O VELHO, O RAPAZ E O BURRO

JOÃO TORRINHA Advogado Presidente da Assembleia Municipal de Guimarãe

torrinha

por JOÃO TORRINHA
Advogado
Presidente da Assembleia Municipal de Guimarães

Muito provavelmente já todos ouvimos e dissemos esta frase algumas vezes: “Isto só neste país.” Naturalmente que essa suposta exclusividade lusa tem sempre uma conotação negativa. Não se diz “só neste país” a propósito de coisas boas. Além disso, há que reconhecer que, as mais das vezes, a frase revela mais o nosso desconforto e frustração com alguma coisa do que propriamente uma análise sociológica profunda do nosso e dos demais povos. Sim, há coisas más que acontecem por cá. Mas muitas delas não estão sempre a acontecer como pensamos e muitas outras sucedem cá da mesma maneira que ocorrem em muitos outros países. (Só não sei se nesses também se diz “só neste país”. Provavelmente não).

Mas independentemente disso, a verdade é que há certos traços comportamentais que são (é indiscutível) muito nossos. Um deles é sabiamente representado na famosa alegoria do velho, do rapaz e do burro. A história é conhecida: bem podem os dois atores desta peça mudar de poiso, pois que se o velho vai em cima do burro, coitadinha da criancinha que vai apeada; se é o petiz que vai à garupa, raios parta o estafermo que deixa o velhinho a castigar as pernas; se vão os dois a montar no animal, são uns facínoras que ainda matam o bichinho e se vai tudo a pé, que parvos são eles que um burro não serve para outra coisa senão para ser montado.

Um exemplo dos temos mais recentes. Se nada se passa em Portugal, este país é uma irrelevância, não contamos para nada (os outros nem sabem onde ficamos, vejam lá). No momento em que se realiza por cá a Web Summit, então toca de dizer que isto é tudo uma parolada, que não se fala de outra coisa, já enjoa, que somos mas é uns provincianos. E claro, conclui-se de forma arrasadora: isto não serve para nada.

Pois e se uns tempos depois vem a Google e anuncia que, na sequência de contactos estabelecidos no dito certame, vai instalar em Portugal um centro de serviços? Qual quê? Não é nada disso. A Google vai instalar em Portugal é um call center meus amigos. Isso, estão a ouvir?

A coisa foi a tal ponto que a própria Google teve de vir a terreiro desmentir o que se dizia por aí. Disse o Diretor da empresa: “Surpreende-me esta discussão porque é um centro de operações da Google. Não tem sentido essa discussão”. E disse mais: que a empresa escolheu Portugal por ser “um país que está a apostar no setor tecnológico, no empreendedorismo e nas ‘startup’”. “Se a Google está cá é porque aqui há talento, gente formada”.

A verdade é que somos um pequeno país, com poucos recursos, mas que nos soubemos inventar e reinventar ao longo da história, resistindo a muita coisa, inovando em muita outra. Somos uma improbabilidade enquanto país, mas estamos por cá há centenas de anos. Com os nossos defeitos, mas também com as nossas qualidades.

O país é aquilo que nós queremos que ele seja. Não basta, por isso, encolher os ombros e dizer “só neste país”. Se o país não corresponde às nossas expectativas, então mãos à obra e façamos por melhorá-lo. E isso devia acontecer todos os dias com cada um de nós. Começando por aceitar as coisas pelo valor seu valor facial (mesmo que seja bom, vejam lá) e ganhando um bocadinho mais de amor-próprio.

Olhem, para começar, deixando de dizer: “isto só neste país…”. Vamos experimentar?

 

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