, na universidade, tive menos oportunidade de o fazer, mas recordo o ano de 2013 como um ano de uma forte marca do desporto e de afirmação sobretudo de Guimarães.

À época estávamos a sair também de uma Capital Europeia da Cultura. 2012 também foi profundamente marcante para Guimarães, e, logo de seguida, a Cidade Europeia do Desporto. Acho que nós, em Guimarães, temos tido a capacidade de afirmar a identidade do nosso território através de diversas causas e o Desporto foi, em 2013, um grande momento de celebração e de afirmação do desporto em Guimarães, com uma capacidade enorme de envolver os clubes, os agentes desportivos, mas sobretudo as pessoas comuns. Desde aí foram criadas uma série de oportunidades à volta do desporto para a população de Guimarães e não só.

A programação, naquela altura, reuniu um conjunto de atividades que foram muito além da competição. O que é que podemos esperar das celebrações este ano?

Neste momento, estamos mesmo em fase de conclusão do programa de comemorações. Brevemente iremos anunciá-lo publicamente. O objetivo passa por várias dimensões. Em primeiro lugar, naturalmente, uma evocação e celebração daquilo que foi a CED, em 2013. Queremos celebrar esse momento, que foi muito importante para o concelho de Guimarães, mas queremos também aproveitar essa oportunidade para lançar o desporto para os próximos dez anos. O mote passará pelo Desporto em Guimarães 2030. Temos, neste programa que estamos a desenhar, o objetivo de ter um ciclo de reuniões e conferências, espalhados por todo o território, de forma a envolver toda a comunidade, desde os agentes desportivos, população em geral, autarquias locais e instituições.

O objetivo é, enquanto comunidade, olharmos e pensarmos o desporto que temos atualmente em Guimarães, mas, sobretudo, o desporto que queremos projetar para o futuro. Teremos, naturalmente, uma programação muito dirigida para o presente. Os números que temos mostram que Portugal está na cauda da Europa no que à prática de atividade física diz respeito e aquilo que queremos, em Guimarães, é dar um contributo para que este número se inverta e para que se criem condições para que cada vez mais pessoas pratiquem atividade física. Há uma dimensão académica, do pensamento do Desporto em Guimarães, uma vez que queremos reativar o processo do Plano Municipal da Atividade Física. Portanto, vamos levar à prática um conjunto de iniciativas com vista a, no final de 2023, ou seja, no ciclo de celebrações da CED, termos um documento estratégico preparado para o futuro do desporto. Teremos iniciativas com uma periodicidade mensal, no mínimo. Será um programa bastante completo, ambicioso e robusto.

Mencionou que as celebrações em 2013 ficaram marcadas pelo envolvimento do cidadão comum. Com essa periodicidade mensal de atividades, o objetivo passa por manter essa mesma linha para que mais pessoas comecem a praticar desporto em Guimarães?

Sim, sem a mínima dúvida. Esse é um dos objetivos não só destas comemorações, mas deste mandato do senhor presidente da Câmara, Domingos Bragança, que tem tido, de forma transversal na definição de políticas públicas municipais, este objetivo de dar resposta a toda a população de todo o concelho, independentemente da área geográfica onde habitam ou trabalham, independentemente da idade ou da condição socioeconómica. É assim no desporto e na política municipal que nós definimos de forma regular, através do apoio que damos aos clubes e associações desportivas para que tenham uma componente de formação.

Também os próprios programas municipais, quer protagonizados pela Câmara Municipal, quer dinamizados pela Tempo Livre, pretendem fazer com que o desporto chegue a todos. As comemorações partilharão desta mesma lógica que é quase endógena do ADN daquilo que é definição das políticas públicas do desporto em Guimarães.

Em Guimarães temos uma rede fortíssima de clubes e associações com muita tradição, com muito peso na sociedade, e que estão ao nosso lado a lutar por um desporto mais inclusivo, mais participado e com maior qualidade no concelho de Guimarães.

Aquando dessa altura foram traçados alguns objetivos para o futuro. Entre eles acolher competições internacionais de referência, bem como apoiar novos talentos desportivos. Essas metas foram alcançadas?

Porventura sou suspeito para falar do assunto, mas na perspetiva de alguém que, em 2013, não tinha as funções que atualmente tenho, acho que é absolutamente evidente o salto que Guimarães deu no que ao desporto diz respeito.

Guimarães já tinha uma forte presença e uma forte marca e por isso mesmo é que em 2013 tivemos a capacidade de ser Cidade Europeia do Desporto. Esta viagem, nos últimos dez anos, permitiu a Guimarães qualificar-se numa série de dimensões.

Não passemos a ideia de que está tudo feito ou que está tudo perfeito, mas a verdade é que é reconhecido por todos nós, e também do ponto de vista externo, que temos excelentes condições de infraestruturas e de equipamentos para recebermos provas de âmbito nacional e internacional. Temos uma capacidade de organização que nos é reconhecida. Fico satisfeito em perceber que as organizações querem fazer provas desportivas em Guimarães, nomeadamente federações nacionais e internacionais. A experiência que tiveram é que provas que se organizaram em Guimarães correram bem, tiveram um bom suporte, um bom apoio de pessoas que têm experiência na organização de eventos. Isso também lhes dá tranquilidade e segurança para apostarem em trazer essas competições para Guimarães. É um trabalho que nos deixa satisfeitos e que coloca Guimarães na linha da frente para receber estas competições internacionais.

São provas que trazem grande visibilidade ao concelho, a par de uma maior dinâmica e energia na prática desportiva. Não são eventos que vão embora e que não deixam marca. Pelo contrário, deixam uma marca muito forte e o desporto também deve ter esse papel de afirmação da comunidade de uma cidade como Guimarães.

Nos últimos anos assistimos ao nascimento e crescimento de clubes femininos e desportos adaptados. Considera que há cada vez mais inclusão no desporto vimaranense?

É evidente. Aliás, no programa de comemorações faremos também esse levantamento e apresentação da caracterização do desporto em Guimarães.

Isso vai-nos permitir, através de dados factuais trabalhados com vista académico, demonstrar uma perceção empírica daquilo que todos nós que acompanhamos o desporto já nos apercebemos.

Ou seja, que hoje há mais desporto inclusivo, temos projetos que surgiram dedicados ao desporto inclusivo, mas também projetos que já existiam e que passaram a ter também essa nova vertente. Isso é uma dimensão muito importante e que nós queremos aprofundar. Aliás, do ponto de vista da atuação da Câmara Municipal de Guimarães existe essa aposta e esse apoio diferenciado aos projetos desportivos que tenham a questão da inclusão associada, mas também a questão do género. Trata-se de um objetivo que já assumimos como prioritário, que é termos cada vez mais um desporto paritário do ponto de vista do género dos seus praticantes. Percebemos que há modalidades que têm mais meninas e outras modalidades que têm mais meninos. Aquilo que queremos é que seja cada vez mais equilibrado, mas para isso também é preciso que, por um lado, os próprios clubes façam essa aposta, e, por outro lado, que existam condições reais para que essa aposta aconteça.

Há ainda uma outra dimensão: a sustentabilidade ambiental no desporto. Cada vez mais percebemos que o ecossistema desportivo, em Guimarães, está mais alerta e está a fazer esse caminho da transição energética e da transição ambiental. Por um lado, cruza-se com os objetivos gerais que temos para o município de Guimarães, que são objetivos também internacionais, e que colocam Guimarães na vanguarda no que diz respeito a essa transformação da comunidade através do desporto. O programa municipal Desporto Carbono Zero diria que é a imagem perfeita daquilo que nós queremos como realidade no concelho de Guimarães para a próxima década.

Falando das modalidades, não podemos, obviamente, deixar de falar no futebol. Esta continua a ser a modalidade em que existe uma maior aposta. De que forma é que o município vê a possibilidade de alargar estas grandes apostas a outras modalidades?

Eu confesso que essa é uma das questões que, no exercício das minhas funções, me deparo mais. Confronto-me a mim mesmo sobre como lidar com essa realidade que temos em Guimarães, no país e na generalidade dos países europeus, que é a circunstância de o desporto ser, muitas vezes, o futebol. É preciso percebermos que o desporto não é só futebol. A primeira ideia que me assalta é que temos que criar condições para que os outros desportos também possam florescer. Temos que criar condições do ponto de vista das infraestruturas, do próprio apoio que damos aos clubes que promovem estes desportos, mas também nas escolas no sentido de darmos a experiência e experimentação para que as nossas crianças tenham esse contato com as modalidades. As pessoas só praticam o desporto que conhecem e, portanto, se não tiverem esse conhecimento, não o vão fazer naturalmente.

Sabemos também que a circunstância da generalidade da população querer praticar futebol também não deve ser combatida. Não é uma coisa que é má. Ou seja, na reflexão que muitas vezes faço sobre que papel e que atuação estou a ter sobre esse fenómeno, aquilo que eu tenho encontrado como ponto de equilíbrio é a criação de condições para o resto das modalidades serem mais praticadas, para as pessoas terem essa possibilidade real, mas também vamos continuar a dar o apoio ao futebol, até porque o futebol também é desporto e não devemos combater a prática do futebol.

Este é um equilíbrio com recursos limitados, com escolhas a fazer. Às vezes é difícil, mas eu confesso que é algo que tenho tentado, neste objetivo geral, que é ter cada vez mais pessoas a praticar desporto e atividade física, seja futebol ou outras modalidades. Guimarães também tem sido exemplo, com o crescimento de muitos clubes, nos últimos anos, e alguns com uma expressão e um crescimento exponencial até de modalidades que não eram praticadas em Guimarães. Estou a pensar na questão da ginástica, na patinagem ou nos desportos de combate e artes marciais, que eram desportos que tradicionalmente não existiam em Guimarães e agora existem como uma grande expressão. Esse é o caminho que é possível caminhar com sucesso.

Considera que há um desporto para cada pessoa, apenas tem de ser encontrado?

Acho que sim, até pode haver mais que um. Aquilo que nós temos que criar, enquanto comunidade, é precisamente essa possibilidade de cada um se realizar no desporto da forma que consiga. Aquilo que nós temos é de criar condições para que as pessoas possam praticar o desporto que as realiza e que as faz sentir bem. Há também outra dimensão importante que é a diferenciação entre o desporto e atividade física. Muitas vezes falamos em desporto, num sentido mais amplo, mas aquilo que nós queremos é que as pessoas tenham atividade física, que se mexam e que criem bem-estar através do desporto.

Desde há 10 anos, muito mudou no desporto. Hoje falamos de Street Basket, skates, dança e arte urbana. Como é que Guimarães tem acompanhado estas tendências?

Tem acompanhado com proximidade, com muito interesse e com muito entusiasmo. A perspetiva que nós temos do desporto não é uma perspetiva limitadora de que o desporto é só à volta das quatro linhas.

A perspetiva que temos é mais transversal, do ponto de vista da realização na vida das próprias pessoas, daquilo que pode mudar na saúde e no bem-estar, da socialização e dos valores que o desporto transmite e que não são atingidos noutro lado qualquer. É só no desporto que conseguimos ir buscar algumas lições importantes para a nossa vida.

Também do ponto de vista da transformação do território, temos feito o caminho de pensar no espaço público e na sua integração no espaço público. Percebemos que cada vez mais há uma aposta na criação de espaços de prática de atividade física em contexto informal. Um bom exemplo é a ecovia, em que aliamos a vertente ambiental, com a recuperação das margens dos rios, e ao mesmo tempo criamos um equipamento que é para a prática de atividade física.

Temos um projeto de levantamento, neste momento, de Street Basket. A perspetiva que temos é que esse espaço de prática de atividade física possa ser também um gatilho para a recuperação urbana. Essa é uma leitura alargada do desporto, com a comunidade que o envolve, associada a uma maior responsabilização. É precisamente essa a visão mais completa daquilo que deve ser o desporto numa centralidade de definição de políticas públicas para o concelho de Guimarães, enquanto elemento transformador na sociedade.

Fala-se muito na inclusão do desporto desde tenra idade, mas este também é fulcral na terceira idade. Os mais idosos em Guimarães têm uma vida ativa?

Os idosos têm uma vida ativa. É uma das franjas da população que naturalmente nos merece maior atenção e para a qual eu penso que temos sido inovadores e criativos na criação de respostas. Sobretudo os programas definidos em articulação da Câmara Municipal com a Tempo Livre, temos programas muito engraçados e com resultados muito reais na vida dos mais idosos. Também os próprios clubes começam a fazer essa aposta, naquilo que oferecem do ponto de vista da sua prática. Em Guimarães estamos a ser pioneiros no Walking Handball e o Walking Football, que é um sucedâneo da modalidade “mãe” do andebol e do futebol, direcionado ao público sénior. É uma pequena adaptação da forma de praticar desporto que chama e convoca os mais idosos a manterem-se ativos e saudáveis. É uma das coisas para a qual temos estado a desenhar respostas.

Guimarães já foi Capital Europeia da Cultura e Capital Europeia do Desporto. Enquanto vereador da Juventude, alcançar o estatuto de Capital Europeia da Juventude é uma ambição?

Acho que é uma porta que devemos deixar aberta e acho que é um objetivo interessante. Nós estamos marcadamente no caminho da Cidade Europeia, e, portanto, essa é a prioridade das prioridades, mas de facto tudo se cruza. Acho que esta capacidade que nós temos tido de colocar bandeiras como objetivo comunitário são importantes, sobretudo pela transformação e pelo caminho que nos obriga a fazer na nossa comunidade. Diria que quando fomos Capital Europeia da Cultura, em 2012, mais importantes do que o próprio ano ou o título, foi aquilo que possibilitou antes e depois, para um território mais atento à cultura. Na Cidade Europeia do Desporto, em 2013, exatamente a mesma coisa. Destacam-se as transformações provocadas e os resultados que se atingiram.

O caminho que temos feito para ser Cidade Verde Europeia, já o sentimos, já percebemos a mudança no nosso território e na nossa qualidade de vida e mentalidade. Ainda não tivemos esse tipo que procuramos, mas tudo o que forem causas, bandeiras e objetivos que possam transformar o nosso território e a nossa vida para melhor, como seria, por exemplo, o objetivo de sermos Cidade Europeia da Juventude, acho que são objetivos desses que nós vimaranenses gostamos e que apontamos

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