NESTE SETOR, O “FAZER RÁPIDO PARA FATURAR DEPRESSA” CUSTA VIDAS

Até ao momento, morreram 22 trabalhadores em acidentes de trabalho na construção civil. E uma morte é sempre muito. Um setor a braços com a escassez de mão-de-obra, trabalhadores clandestinos e falta de segurança.

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Até ao momento, morreram 22 trabalhadores em acidentes de trabalho na construção civil. E uma morte é sempre muito. O retrato de um setor a braços com a escassez de mão-de-obra, trabalhadores clandestinos e falta de segurança.

Acidente de trabalho em Fermentões fez uma vítima mortal. ©João Bastos/ Mais Guimarães

“As imagens não deixam dúvidas a ninguém.” Para Albano Ribeiro, presidente do Sindicato da Construção de Portugal, a causa da morte do jovem de 25 anos numa obra de construção civil em Fermentões, neste mês de dezembro, reflete a falta de “meios em quantidade e qualidade de proteção individuais e coletivos” no setor. A vítima mortal do acidente de trabalho na rua Quinta da Pereira foi atingida por uma estrutura que se terá desprendido. Um trabalhador de 61 anos, também atingido, ficou ferido com gravidade e foi transportado para o Hospital da Senhora da Oliveira. Segundo a mesma fonte, a “estrutura” que se desprendeu não corresponde “à própria lei vigente”.

José Maria Ferreira, da delegação do mesmo sindicato da região a Norte do Rio Douro, diz mesmo que, para além da estrutura que se desprendeu, “não houve planeamento de andaime” na obra nem “de proteção de trabalhadores”. “Ao serem apanhados, demonstra que realmente constitui um crime”, acrescenta, apontando que “já há muitos anos” se luta para que “se criminalize a negligência”. No setor da construção civil, a falta de segurança não é um problema de agora: segundo os dados fornecidos pelo Sindicato da Construção de Portugal, 23 pessoas morreram em acidentes na construção civil. Já a Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN) rege-se pelos “últimos dados oficiais conhecidos”, que apontam para 22 acidentes mortais. Um “número que é inferior ao dos anos anteriores, mas que revela que há ainda muito a fazer por todos os intervenientes”.

Setor atravessa problema de escassez

Para Albano Ribeiro, parte do problema passa pela falta de qualificação dos inspetores: “Devem ser, no mínimo, engenheiros de segurança ou técnicos. Muitos não estão qualificados para intervir no setor.” Segundo a mesma fonte, o setor tem, em falta, “80 mil trabalhadores”. “Todos os dias saem para fora do país. Dos que há em Portugal, 80% nunca foram trabalhadores de construção civil. Já tivemos 900 mil. Agora, são 400 mil. E se a morte de um trabalhador é de lamentar… São 23. São muitos”, acrescenta. A AICCOPN não tem dúvidas: “é inquestionável que o setor atravessa atualmente um problema de escassez”. Um problema que “tenderá a agravar-se a médio prazo, o que tem originado um crescente interesse das empresas na mão-de-obra estrangeira”, afirma um e-mail enviado pela associação à redação do Mais Guimarães.

© Direitos Reservados

Segundo o mesmo documento, “é urgente a adoção de medidas adequadas para inverter esta situação, designadamente a criação de um regime excecional de mobilidade transnacional de trabalhadores estrangeiros já vinculados a empresas portuguesas com atividade em mercados externos”. A associação, que assume um papel representativo das empresas que atuam no setor, “pugna pelo estrito cumprimento de todas as disposições legais aplicáveis, quer no que respeita à habilitação das empresas para o exercício da atividade quer no que se refere às obrigações laborais e de segurança e saúde no trabalho”. As empresas associadas têm à sua disposição “assessoria técnica especializada nestas áreas” por parte da AICCOPN. O Mais Guimarães tentou contactar o Centro Local do Ave da ACT, mas não foi possível obter declarações até ao fecho da passada edição.

Andaimes ainda preocupam

Para José Maria Ferreira, a ação da ACT “não é suficiente”: “Em 2019 mandamos uma circular a todas as delegações a Norte do Rio Douro e solicitamos uma ação preventiva sobre o trabalho. A ACT atua quando é chamada ou em cima ou após o acidente. Não chega.” Contudo, o sindicalista faz notar que a legislação é adequada, bem como a diretiva comunitária de estaleiros.

De acordo com o ponto 6, sobre andaimes e escadas, da Secção II da diretiva (relativa aos “postos de trabalho nos estaleiros no exterior das instalações), “os andaimes devem ser inspecionados por uma pessoa competente” em vários momentos: antes da sua colocação, mas também “posteriormente, a intervalos regulares”, bem como “depois de qualquer modificação, período de não utilização” ou ainda “intempéries”.

E segundo a Ficha de Segurança da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) relativa aos andaimes, estes devem conter um nivelador de base de apoio, prumos verticais e de ligação, barras horizontais e diagonais, para além plataforma, que suporta “cargas, pessoas e objetos ou ambos em simultâneo”, do guarda-corpos, do protetor lateral contra queda em altura e um guarda-cabeças.

Para José Maria Ferreira, a ação da ACT “não é suficiente”. ©João Bastos/ Mais Guimarães

Ora, como José Maria Ferreira refere, “há andaimes modernos que, uma vez montados, têm encaixe próprio e não há perigo de se desengatarem” e, por isso, estão a ser averiguados dois potenciais problemas: “Não há transmissão da responsabilidade e da aplicação de segurança”. Para o sindicalista, os andaimes da obra também seriam um problema: “Não havia ali ninguém que percebesse fosse o que fosse de montar uma estrutura de proteção, quer no chão quer no andaime. Foram atingidos como poderiam cair com o andaime”, diz.

José Maria Ferreira não descarta a possibilidade da má colocação do andaime no solo: “Assentam- -se os ferros em cima de tijolos ou tábuas, não em terreno previamente preparado ou plano.” “Por aquilo que vi no local, aquilo não tem a configuração de um andaime. Aparece uma ou outra peça que será uma perna de andaime. Pode-se dizer que não tinha pés nem cabeça”, afirma.

“A morte de alguém não se paga”

O Sindicato da Construção faz “plenários nas obras” e distribui “documentos”, e lembra que um trabalhador “não deve ser punido” quando se recusa a trabalhar numa situação em que exista “uma manifesta falta de segurança”, explica José Maria Ferreira. “Este ano, fizemos mais de 300 ações pedagógicas. Evitou-se o maior acidente da construção em Portugal no aproveitamento hidroelétrico no Alto Tâmega. Foi evitado pela intervenção do sindicato, não pela ACT”, relembra. Um outro problema com que a AICCOPN lida é o “combate à clandestinidade”, que afasta “empresas que operam na ilegalidade”, através, por exemplo, da contratação de mão-de- -obra ilegal. Há trabalhadores que exercem “informalmente a sua atividade”.

Segundo os dados publicados na página da internet da ACT, contabilizaram-se, desde 2014, um total de 225 acidentes mortais de trabalho no setor da construção. Em 2014, contabilizaram-se 41 mortes em contexto de trabalho. O número subiu para 44 em 2015, mantendo-se acima das quatro dezenas no ano seguinte, registando-se 42 mortes. Em 2017, o número desceu para 33, mas subiu para 43 em 2018. Este ano, como já foi referido neste artigo, até agora, morreram 22 trabalhadores do setor no trabalho.

Em 2017, Albano Ribeiro apontou outro problema no setor: chegam muitos trabalhadores a Portugal “através de angariadores de mão-de-obra clandestina”, atraídos pela possibilidade de garantirem um emprego numa área com falta de pessoal. E a barreira da língua terá originado “alguns acidentes”, pelo menos no ano passado.

José Maria Ferreira acrescenta ainda que há muitas mortes ligadas à construção civil em hospitais “e até em casa”, com complicações “ligadas a acidentes de trabalho”. E há um perigo escondido: o “fazer rápido para faturar depressa”, aponta o sindicalista. “A questão da segurança e a vida das pessoas não é prioridade”, diz. Mas, para José Maria Ferreira, o problema na base de acidentes como o de Fermentões é fácil de evidenciar: “Ninguém liga nenhum. Não há penalização. Paga-se uma multa e pronto. O problema é que a morte de alguém não se paga.”

Este ano, morreram 83 pessoas em acidentes de trabalho

Segundo os dados estatísticos da ACT, cuja última atualização data de 02 de dezembro, morreram em Portugal, este ano, 83 pessoas em acidentes de trabalho, um número bem abaixo do qeu tem vindo a ser registado desde 2014. No ano passado, morreram 157 pessoas nestes acidentes. Os meses com maior incidência de acidentes de trabalho mortais são janeiro, março, abril e junho. Em 2018, o ano em que mais pessoas morreram no trabalho (157), registaram-se 20 mortes só no mês de maio.

Quanto ao distrito, o de Braga registou, segundo os dados da ACT, 7 mortes (mas não está contabilizado o acidente mortal de Fermentões), menos 3 do que em 2018. Ainda assim, é em Faro e em Lisboa que mais pessoas morrem em contexto laboral: 10 e 17, respetivamente. No ano passado, morreram 42 pessoas na capital. Nos distritos de Évora, Guarda e Portalegre e na Região Autónoma da Madeira, não há registo de mortes no trabalho este ano.

A maior parte dos trabalhadores que morreram (58 em 83) são cidadãos nacionais, havendo 16 em averiguação quanto à nacionalidade. Morreram 62 homens e 4 mulheres este ano no trabalho, havendo 17 casos cuja informação não está ainda disponível. Morrem mais trabalhadores cuja idade se concentra entre os 45 e os 54 anos em praticamente todos os anos disponíveis para consulta; ainda assim, os números também são elevados entre os 35 e os 44 anos e os 55 e os 64 anos.

É no grupo profissional dos “operários, artífices e trabalhadores similares” que mais mortes se registam. ©João Bastos/ Mais Guimarães

É no grupo profissional dos “operários, artífices e trabalhadores similares” que mais mortes se registam (26), seguindo-se o grupo dos “trabalhadores não qualificados” (16) e dos “operadores de instalações e máquinas e trabalhadores de montagem” (8). Quanto ao tipo de empresa, há mais casos nas que empregam entre 1 e 9 trabalhadores (17 mortes), e morrem mais trabalhadores com contrato de trabalho sem termo (37), a situação no emprego dominante no mercado de trabalho. No que concerne o setor de atividade, o da Construção regista sempre os números mais elevados. Os restantes setores em que mais se registaram mortes foram os das Indústrias Transformadoras (14), Agricultura, Produção Animal, Caça, Floresta e Pesca (10) e Transportes e Armazenagem (10).

Relativamente ao local, morre- -se mais em estaleiros, zonas de construção, pedreiras e minas a céu aberto, para além das zonas industriais e locais públicos não especificados.

Nos edifícios, construções e superfícies acima do solo (seja no interior ou no exterior), morreram 9 pessoas em 2019. Mas foram as máquinas e equipamentos portáteis ou móveis (13) e os veículos terrestres (10) os agentes materiais que mais causaram mortes este ano.

A maior parte das lesões que se revelaram fatais foram por esmagamento, entalação ou arranque de um membro (22, no total).”

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