Noble: “Aquilo que um artista tem de melhor para deixar é a obra”

Entrevista publicada na edição de maio da revista Mais Guimarães.

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Diz que não tem segredos mas o seu último álbum chama-se “Secrets”. É o Noble, vem de Amarante e está a dar cartas nos Estados Unidos da América. Em Portugal são poucos os que o conhecem mas o importante é que a “música faça o caminho dela”.

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

Dizes que o Pedro é muito tímido mas o Noble não. Estou a falar com o Noble ou com o Pedro?

Neste momento estás a falar com o Noble [risos].

[risos] Só para perceber até onde posso ir…

Podes esticar a corda à vontade, não há problema.

Nasceste em 1996, mas já li várias coisas sobre ti, de diferentes anos, e tens sempre 23. Decidiste parar no tempo? [risos]

[risos] Foi. Mesmo lá em casa, o pessoal já sabe que as velas, todos os anos, são sempre 23. Não, estou a brincar, tenho 26, só que isso não vai atualizando. Mas eu também não me chateio, por isso está tudo bem.

Tinhas quantos anos quando a tua avó te deu uma guitarra?

Tinha 15 anos – ou estava quase a fazer 15 anos – quando ela me deu a minha primeira guitarra. Lembro-me perfeitamente desse dia, porque a minha avó, como é óbvio, não me foi dar a guitarra. Pediu-me para eu a ir ensinar a levantar dinheiro e eu fui. Ela levantou o dinheiro, que era o valor da guitarra, deu-me e disse “agora vai e compra a tua primeira guitarra”. Portanto, na verdade, eu é que decidi aplicar bem esse dinheiro. Podia ter gasto noutra coisa.

Que é que aprendeste com essa guitarra?

Aprendi tudo, tudo aquilo que ainda sei hoje, os primeiros acordes, os primeiros dedilhados. As primeiras experiências que fiz foram com essa guitarra. A primeira coisa que aprendi foi a afinar uma guitarra. É a coisa mais difícil, sempre. Mas, a partir desse momento, foi sempre um instrumento muito instrutivo e intuitivo.

E fora da música, o que é que aprendeste?

Trouxe-me muitos amigos a guitarra, principalmente no tempo de escola. Foi um grande desbloqueador social. Eu sempre senti que era um bocadinho – e continuo a ser – tímido, mas a música acho que quebra um bocado essa barreira e toda a gente gosta de estar rodeado de amigos e cantar umas canções. Isso foi uma grande parte e uma grande ajuda na minha adolescência.

E onde é que ficou a mecânica?

Ficou no colégio de São Gonçalo, em Amarante, porque eu jurei que jamais tiraria isso de lá [risos].

Como é que descobres que gostas mesmo de cantar e como é que surgem as tuas primeiras músicas?

Acho que a primeira vez que cantei a sério já tinha 16 anos. Sempre tive muita vergonha, nem os meus pais me tinham ouvido cantar até então. Foi um professor que tive que me incentivou a começar a cantar porque dizia que o instrumento ia parecer mais fácil. Uma guitarra, por si só, é tudo muito bonito, mas podemos dar ali um complemento e torna-se mais interessante. Lembro-me que, no início, era muito difícil e tinha que parar entre acordes para conseguir encaixar. Mas fui-me adaptando e depois a minha família começou a achar piada e dizia que eu até cantava bem.

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

Começou a ser um hobby, claro, como tudo, mas rapidamente percebi que queria muito fazer isso e que tinha alguma coisa para dizer. Nunca tive grande interesse em aprender muitas canções de outros artistas, comecei logo a tentar escrever as minhas próprias canções. Era uma seca ter que aprender coisas dos outros, era mais fácil criar. Lembro-me da primeira canção que compus, era em português, mas se me pedires para tocar hoje, já não sei. Foi um processo muito divertido. Descobrir um instrumento é um processo muito divertido, principalmente se é um instrumento que te pertence, que é, neste caso, a voz. Foram muitos dias passados no quarto. A minha mãe até se preocupava: “vai sair com os teus amigos”. Eu não queria, só queria a minha guitarra, só queria estar no quarto.

Como é que passas do quarto – e da garagem – para ser o Noble que hoje conhecemos?

Muita água correu debaixo dessa ponte. Comecei no quarto e, entretanto, tive um amigo que me marcou um concerto, disse que precisava que eu fosse cantar com ele. Como não gosto de deixar os meus amigos mal, fui e correu muito bem. As pessoas gostaram, os nossos amigos deram um feedback muito positivo – que normalmente é natural e nunca ligamos muito, porque os nossos amigos têm sempre uma palavra bonita para nos dar -. Mas foi uma experiência muito interessante e desafiante. Foi a primeira vez que saí do quarto. Foi um momento de grande intensidade e foi um ponto de viragem para mim, porque, a partir daí, sabia que pelo menos todos os fins de semana tinha que fazer isto, tinha que ir tocar, tinha que arranjar um bar para ir fazer barulho. Depois comecei a conhecer outras pessoas com quem queria partilhar isto e fazer música, e depois havia aquelas jams, que é sempre a parte mais gira, porque a música é mesmo partilha. Ninguém se conhecia de lado nenhum, cada um com o seu instrumento, cada um a fazer o seu barulho e, de repente, aquilo soava a qualquer coisa. Achava isso fascinante.

A partir daí criei a minha primeira banda. Gravamos algumas coisas que nunca foram editadas, depois tive outras bandas… Tive uma banda com o Jorge Oliveira, o baterista dos Fingertips, e foi o Jorge que me apresentou o Rogério, que é o meu manager agora, e foi aí que começou esta história toda. Está a correr tudo muito bem, lancei a minha primeira canção. Felizmente, foi muito bem recebida pelas pessoas, abriram-me as portas de suas casas.

A tua mãe não te deixava ver Morangos com Açúcar… [risos] Como é que reagiu quando uma música tua passou numa novela?

[risos] A minha mãe nunca foi muito de ver novelas e, principalmente, os Morangos com Açúcar, dizia que aquilo era muito violento e, confesso, nunca tive também grande interesse. Para a minha avó, foi uma experiência incrível. Lembro-me de ser miúdo, ia lá passar o fim de semana e ela não ia para a cama sem ver as novelas todas. Mas eu ver a minha música numa novela foi uma coisa… Foi aí que eu percebi que as coisas estavam a acontecer. Quase S. Tomé, tens que ver para crer, sabes? Tínhamos uma música, estávamos a fazer uma coisa que nos orgulhava. De repente, ver isso a ganhar forma, a ganhar dimensão e a chegar ao público… Nunca consegues viver duas vezes uma primeira vez. Sinto-me mesmo grato por essa primeira vez ter sido uma coisa tão intensa, porque eu sinto que foi um momento que eu vou querer guardar para sempre. Lembro-me do primeiro dia em que me sentei no sofá de casa, morava no Porto, e ver a novela a arrancar e o genérico era a minha canção. Foi um momento muito marcante para mim.

Marcou-te mais, ou de igual forma, teres ouvido pela primeira vez na televisão ou na rádio?

Marcou-me mais na rádio, porque a rádio é sempre onde nós nos imaginamos e onde nós nos queremos ver. Lembro-me da primeira vez que ouvi a “Honey”, estava a passar à porta do estádio do Dragão. Ia com mais gente no carro e a música começou a tocar e eu não percebi que era a minha música. E alguém disse “põe mais alto, põe mais alto”. Lembro-me de ir a conduzir e pensar: “é impossível”. Não encostei o carro, porque estava no meio da VCI. Pensei “é impossível, é a minha música”, e as pessoas todas muito felizes. É uma experiência quase fora do corpo. A alma sai e diz assim: “Parabéns. Parabéns a todos os intervenientes que conseguiram fazer isso acontecer”. E foi um momento muito giro, mas lembro-me que as pessoas deram mais ênfase que eu, até porque ficas meio quase em estado de choque.

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

Lançaste essa música em 2019. A pandemia veio atrasar alguma coisa na tua vida artística ou, pelo contrário, foi inspiração?

Veio dar muita inspiração, mas atrasou-me a vida toda. Tínhamos lançado o primeiro disco em novembro de 2019, fizemos um concerto na Casa da Música, para apresentar o disco numa sala cheia. Estávamos todos ansiosos pelo ano que vinha aí, com as coisas que iam acontecer, a música estava a tocar muito. Estávamos entusiasmados, tínhamos muito para mostrar às pessoas e, de repente, batem-nos à porta e é o covid a dizer “vão aguentar os cavalos que a vida não é assim tão simples”. Nos primeiros tempos ainda foi uma coisa bastante dolorosa – como foi para toda a gente -. Obrigou-te a ser muito racional e pensar muito a frio sobre quais eram os próximos passos que ias fazer. Quando nós resolvemos parar de chorar sobre a situação e pensar “bem, vamos arregaçar as mangas e fazer alguma coisa”, foi quando surgiu o desafio que fizemos com a RFM para lançar o “Secrets”, o meu segundo disco, e dar a conhecer novas vozes e dar oportunidade a pessoas de aparecerem e dar as oportunidades que eu fui muito feliz ao longo da vida por ter. A pandemia estragou-nos um bocado o cronograma, mas, por outro lado, também nos deu tempo para pensar e fazer uma coisa com pés e cabeça e acabar por fazer uma coisa que foi bastante bonita.

Em que é que te inspiras?

Inspiro-me, principalmente, no meu dia a dia e na minha vida pessoal. Sinto sempre muito mais facilidade em falar sobre coisas que eu vivi. Gosto muito mais de falar na primeira pessoa e é o que eu tenho feito. Já me aconteceu escrever sobre o ponto de vista de outras pessoas. Por exemplo, no primeiro disco escrevi sobre quando a minha avó perdeu a mãe. Mas musicar a vida de alguém é um processo muito complicado.

O teu último álbum chama-se “Secrets”. Qual é o segredo que pouca gente sabe sobre ti?

Sou um gajo que não tem assim muitos segredos. Não escondo nada. Se calhar até devia esconder um bocadinho mais. [risos] Tens alguns duetos, com novos talentos, e tu próprio há bocado disseste que a música é partilha.

Qual seria o dueto de sonho?

O Bruce Springsteen já todos sabemos, não é? Não vou escolhê-lo porque é demasiado óbvio. Talvez, no mundo em que vivemos hoje, eu fazia um grande dueto com a Dua Lipa.

Já este ano, lançaste “I Give Up”. Quais são as maiores diferenças que vês entre esta última música e a primeira?

Sinto que nós, tanto eu como como Rui – que é o meu produtor e com quem tenho trabalhado nestes últimos cinco anos -, amadurecemos juntos, como artistas também. Ter tempo para nos conhecermos torna o processo criativo, depois, muito mais interessante. Em vez de estarmos a levar cada um aquilo que temos para cima da mesa, começamos mesmo a complementarmo-nos. Isso é a maior diferença que eu vejo. Amadurecemos bastante como artistas e isso transcreve-se na nossa composição. A “Honey” é uma canção de esperança e de que o amor prevalecerá sempre. Na “I Give Up” percebes que às vezes é melhor sair em alta, não substituir memórias boas com coisas más. Isso também ajuda a dar um tom diferente à forma como entregas aquilo que tens para dizer. Amadurecemos bastante e acho que essa canção transparece isso, melodias mais ternas, uma forma diferente de usar o piano, abordagens diferentes… Acho que isso se tem vindo a refletir mesmo nas músicas mais rápidas. Sinto que nos conhecemos melhor a nós próprios como artistas e isso vai transparecer para o público que estamos mais seguros naquilo que estamos a fazer.

A sensação que tenho, e corrige-me se estiver errada, é que muita gente conhece as tuas músicas, mas não sabem de quem são. Quando sabem que são tuas, do Noble, não fazem ideia que és português

Isso acontecesse muito. Se eu ganhasse um euro de cada vez que isso acontece… [risos] Estou a brincar, mas acontece. Mas é bom sinal, porque aquilo que um artista tem de melhor para deixar é a obra. Não me importo de não ser conhecido. Sinto que a minha obra já é muito maior do que eu e isso é um sentimento indescritível. Só a arte nos pode fazer sentir assim. Não tenho problema nenhum de sentir que a minha música vai mais longe do que eu. Estou bem em Amarante, sentado no meu canto. A minha música que faça o caminho dela e que chegue às pessoas.

Falando de Amarante, foi fácil sair de uma cidade que não é um grande centro e chegar ao mundo da música?

Acho que, no mundo em que vivemos hoje, tudo é muito mais fácil. O acesso à informação e a forma de chegar ao público… qualquer pessoa, dentro de casa, com computador, consegue… É óbvio que as coisas não funcionam assim tão linearmente, mas é muito mais fácil, estamos todos muito mais próximos. O que também dificulta um bocadinho a vida, porque se eu tenho facilidade em mostrar quer dizer que mais um milhar de pessoas que está à minha volta também tem facilidade em mostrar. Mas eu prefiro que seja assim. Toda a gente tem alguma coisa para dizer e há sempre alguém que está interessado em ouvir. Por isso, dar opção de escolha às pessoas é muito bom.

Disseste, numa entrevista, que “Portugal é um país muito pequenino para os artistas”…

Fui mal interpretado e lembro-me perfeitamente do dia em que isso me apareceu. Eu disse que o nosso mercado é pequeno para os artistas que temos. Foi isso que eu disse. E continuo a achar que nós temos artistas muito bons, artistas gigantes que não têm as oportunidades que mereciam porque temos um mercado que, na verdade, está bastante saturado. É assim que as coisas funcionam naturalmente, nem toda a gente vai ter as mesmas oportunidades na vida. Por isso é que, às vezes, quando consegues alcançar alguma coisa que não te parecia para ti, depois, sabe muito melhor. Era isso que eu queria dizer, que somos um país quase de nichos musicais.

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

Fala-me dos Estados Unidos. É um sonho tornado real?

Podemos ficar aqui duas horas a falar dos Estados Unidos. Foi uma experiência muito interessante e muito intensa para todos nós. Fomos como banda, fomos tocar, fomos filmar e sinto que isso nos deu a oportunidade de conhecermos a forma como cada um de nós opera, o que é muito bom. Quando passas 20 dias fora do teu país a partilhar um quarto ou a partilhar o jantar e o almoço todos os dias com as pessoas começas a conhecê-las e existe uma dinâmica que torna tudo mais frutífero porque começas a perceber o espaço das pessoas, começas a perceber como lidar com as frustrações em conjunto, o que é muito bom. Como coletivo foi uma experiência incrível.

A nível pessoal, tenho que te dizer, ter oportunidade de tocar nos Estados Unidos, para mim, é o início de um sonho que está a ganhar forma e tornar-se realidade. Sempre consumi muita música inglesa e sempre fui um grande fã da cultura americana e depois tu encontras-te ali naquele país onde tudo parece um filme… Passas numa rua, passas num viaduto, passas em qualquer coisa e pensas “mas eu lembro-me disto” ou “eu já vi isto num filme”. Cria-se ali uma mística à volta de tudo porque tu não pertences ali e sabes que não pertences ali. Mas, por outro lado, sentes-te em casa. Acho que não pertenço a lado nenhum. Na verdade, gosto de pensar que posso adaptar-me e pertencer a qualquer lado. Mas os Estados Unidos têm uma atratividade muito grande principalmente porque a indústria da música… Se as coisas acontecerem lá, vão acontecer em todo o lado. E aquilo que eu quero é que, definitivamente, a minha música aconteça. Já foi bom, para já, o que aconteceu. Estivemos a tocar, estivemos na maior conferência da indústria da música do mundo. Foi uma oportunidade muito interessante para nós. Estivemos a filmar um videoclipe em Palm Springs, que é um dos sítios mais bonitos que eu já estive até hoje, e outro em Las Vegas. Foi um dos momentos que mais me marcou até hoje, atravessar o deserto Red Canyon, naquele silêncio sideral… É quase transcendente. Foi um momento muito muito bonito e fizemos lá coisas que eu me orgulho e que em breve vamos mostrar ao público.

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