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Padre Francisco Oliveira: “Pecado é tudo aquilo em que não há amor”

Artigo publicado na edição de fevereiro da revista Mais Guimarães.

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O Padre Francisco, o Doutor Francisco de Oliveira, um Sacerdote de Cristo vimaranense, fala-nos nesta entrevista sobre a Igreja e o seu papel neste “tempo novo”, como refere frequentemente, mas sobretudo sobre a humanidade e o seu papel neste espaço e tempo em que habitamos.

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

Quais são os grandes desafios que se colocam à Igreja neste tempo novo?

Começava por traçar o desafio de sempre da Igreja, que é cada pessoa concreta que se encontra connosco. Jesus Cristo enviou-nos a anunciar o Evangelho aos homens e às mulheres nas suas realidades concretas da sua existência. O Evangelho diz-nos mesmo para ser pescadores de homens. Homens e Mulheres. Portanto, é esse grande desafio da Igreja.

Neste início de séc XXI, já nesta década de 20 que estamos a viver, o desafio da Igreja tem que ser alinhado com que o Papa Francisco nos tem pedido. Uma Igreja que tenha esta missão permanente de saída, uma Igreja que não se acomoda, uma Igreja que tem consciência daquilo que é ser minoria, mas que, ao mesmo tempo, é fermento no meio da massa.

E isso passa por combater toda a forma de exclusão, passa por uma Igreja que se coloca no mundo em parceria com o mundo, seja o mundo crente ou não crente, seja o mundo a sul ou a norte, mas em que o mundo se torna a casa comum da Igreja.

Uma igreja que se deixa de ser uma ideologia. Muitas vezes podemos fazer na religião, na filosofia, na política, no desporto, e quando algo se torna uma ideologia, é perigosíssimo porque exclui, põe à margem, num “eu sou a sua verdade, tu não és nada”. A igreja tem que por as pessoas, que por o mundo em que vivemos em primeiro lugar, foi para isto que Jesus Cristo nos enviou.

Estamos numa fase de transformação mais acelerada ou assistimos a uma evolução normal da Igreja?

Quem me dera que fosse mais acelerado esta transição na Igreja! Porém, a Igreja tem dois mil anos de história. E, sempre que dá um passo, procura ter certeza desse passo. Depois há forças. Forças da posição que se tornam oposição a quem quer evoluir, quem quer responder nos tempos concretos.
São diversas as circunstâncias da Igreja em que precisamos de nos atualizar, em que precisamos de estar na dianteira. Estar na dianteira na Igreja, para mim, não é saber trabalhar no telemóvel ou no computador. A dianteira, para mim, é estar sempre na frente com os Homens e as Mulheres, respondendo sempre às suas necessidades. Uma igreja que se vai despir de moralismos, uma Igreja que vai apostar naquilo que é o fundamental da fé, que é a caridade, que é o amor, uma Igreja que faz comunhão com toda a gente. Para mim, isso é que é o mais importante.

“A Igreja tem que pôr as pessoas, que pôr o mundo em que vivemos em primeiro lugar.”

Padre Francisco Oliveira

A Igreja está, nesta altura, cristalizada, é isso?

Alguma Igreja está cristalizada. Quando nos acomodamos nas realidades concretas da Igreja ou do mundo, por norma ganhamos muita teia de aranha, muita poeira, e isso torna-nos incapazes de ir além do nosso próprio umbigo, mesmo na Igreja. Isso pode acontecer a sacerdotes, pode acontecer a religiosos, pode acontecer a todos.

Então é preciso que essa Igreja dê esse passo de estar em saída, de ser missionário. Uma Igreja que põe o avental do serviço, da diaconia, e que se ajoelha diante de cada Homem e Mulher, com uma imagem mais bela de Deus. Cristo fez isso, Pedro não percebeu. Pedro teve muito que crescer. Jesus veio para servir e não para ser servido, estar na mesa colocado, não no lugar do privilégio, no lugar de quem acolhe, de quem partilha, quem serve, de quem faz um encontro com os outros.

Isto é sempre muito difícil. É difícil na Igreja, é difícil na minha faculdade, é difícil na minha família, é difícil no meu clube de futebol, é difícil na minha cidade, é difícil em todo o lado. Nós gostamos de estar assim, sentadinhos, de braços cruzados, dizer “que bom, está um tempo tão bom”. É bem mais difícil ter que levantar e “vou acudir aquele que está ali, está caído e precisa do meu apoio, precisa que eu pegue no meu casaco e lhe dê o meu casaco, que eu pegue no dinheiro que tenho na carteira, que eu pegue no meu amor e diga ‘eu amo-te’, mesmo que seja meu inimigo”. Isto é muito difícil, é muito complicado.

Um dos passos que a Igreja terá que dar, mais tarde ou mais cedo, tem a ver com o matrimónio e com e a relação dos párocos, dos diáconos com os outros, com as mulheres, nomeadamente. A abertura do sacerdócio à mulher e ao feminino, e a relação do homem com a mulher, do pároco com as mulheres, pode ser algo mais humano do que tem sido até agora?

Se formos ao início do Cristianismo temos homens casados. Pedro é um homem casado, aquilo que nós chamamos o primeiro Papa é um homem casado. Cristo fez uma opção celibatária claríssima. São Paulo, que a gente saiba, também era celibatário, mas outros eram casados e foram sempre assim durante muitos e muitos séculos.

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

A partir do século 12, sobretudo, vai-se tentar obrigar, na Igreja de Rito Latino, que é aquela a que eu pertenço, a que seja obrigatório ser-se celibatário para ser ordenado sacerdote, quer como presbítero, quer como bispo. Mas todos nós sabemos que, ao longo da história, muitos destes sacerdotes tiveram as suas companheiras e tiveram filhos. A realidade da sexualidade humana está viva. Nenhum de nós é castrado de sentir. Podemos ser castrados em termos das ideias, da liberdade, infelizmente, mas, nesse aspeto biológico, não somos.

Esses amores vividos pelos padres eram amores escondidos e a verdade era escondida à própria Igreja…

Estou convencido de que o celibato é um dom maravilhoso que a Igreja tem, em que a disponibilidade e o serviço marca profundamente cada homem que se dá à Igreja.

A Igreja não me obrigou a ser celibatário, não, eu é que aceitei ser celibatário. Todavia, é uma condição sine qua non para que eu possa ser ordenado. Ou és ou não és. És, podes ser ordenado, não és, não podes ser ordenado. Portanto, não há hipótese.
Se formos à história, percebemos que estamos na Idade Média, no século IX, X, XI e XII, em que a Igreja está a ficar riquíssima. Os reis, os nobres oferecem terras, casas… Quando Portugal nasceu, 70% do território português pertencia à Igreja. Os reis de Portugal andavam sempre à cabeçada com os clérigos, fossem religiosos ou seculares. A questão era esta: “esse senhor tem uma esposa, tem 10 filhos. De quem é a herança? É dos filhos ou da Igreja, instituição?” São ilegítimos, não têm direito a nada. São legítimos, têm direito.

Isto hoje em dia é superado, completamente superado. Eu sou celibatário, podia ser casado, estou na minha paróquia, morro e toda a gente sabe o que é que é da paróquia e o que é que é meu. A questão mais grave, para mim, é a relação doentia que alguma Igreja tem com o sexo e a sexualidade, a forma como vemos a mulher como a Eva pecadora que tentou o Homem. Maria Madalena, dizem alguns, foi prostituta. Sabemos que foi um Papa que a difamou, que a doença dela seria ser prostituta. Sabes, infelizmente, muitas vezes, na linguagem do Homem, toda a mulher é P. É grave olhar para a mulher como se fosse um corpo de pecado, quando é um corpo de amor.

Numa altura em que a sociedade olha a mulher de forma completamente diferente de outros séculos, é altura de a Igreja avançar?

Eu, infelizmente, não sou tão otimista em relação à sociedade. Continuo a ver muita violência doméstica, muita gente mais nova que nós a maltratar as mulheres. Continuo a ver uma publicidade sexista, mesmo pornográfica. Continuo a ver florescer a prostituição, este jogo, tráfico humano, exploração do corpo humano. E hoje a prostituição é masculina e feminina, como sempre foi. Esta coisa de estarmos numa sociedade em que o corpo da mulher está melhor, tenho as minhas dúvidas. Agora, que a Igreja devia ter a coragem de fazer com que a mulher fosse mais ativa, mais presente… Elas são. Vais a qualquer comunidade e elas são a maioria da comunidade, são as catequistas, fazem a limpeza, estão nas contas, são elas que estão connosco.

E, à partida, não há nada que as impossibilite de exercerem um melhor trabalho pela Igreja do que os homens…

A princípio não. Só que isto às vezes é um chavão pós-moderno, mas podemos falar que a dimensão patriarcal e machista está presente na Igreja. Francisco ainda agora deu cargos de importância maior a mulheres religiosas, não a um senhor Cardeal ou a um bispo. A número dois do Vaticano é uma mulher, não é um cardeal.

Aquilo que gostava, neste momento, de recuperar, era mulheres diáconos. A última que conhecemos foi no século XII. Foram ostracizadas, foram postas de lado, mas eram mulheres diáconos ordenadas como diáconos. Há ministérios em que elas podem participar. E Francisco tem feito isso, já fez com que o Ministério do Catequista seja uma instituição, já fez com que a leitura e acólito também o sejam. Onde podem ser metidos Homens e Mulheres. Há passos a ser dados. É preciso reconhecer esta igualdade tremenda à mulher na Igreja.

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

O Papa Francisco é mesmo uma lufada de ar fresco na Igreja?

É. Eu admirei muito Bento XVI, continuo a admirá-lo pelas atitudes, era um intelectual e um teólogo, aquele que sabe filosofia, portanto, diz-me muito também a mim. Tem coisas maravilhosas, de uma profundidade tremenda e maravilhosa. Quando o fizeram bispo, ele foi um fiasco. Não nasceu para ser pastor, digamos assim. Quando foi cardeal, com o Papa João Paulo II, foi para sua teoria académica. Quando o fizeram Papa, ele conhece os meandros do Vaticano que tem muita podridão, como todas as instituições que durante anos e anos fizeram aquele ciclo vicioso de favores. Bento XVI imediatamente disse “eu não tenho saúde para isto”. Só um homem inteligente faz isto, só um homem inteligente sabe dizer “eu tenho que parar, não é para mim”. Sai e põe-se no anonimato.

Às vezes é um ato de maior coragem…

Havia preconceito em relação a ele. Havia e há. Quando se fez o estudo da pederastia na Alemanha, a Comissão disse “Bento XVI, como Bispo, falhou”. Tentaram defendê-lo e ao fim de dois dias, ele disse “falhei, porque fiz aquilo que era normal, falhei, porque era aquilo que estávamos habituados a fazer, não sabia o que fazer”. Um homem que reconhece os seus erros, mesmo que não tenha sido ele a praticá-los, mas permitiu porque omitiu, porque não agiu como devia agir segundo a nossa ótica agora. Não era assim que se pensava nos anos 60. “São crianças, foi um abuso, vai passar, foi um desvio qualquer”, não. Há taras, há indivíduos que não conseguem deixar de violar, não conseguem deixar de bater, não conseguem deixar de roubar. Na Igreja e fora da Igreja.

Há um processo de avaliação de algumas denúncias de abusos na igreja em Portugal. Como é que vê também este processo? É a Igreja a lavar a sua face?

Espero que a Igreja queira assumir os erros da sua história. Demorou. Devia ter sido mais rápido. Penso que algumas resistências, há gente não alinhada com o Papa Francisco, há gente mais preocupada em libertar a grandeza da Igreja, o seu prestígio.

Neste momento, há vítimas na Igreja de pederastia, não tenho dúvidas sobre isso. Porque sei que há muita gente que é “marada”, gente que não bate bem da cabeça, que não tem uma boa educação sexual, que não foi um jovem normal, que não soube o que foi namorar, que não soube que era estar com outros homens e mulheres. Talvez tenha sido abusado na infância e refugiou-se na Igreja e agora vinga-se. Muitas vezes o violador foi violado, aquele que hoje faz vítimas foi vítima antes, nós sabemos. E também sabemos que este fenómeno acontece sobretudo nas famílias. Mas eu costumo dizer, basta um padre, um catequista, um funcionário da Igreja fazer um abuso destes na Igreja e em nome da Igreja, que é gravíssimo.

O que era pecado há uns anos é diferente do que é pecado agora. Os Mandamentos continuam atuais, os que são pregados pela Igreja?

Continuam. O que é o pecado? Vamos pôr um exemplo. Nós vivemos um tempo em que no mundo ocidental comemos bem, bebemos bem… E depois temos doenças novas, que proíbem essa vida de comer e beber. Aquilo que nós chamamos o pecado da gula, o ser guloso. E porque é que é pecado? Porque estou a deteriorar a minha saúde. Daqui a 10, daqui a 20, daqui a 30 anos, vais pagar a fatura. Portanto, este pecado continua aí. Podíamos falar de todos os pecados. O pecado é tudo aquilo em que não há amor. Não é erro, nem falta. Nem todo erro e falta é pecado. Nem todo mal é pecado. Mas todo o pecado é erro e falta.

“É grave olhar para a mulher como se fosse um corpo de pecado, quando é um corpo de amor.”

Padre Francisco Oliveira

Era tido pela Igreja, quase como um pecado, violar o corpo mesmo depois da morte. Falamos agora da cremação. Em Guimarães, foi inaugurado recentemente o Crematório e há cada vez mais pessoas que preferem que o corpo seja transformado em cinzas e que não seja enterrado. A Igreja também mudou a sua opinião relativamente à cremação.

O Cristianismo afirma-se num contexto que é o contexto do mundo grego, ou greco romano, onde o corpo era considerado matéria e, portanto, era mau, não prestava. Portanto, a origem do mal é o meu corpo, a minha matéria. Ora, desprezar o corpo era possível em Roma e na Grécia. O cristianismo vem afirmar uma filosofia da carne. O próprio Deus assumiu a nossa carne. O Homem é um todo. Eu não sou carne e espírito, corpo e alma. Eu sou um todo e esse todo vai estar na presença de Deus.

A igreja, de facto, deixou a cremação porque seguíamos o rito que fomos buscar, sobretudo ao mundo semita. Quer entre judeus, quer entre árabes, os corpos são enterrados, de formas diferentes daquelas que nós fazemos, mas são enterrados. A cremação era típica aqui na Europa e está de regresso. A Igreja foi contra a cremação foi, de facto, mas foi sobretudo por causa da Maçonaria que fazia oposição à Igreja. A Igreja desde o Concílio Vaticano II que têm rituais próprios para a cremação. Eu próprio quero ser cremado. Eu quero ser cremado porquê? A minha mãe morreu há dois anos e um mês. A minha mãe tinha um corpo altamente medicado. A medicina permitiu que ela vivesse muitos mais anos. Este corpo enterrado na Atouguia, está lá. Está ali a contaminar a terra. Como o da minha mãe, estão outros centenas de milhares desses corpos, junto de cidades onde vive muita população, onde há águas a correr… Cremar, hoje em dia, é fundamental, é uma questão de higiene. E nós não podemos viver numa cidade como a nossa, que tem dois cemitérios municipais. É cemitério a mais.

Nós não temos culto dos mortos, nós temos o culto da vida, nós damos sepultura aos mortos, cremando ou enterrando. Como dizem os antropólogos, sepultar é o primeiro gesto de civilização, é o que nos distingue da bicharada. A cremação, hoje, na Igreja, está superada.

A Igreja que, apesar de a sua linguagem dizer que não se devem venerar figuras, as tem em todos os seus altares. O Padre Francisco foi a Santiago de Compostela agora, teve essa experiência. Provavelmente não terá ido atrás de uma imagem, mas de uma experiência, de uma vivência.

Estamos a falar de estátuas ou de quadros. Um conceito fundamental da fé cristã são imagens. É uma materialização e nós precisamos disso. Vou-te dar um exemplo. Tu tens os teus filhos, gostas de ter fotografias dos teus filhos. No meu telemóvel tenho o meu pai e a minha mãe. Tens no teu telemóvel alguém que te diz muita coisa. Nós precisamos dessa imagem, não para adorá-la, mas para venerar.

Estes objetos do Buen Camino, esta barba que me ficou de Santiago… Há coisas que nos marcam. Eu não fui pela fé a Santiago, porque eu não tenho uma fé masoquista. Eu tenho uma fé que é feita de encontro e confiança. Uma fé em que Deus é o meu grande amigo. Quando estou a rir e quando estou a chorar, e agradeço um e outro momento. É uma fé de núpcias, é a relação entre um homem e uma mulher que se amam. É a relação entre mim e Deus que amo. Esse Deus é quem eu quero abraçar e ser abraçado por ele. Quando morreu o meu pai, uma surpresa total, estávamos a preparar, tudo para ir de férias até ao Algarve, a ver o Vitória na televisão, para sairmos o mais cedinho… e de repente, em cinco, dez, minutos pede socorro e morre. Ainda não fiz o luto do meu pai, a minha mãe fiz ao fim de dois meses. Esta semana espero ir à Atouguia, junto dele, os restos mortais dele, porque ele está comigo no altar. Nunca mais lá pus os pés.

Este caminhar põe-me diante de mim próprio. Saí de Cavalões, onde morreu o avô dele. Fiz uma experiência maravilhosa. A semana mais bonita da minha vida. Eu quero repetir todos os anos enquanto tiver pernas. Todos os anos e não vou fazer por etapas, quero fazer seguido. Quero-me levar pelo espírito do Caminho, quero-me levar pelo encontro com as pessoas, com a natureza, comigo próprio, com Deus, com as pessoas que tenho e que partiram. Estão todas aqui no meu coração. Com pessoas que amo, com aqueles que possam não gostar de nós. Com todos. Quero, sobretudo, reconhecer-me a mim próprio como “Francisco, não és o super homem, nem és o super padre, nem o super professor, nem o super vitoriano, és um simples homem que tem paixões, que gosta de ler coisas, que gosta de estar em certos sítios, que gosta de certas pessoas…”. Foi isso que me permitiu o Caminho, fazer essa liberdade, fazer o meu Caminho. Nunca ficou enclausurado em mim. Nunca fiquei encarcerado. Fiz com quem ia comigo, com quem encontrei. Os lugares onde estive. Os sítios onde rezei, os sítios onde descansei, as pessoas com quem convergi ou divergi. É tão bom que já me está a empurrar outra vez.

Um caminho de humanidade neste mundo que anda tão depressa e onde são todos iguais. Ali não há a preocupação de as pessoas saberem o que é que tu fazes, o que é tens. Isso é algo completamente secundário.

É algo completamente secundário. Eu só pedi uma coisa, “não digam que sou padre, estou tramado”. Deixe-me ir comigo próprio. Não ia em missão sacerdotal. Aliás, um jovem maravilhoso que caminhava comigo só no fim é que soube. “O quê? Tu és padre?” Ficou surpreendida, não é? Portanto, isso é maravilhoso.

Mas quando chegou lá, à Catedral, assumiu a sua condição?

Assumi a minha condição sacerdotal. Assumi com a roupinha que levava da caminhada, participei na celebração e foi maravilhoso. Com o Arcebispo de Costela, o cónego responsável da Sé e foi maravilhoso. Uma celebração de quase duas horas. Gostei muito. Esta liberdade que me deu… Eu gosto muito da liberdade, gosto muito de ser livre. Sou uma pessoa livre, livre para amar e para ser amado.

Já agora, liberdade no amor. As pessoas que, eventualmente, deixam de se amar ao longo de um casamento, têm esta liberdade de se separarem para serem felizes? Como é que a Igreja pode ver isto?

Vou outra vez recuar ao Papa Francisco. Ele mandou uma mensagem belíssima sobre a família. Leiam o que lá diz, a forma como não condena e aponta o dedo. Já faço isso há muito tempo. O Papa Francisco não tem problema se formos unidos em união de facto, se estamos unidos com um segundo casamento… O Papa Francisco pediu, quando chegou, “não sejam fiscais”. Eu não sou fiscal. Sou pastor e o pastor está aqui para acolher as ovelhas, mesmo a que anda perdida vou buscá-la. As palavras do Papa Francisco sobre os divorciados são magníficas.

O Padre Francisco, que nasceu em Vila Verde, e vive na Rua Nova, é um vimaranense daqueles de gema. Como é que sente esta cidade?

Alguns vimaranenses são incapazes de sair do largo da Oliveira, não percebem que nós demos mundo ao mundo. Foi daqui que saiu o país que deu mundo ao mundo. Às vezes eu fico um bocadinho cansado. Ando muito em Espanha, ando muito noutras cidades portuguesas, por motivos sobretudo de cultura, da música, do teatro, da dança… Quando vou a outras cidades percebo a mentalidade aberta. Aqui em Guimarães é uma mentalidade fechada, muita gente tem a mentalidade fechada. Pensamos pequeno. Olhamos para a cidade, que é uma das maiores cidades do país, num país que não tem cidades grandes, mas continuamos a olhar para ela, não damos escala, não vemos a relevância que ela tem. Temos os autocarros a andar pelo concelho, estou felicíssimo, mas eles estão vazios. Porquê? Porque a cidade é uma cidade diversão, uma cidade museu. Ninguém vem aqui se não há serviço. Quem vive aqui, como eu, todas as noites, sabe que só à sexta à noite e ao sábado à noite é que há vida. As outras noites são sereninhas, são pacíficas. É uma cidade museu, onde podem vir os turistas. Tu e eu, que vivemos aqui, somos figurantes.

Esta cidade pensa pequenino. É na política, é na cultura, é no futebol, é em tudo. Temos que ser capazes de ir mais longe.

“Eu tenho uma fé que é feita de encontro e confiança. Uma fé em que Deus é o meu grande amigo.”

Padre Francisco Oliveira

O que é que o Padre Francisco ainda tem para fazer?

Eu já tenho um doutoramento e um pós-doutoramento em filosofia. Neste momento estou a editar um livro, estou a concluir outro, estou a fazer um estudo sobre Urgezes, estou a fazer um outro livro sobre o conceito de religião, no sentido filosófico. A filosofia é a minha paixão, aquilo que me faz levantar todos os dias cedo para ir para a faculdade, para Braga, para o Porto e agora da para Coimbra, onde de facto me desenvolvo como homem, um homem concreto que ama a universidade. Mas também amo a minha paróquia, amo a minha família, amo os meus amigos e amigas. Àqueles que amo, eu gosto de me entregar. Entrego-me quer às pessoas quer às coisas que amo. Sinto que me desenvolvem como pessoa. E vou continuar a amar. Quando deixar de amar, espero estar morto. A vida é para amar e ser amado. Eu posso fazer muito dinheiro, ter a melhor roupa do mundo, o melhor carro do mundo, viver na casa mais confortável do mundo, se tiver vazia, se não tiver um Homem, uma Mulher que me abrace, me beije, que chore comigo, que é que vou fazer? O dinheiro não me aquece, a roupa não me aquece. O amor da pessoa que amamos aquece.

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