CarClasse
CarClasse
“O que é que aconteceu para os jovens deixarem de ir votar?”

Entrevista publicada na edição de março da revista Mais Guimarães.

rui-oliveira-Barra-+G-10-anos-entrevista

Presidente do Conselho Nacional da Juventude desde janeiro 2022, Rui Oliveira, esteve à conversa com a Mais Guimarães no Encontro Nacional da Juventude. Ao longo de três dias estiveram, na cidade berço, reunidos mais de 800 jovens de todo o país.

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

Começo por perguntar, precisamente, quais é que achas que são as principais preocupações dos jovens de hoje em dia?

As principais preocupações dos jovens acho que estão materializadas nestas seis temáticas ou seis áreas que aqui construímos. São as questões do trabalho, como nós sabemos, hoje, a questão do emprego, da opção, das oportunidades que surgem, as oportunidades de salário que têm. São as questões do ambiente, da crise climática, daquilo que são os problemas que nós conhecemos do meio ambiente, da falta de respostas que temos no âmbito ambiental e de saber que estamos a gastar mais recursos do que aqueles que realmente temos. Quando olhamos, por exemplo, no âmbito da habitação, sabemos todos nós a crise enorme que temos em Portugal para os jovens e que os jovens têm uma enorme dificuldade em encontrar casa a preços acessíveis e sabemos uma coisa: a casa é um dos elementos fundamentais para que os jovens tenham a oportunidade de se emancipar, sair de casa dos seus pais, e ir à procura das suas oportunidades. Quando olhamos para a educação, olhamos para aquilo que é uma fase fundamental na vida de um jovem que é educar, se está na escola, ter uma boa educação, e não só uma educação… quando pensamos em educação, às vezes, pensamos na educação letiva. Não essa educação letiva, mas capacitação, na maneira como nós chegamos a evoluir. Depois a questão, também, da igualdade. Trouxemos a questão da igualdade, da inclusão, porque os jovens têm esta preocupação muito grande com esta questão de ninguém ficar para trás, ninguém ficar excluído. E como é que nós podemos trabalhar isso? Sabemos que é um desafio enorme. Sabemos que é um dos maiores problemas da nossa sociedade, porque todos nós queremos coisas diferentes, todos nós, apesar de tudo, queremos sempre ter as nossas resoluções. Como é que podemos ter essas hipóteses e oportunidades? Por último, a saúde. Acho que, depois de passar por uma crise pandémica, é difícil dizer que esta não é uma das principais áreas e um dos principais temas que temos na juventude. O que é que eu acho da saúde? Principalmente reforçar aqui a questão da saúde mental. É um dos principais pontos de preocupação dos jovens e acredito que, hoje, sairá também muito sobre saúde mental e muitas propostas sobre saúde mental.

“Aqui os jovens decidem o futuro” dá o mote para este encontro. Os jovens ainda estão muito longe das decisões e do centro de decisão?

Os jovens já estiveram mais perto do centro de decisão. Continuamos a ter e nós, enquanto Conselho Nacional da Juventude, temos alguma ligação, mas sentimos que os jovens não estão no centro da decisão. Na Assembleia da República, um exemplo claro disso, temos menos deputados jovens do que tínhamos há alguns anos, é das Assembleias da República menos jovem de sempre. Esse é um problema e uma preocupação que nós temos. Os jovens, aliás, quando muitas vezes olham para a vida política, sentem que têm poucas caras com quem se reconhecem e em quem vejam a sua representação. É um dos pontos que temos que corrigir e mudar e acho que esse é um dos pontos que nós queremos mostrar aqui. Queremos mudar e dar uma nova forma de pensar. Queremos pôr os jovens a decidir. Não sou propriamente o maior fã do “decidem o futuro”, porque acho que os jovens decidem o presente, mas têm aqui um ponto principal que é decidem o futuro, decidem eles. São eles que decidem. Nós temos uma parte da plateia, mas essa parte será muito menos usada que a parte das mesas. Na parte das mesas, o que queremos, é discussão com os jovens, que os jovens discutam ideias, produzam ideias, que eles tenham voz. Os decisores políticos quando vêm, vêm ouvir os jovens nessas mesas, vêm ouvir os jovens a falar sobre suas propostas e não serão eles [decisores políticos] a falar para os jovens.

“É das Assembleias da República menos jovem de sempre”

Rui Oliveira

Ainda assim, acreditas que os jovens estão hoje mais atentos e mais preocupados com aquilo que se passa na sociedade?

Eu acho que os jovens nunca se desligaram dessa vida. Mas é certo uma coisa: os jovens, não se desligando, procuram maneiras diferentes daquelas tradicionais que às vezes conhecemos. Hoje é difícil um jovem numa plateia intervir. É muito mais fácil num modelo destes, de educação não formal, os jovens intervirem. Aqui nós sabemos que eles intervêm, participam, dão ideias, porque conseguimos trazer conforto para dar as suas ideias num pequeno grupo aos jovens que estão um bocadinho mais envergonhados. Quase uma validação: “ok, realmente faz sentido o que eu penso, não sou só eu a pensar isto, não sou só eu com esta dificuldade”. Isto é um crescendo até realmente sentir conforto e sentir essa oportunidade. Por isso, sim, eu acho que os jovens nunca deixaram de partilhar, de pertencer, de trabalhar, mas é certo que hoje temos de procurar essas novas maneiras e essas novas formas de o fazer.

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

A atual presidente da Associação Académica da Universidade do Minho, a Margarida, disse-nos precisamente isso, que acredita que os jovens têm interesse pela sociedade, mas participam nela de uma forma menos tradicional, tal como tu disseste. Esta é a realidade com que te tens confrontado?

A Margarida é uma excelente pensadora da sociedade, é uma excelente líder da geração e por isso eu acho que sim, acho que ela diz isso com toda a verdade. Naturalmente, temos ido à procura de formas diferentes, de formas mais inovadoras, em que as pessoas conseguem extrair as suas ideias, digamos assim, sem ter que se comprometer logo com elas, num sentido muito amplo, muito exposto. No âmbito da educação, a nossa educação é uma educação mais centralizada. Por exemplo, nós, quando escrevemos o nosso fim de semana, escrevemos o nosso fim de semana. Só fica entre mim e o meu papel, às vezes a professora, para corrigir, e pouco mais. Nos Estados Unidos, por exemplo, temos o contrário, há uma oralização dessa composição. Isso faz uma diferença enorme. Nós temos que partilhar com os outros, temos que mostrar aos outros. E esta maneira de interagir com a nossa cultura é diferente depois nisto na participação. As pessoas não sentem um conforto de participação de um dia para outro. Eu digo isto e eu sou de Engenharia Mecânica de formação. Nunca tive propriamente uma facilidade enorme em oralidade, mas foi aos poucos, com o tempo… Acho que é um processo. E esses processos, naturalmente, são trabalhosos e demoram, mas têm os seus frutos. Acho que com os jovens acontece o mesmo. Precisamos de ir buscar os jovens para participarem aos bocadinhos, desde o grau mais informal ao grau mais formal.

E a participação dos jovens foi, aliás, uma das vossas preocupações ao longo deste ano. Saiu um estudo que disse que nove em cada dez jovens já votou pelo menos uma vez. Como é que olhas para estes números?

Lançamos este estudo e este projeto, que é o “Politicamente Desperto” há mais de um ano. Este é um projeto para caracterizar por que é que os jovens estão despertos ou não estão e em que é que não estão. Os números, para mim, não é que sejam satisfatórios. Porque 90% já votou pelo menos uma vez na sua vida. Eu não acho que seja propriamente excelente. Também não é aquela questão de que 100% é que é bom. É verdade, 100% era bom. Mas, se olharmos bem, quer dizer, 90% dos jovens até aos 35 anos, pelo menos já votou uma vez na vida. São muitas eleições. Votar apenas uma vez é mau. Mas há uma coisa que é importante: 90% já votou pelo menos uma vez. Quer dizer que 90% já sentiu o compromisso com um ato eleitoral pelo menos uma vez. Então o que é que aconteceu depois desse compromisso para os jovens deixarem de ir votar? E é essa parte da desilusão que nós temos que explorar, é esse nível de procura que temos que ir na nossa pesquisa. O que é que está realmente a acontecer para os jovens deixarem de participar e não estarem a fazê-lo como estavam antes? E é por isso que estamos a testar modelos, para ver se realmente funciona, e tentar depois levá-los a irem votar, porque percebem melhor aquilo que acontece. Até eu, que estou altamente ligado com o mundo político, às vezes ouço coisas na televisão que fico confuso. Não temos esse cuidado de descomplicar a linguagem política e a linguagem que usamos nas televisões.

Em tom de brincadeira, mas a falar a sério, no outro dia disseste que os jovens saem de casa dos pais quando já não são jovens. Como é que isto pode ser combatido, de alguma forma, na tua perspetiva?

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

Não disse em tom de brincadeira, porque é uma verdade [risos]. Tipicamente, em Portugal, andamos entre os 30 e os 35… Legalmente, para o Instituto Português da Juventude, nós somos jovens até aos 30 e no Registo Nacional do Associativismo Jovem , até aos 30 anos também. Os jovens já não saem jovens de casa, saem aos 33. A média anda por aqui perto, provavelmente até já aumentou um bocadinho ou já diminuiu – esperemos nós -. É um triste número que temos em Portugal. Acho que temos que perceber que a saída da casa dos pais é um momento fundamental da vida de emancipação dos jovens. É um momento em que os jovens pensam a sua vida isoladamente, mas é um momento de grande responsabilidade, de grande emancipação, de grande crescimento. Acho que essa fase é uma fase mesmo muito importante no crescimento e no amadurecimento e capacitação dos jovens. Não é só a saída de casa, realmente poder ter essa possibilidade. É também o crescimento que isso provoca nas pessoas e a capacidade das pessoas entrarem para o mercado de trabalho e para outras oportunidades que acontecem.

Falando um bocadinho do ensino e do futuro, também, dos jovens. Acreditas que há uma preocupação, em Portugal, em reter talento?

O que vou dizer vai parecer confuso, parece que me estou a contrariar, mas são duas coisas diferentes verdadeiramente. Eu acho que há uma preocupação com isso. Convivo muito com decisores políticos e seria injusto da minha parte dizer que os decisores políticos não estão, neste momento, preocupados com os jovens. Aliás, conseguimos ver, hoje, que há um grande foco de políticas para os jovens e uma grande preocupação de políticas para os jovens. Se eu acho que essas políticas estão a ter excelentes resultados? Não estão, é verdade. Continuamos a ter muita gente a sair do país, mas isto é uma questão que é difícil contrariar. Não é de agora – e nós temos visto o aumento do salário mínimo nacional – que Portugal tem maus rendimentos e tem fracos rendimentos. É um problema que acontece há muito tempo em Portugal e nós optamos por um modelo de crescimento económico que foi o de capacitação pela via da educação, dar mais formação aos nossos jovens e acreditar. Eu concordo largamente que isso nos vai dar mais capacidade para desenvolvermos a nossa economia. O problema é: naturalmente para países que estão a capacitar menos que nós, mas têm um salário melhor que nós, é muito mais fácil atrair esses jovens para lá.

“A auscultação e o envolvimento dos jovens é um processo fundamental para a sua valorização”

Rui Oliveira

Além disso, há outro problema que se mete nessa questão da retenção de talento. Não é mau os jovens irem lá fora. É bom os jovens irem lá fora, é uma experiência fundamental de crescimento e de emancipação. A questão é: como é que o país não perde a ligação com esses jovens e a vontade desses jovens de regressar ao país? É uma das minhas preocupações e acho que é uma das preocupações fundamentais que nós temos que ter.

Depois, por último, que níveis de retenção de talento? Isto parece muito complexo, mas vou tentar simplificar ao máximo. É um pensamento. Nós podemos ter níveis de retenção de talento que tem de acontecer ao nível regional e até distrital e concelhio. Ou seja, nos médicos, nos professores, não pode haver concelhos em Portugal que não tenham um professor, não pode haver concelhos que não tenham um médico ou um centro de saúde. Ou não deveriam. Nós não queremos isso. Mas, no âmbito da tecnologia e da inovação, é difícil Portugal – quanto mais um concelho -, competir com o resto do mundo, principalmente com grandes potências. A Alemanha, que é a Alemanha, acho que dificilmente vai conseguir competir com grandes potências como a América, como a Índia, como a China. Como é que nós vamos ter que fazer isto? Acho que é na Europa. Tem que ser aí o nível de retenção de talentos. Temos de trabalhar todos, enquanto Europa, e aí é uma coisa muito complexa, é verdade, e é uma questão ainda mais complexa no nível em que temos de fazer com que nem tudo vá para a Alemanha, para a França… Temos de fazer com que nós também sejamos dos que mais ganha com esse investimento, e que principalmente também recebamos por aquilo que são os investimentos que fazemos na educação dos nossos jovens. Esse problema de retenção de talento é um problema complexo, é um problema de grande pensamento.

Acho que Portugal está a investir nos jovens, nesta resposta à retenção de talento, há uma preocupação generalizada com isso. Os decisores políticos têm essa noção. Não estamos a ter os resultados que todos nós queremos e acho que tem que ser uma coisa que nós temos que mudar. Penso muito nisso. Não é uma questão partidária, é uma questão de resposta. Todos nós temos de querer que isto seja uma resposta melhor para os nossos jovens, porque é uma das partes fundamentais do futuro do país e eu quero acreditar que esse é o nosso trabalho enquanto Conselho Nacional da Juventude.

Tocando na educação não formal, por exemplo, no que diz respeito à cultura, a implementação de um cheque cultura seria algo fundamental para Portugal?

O Conselho Nacional da Juventude já defende a criação do cheque cultura. Nas últimas reuniões que tivemos, soubemos que haveria uma avaliação do cheque cultura que está a ser implementado. Alemanha e Espanha – desculpem se estiver errado – estão agora a acabar o primeiro ciclo desde que criaram o cheque cultura. A ideia é que possam reavaliar como é que correu lá e trazer para Portugal. Esta foi a discussão. Nós somos totalmente a favor do cheque cultura para os jovens em Portugal.

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

Este Encontro Nacional de Juventude encerra também aquele que é o Ano Europeu da Juventude. Que balanço fazes deste ano?

O Ano Europeu da Juventude foi um ano importante para a Europa, um ano em que, num momento de saída da crise, a resposta que existe é “nós queremos dar valor aos jovens”. Desde logo, aí, é um ano importante. É um ano importante em que mobilizamos, muitas vezes, a atenção mediática aos jovens. Acho que hoje há mais atenção para com os jovens do país. E, acima de tudo, é o legado que eu acho que vai deixar. Esse é um legado importante, o legado da participação. Eu gostava muito que este legado fosse um legado da participação inclusiva dos jovens naquilo que é a participação desde o nível local – quando digo local, digo até de nível de concelho e freguesia – até ao nível nacional e internacional. Como é que isto tudo está articulado? Como é que os jovens informais, como muitos desses que estão aqui e não fazem parte de organizações, participam e podem ter essa voz?

E sendo tu de Guimarães e estando nós em Guimarães, perguntava-te, precisamente, se acreditas que esta é uma cidade aberta e para os jovens.

É. Não tenho dúvidas de que é uma cidade aberta para todos os jovens e é uma cidade para os jovens. Fiz a minha licenciatura cá também, fiz o meu percurso escolar em Guimarães e, por isso, acho que esta é uma cidade que quer vincar no âmbito, por exemplo, do ensino, da educação, no ensino superior, na capacitação do ensino superior. Acho que temos de ser capazes de reter mais talento nessa dificuldade enorme que o país tem, no tecido capacitado, com oportunidades. Esse é um desafio que a cidade tem. Acho que temos de abraçar esse desafio com muita atenção, mas é uma cidade que quer ser isso, quer ser uma cidade que retém os jovens. O exemplo de Guimarães de mostrar que quer ter este encontro cá também é um momento importante de demonstrar que quer os jovens em Guimarães e quer os jovens a contribuir com o futuro do país e, por isso, o apoio da Câmara Municipal foi um apoio muito importante para que isto se realizasse.

“O Ano Europeu da Juventude foi um ano importante para a Europa”

Rui Oliveira

Que mensagem é que gostavas de deixar aos jovens de hoje, mas também aos jovens do futuro?

Acho que tenho que deixar aos jovens de hoje. Aos jovens do futuro já não serei eu que serei a voz deles, diretamente. Poderei ser, mas interessa-me aos de hoje. E aos de hoje é: participem. Acho que a auscultação e o envolvimento dos jovens é um processo fundamental para a sua valorização. Acredito mesmo que nós, através da participação, da auscultação, e do envolvimento vamos ter muito sucesso e conseguimos ter muito mais impacto na vida da nossa sociedade. Temos muitas ideias e Portugal precisa mesmo da participação dos jovens para respondermos a problemas que nós conhecemos hoje na habitação, na saúde, na educação, na igualdade, no trabalho, no ambiente… São todos eles temas em que precisamos de respostas dos jovens, respostas inovadoras. Os jovens trazem respostas inovadoras, respostas inovadoras diferentes e que vão além e vão na experiência de realmente quererem resolver o mundo onde vão viver e onde vão estar.

PUBLICIDADE

Arcol

Partilhar

PUBLICIDADE

Ribeiro & Ribeiro
Instagram

JORNAL

Tem alguma ideia ou projeto?

Websites - Lojas Online - Marketing Digital - Gestão de Redes Sociais

MAIS EM GUIMARÃES