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O ZEQUINHA, A ESCOLA E AS AUTÁRQUICAS

CARLOS GUIMARÃES Médico

Carlos-Guimaraes

por Carlos Guimarães

Médico

Finalmente o dia de escola acabou. Como sempre o Zequinha ainda tinha de fazer uma caminhada até casa. Era o seu período de meditação. Na mochila preta (o Zequinha não era gajo para carregar mochilas com desenhos, tipo Spiderman) transportava os livros escolares, os quais este ano foram de borla para toda a malta. Tudo à grande! Contudo o rapaz estava intrigado com semelhante dádiva universal uma vez que até os meninos ricos (aqueles com sapatilhas e t-shirts de marca fina, que são transportados pelos pais de Porsche, Mercedes ou qualquer outro carrão com bufadeiras de fazer tremer o paralelo) também foram obrigados a ficar com os livros gratuitamente. Era coisa que lhe mordia os miolos. As canetas, os lápis e outros acessórios, todos tinham de comprar, inclusivamente os meninos pobres. Não era justo e isso irritava-o quase tanto como os pais dos meninos ricos que chegavam nas suas máquinas sempre apressados e a buzinar quer à chegada ou à partida. Se o Zequinha fosse político tudo seria diferente.

 

Quis o acaso que, durante as suas meditações políticas, o Zequinha se deparasse com um enorme cartaz com a fotografia do Manel numa esquina frontal a um grande campo de milho. Aquilo era uma estampa com mais de três metros e o Manel ocupava-a quase toda. Parecia um pinheiro manso, ramalhudo e cheio com a sua cara sorridente e vermelhusca a ocupar o retângulo quase todo. O Manel estava bem (bonito não, porque bonitas são as mulheres) mas não era propriamente uma flor, talvez uma pinha, daquelas luzidias, cheias de pinhões e coberta de resina. O Manel era boa pessoa, muito querido lá na terra, toda a gente o conhecia e por isso o Zequinha não entendia porque gastava tanto dinheiro com aquelas fotografias; bastava aparecer no final da missa de domingo, anunciar que queria ser presidente da junta, e pronto, estava ganho.
A casa ainda ficava longe e por isso o Zequinha teve que se despedir do cartaz com a foto do Manel. Mal recomeçou a caminhada, o rapaz tropeçou nuns paralelos soltos da estrada esburacada pelas obras. Caiu desamparado e esfolou as palmas das mãos. Disse um palavrão em silêncio e mandou o Manel para aquele sítio, uma vez que devido às eleições não havia rua sem obras nem buracos. A mãe estava sempre a refilar devido à poeira em frente à casa, uma vez que não podia abrir as janelas para arejar os ventos que se soltam durante a noite.
Havia mais cartazes lá pela terra cheios de gente com ar feliz, pessoas que toda a gente conhece, mas o Zequinha já não os podia apreciar visto que tinha de ter atenção nas obras da estrada.
Olhos no chão e a mente onde lhe apetece, o Zequinha sempre entendeu que se deve marcar golos durante o jogo todo e não apenas nos minutos finais. As obras todas ao mesmo tempo e com as feridas nas mãos, o puto queria que passasse rápido o domingo das eleições, que acabasse o jogo e que ganhassem as pessoas em quem a mãe mais confiava.

 

Aquilo era uma estampa com mais de três metros e o Manel ocupava-a quase toda. Parecia um pinheiro manso, ramalhudo e cheio com a sua cara sorridente e vermelhusca a ocupar o retângulo quase todo.”

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