PARA ANA E GABRIEL, AMAR É ACOMPANHAR A VIDA TODA
Ana Magalhães, “82 anos feitos”, ostenta uma écharpe que lhe fora oferecida no Lar de Santo António, em Guimarães. Ao seu lado, no mesmo sofá, encontra-se Gabriel Freitas.

Uma história de amor com mais de meio século de vida que começou às portas de uma igreja. Hoje, num lar, Ana e Gabriel contam a sua — com um desencontro, o companheirismo e as dificuldades da vida a pautarem-lhes o discurso. Afinal, como dizem, o segredo é a paciência. E o companheirismo.

Ana Magalhães, “82 anos feitos”, ostenta uma écharpe que lhe fora oferecida no Lar de Santo António, em Guimarães. Ao seu lado, no mesmo sofá, encontra-se Gabriel Freitas. “Tem 84 anos feitos, ele”, diz-nos Ana. Ela não é de cá, mas quando cá chegou, ele não estava. Regressou. “Nunca a tinha visto por Guimarães”, recorda Gabriel. Decidiu que, um dia, a levaria a casa.
Antes de 1961, ano em que a Índia decidiu, de vez, tomar os territórios que Portugal se apoderara há séculos, jovens portugueses eram enviados para as ex-colónias. Gabriel foi um deles. “Tinha uma namoradita para nos entretermos naquele tempo, na Cruz de Pedra. Eu era dos que pensava: ‘Tenho a tropa para cumprir.’ E já sabia que aquilo ficava por ali”, conta.
Quando Gabriel rumou à Índia, Ana chegou a Guimarães. O pai, agente da GNR, foi destacado para várias localidades. “Eu nasci em Penafiel. Depois fui para Lisboa, voltei a Penafiel. O meu pai levava a família. Fomos, depois, para Paços de Ferreira e daí para Felgueiras. E de lá viemos para aqui, nasceu um irmão meu mais novo.” Tinha 18 anos — “mais coisa, menos coisa”, diz — quando a sua família se instalou em Guimarães. Também tinha um namorado que a vinha ver, de Paços de Ferreira. A relação acabaria por terminar quando Ana, franca, disse: “Está o lugar ocupado.”
É que quem fez os esforços para ver se as trocas de olhares iam a bom porto foi Gabriel. Contextualizemos: “Eu ia sempre à missa das 10h00 ao Toural. Ele também, mas era para ver se me encontrava. Começou assim, ele ia lá à espera. Eu não o conhecia. Quando ele cá chegou da Índia é que a gente se foi vendo porque morávamos na Cruz de Pedra”, explica. Gabriel faz a ressalva: “Eu ia à missa, ia. E antes de ir à Índia já ia à missa”, esclarece. “Pronto, e depois daí, procurou saber quem era eu. E perguntou a uma vizinha, que lhe disse: ‘Tens aqui uma namorada boa para ti.’”, acrescenta Ana. E ele lá se encheu de coragem, esperou pelo fim da missa e, cordialmente, perguntou-lhe: “Posso acompanhá-la?” Ela aceitou, caminharam até sua casa e ficaram a falar “à porta”.

Estavam duas linhas, até ao momento paralelas e dispersas por outras latitudes, sobrepostas. Do novelo das vidas saem fios que se cruzam com outros; nem todos resultam em nó. Os deles, sim. Destino selado: namoraram durante um ano e três meses, colocaram os anéis como prova de amor eterno a 06 de outubro de 1960. O “lugar ocupado” no coração de Ana ainda ocupa o mesmo espaço: “É o homem da minha vida”, diz. “Gosto de tudo nele, não é? Senão a gente não estava junta”, acrescenta.
E, a isso, junta-se a paciência. “Isto com a idade e as doenças perde-se a paciência. Tem de se ter. Com as doenças dele, tive muita, porque é preciso”, diz, com a simplicidade que lhe tolda o discurso. “Agora, não se tem muita paciência. As pessoas pensam que já não gostam de uma coisa e pronto, acaba-se tudo. Não gosto disso”, acrescenta.
Diz-nos que não foi habituada a ter muito. Antes de casar, a vida “era muito difícil”. Cabia-lhe, sempre, “comer a parte da cabeça da sardinha”, já que era a mais velha. “Mas tinha comida. E comia-se menos, não havia estas coisas todas. Mas comia-se melhor”, sublinha. Fez a terceira classe e trabalhou “toda a vida” como costureira de alfaiate: “Fazia a partir de casa. Dantes, não havia tantas casas. Lá levava a obra por um caminho muito feio, mas o Gabriel e a tia dele iam à frente, então não tinha tanto medo.”
Já Gabriel, nascido e criado em Guimarães, fez a quarta classe. “E foi um aluno com distinção”, gaba a esposa. “Trabalhei na cutelaria, depois na metalúrgica, a fazer as máquinas de tecido”, conta o vimaranense, que foi criado com os tios. Casados, viram a vida melhorar. “Eram dois salários e isso traz menos dificuldades. Mas nada de muita fartura, não”, aponta Ana. A gestão do dinheiro obedeceu a uma regra simples: “Tudo muito bem governadinho, sem grandes luxos. Não se comprava o que não se tinha dinheiro para comprar e é assim que deve ser.”

Os olhos de ambos brilham quando falam nos filhos. “Foi um casalinho”, sorri Ana. “O rapaz agora tem 54, a rapariga, 53. E temos dois netos de cada um e dois bisnetos, já somos bisavós”, acrescenta o marido. “É, os filhos vieram assim, seguidos. Eduquei-os muito bem, nunca me deixaram ficar mal”, garante a penafidelense. Os dois orgulham-se a contar a vida que os filhos seguiram, criados numa casa próxima ao lar onde o casal ainda vive, 60 anos depois.
Os netos também são motivo de orgulho. Deles, há um que Ana assemelha ao seu pai — e não é pelas parecenças físicas: “É do Porto, como ele. O meu falecido pai era maluco pelo Porto!” Gabriel, por sua vez, tem o coração (no que ao futebol diz respeito) dividido pelo clube da terra e pelo Benfica. “Mas fui sócio do Vitória durante 50 anos e é o clube que gosto mais. E fui receber o diploma e tudo”, reforça. “Ele mesmo quando fez os 25 anos de sócio andava aí todo contente com o crachá que deram no casaco. É, ele gosta muito do Vitória. E ia para o café ver, quando já não podia ir ao estádio”, completa Ana.

Os amigos do café — e da “praia seca, o luxo dos pobres” — continuam os mesmos, mas o casal ganhou outros no lar. “Tudo muito à base do respeito”, dizem. Por lá, Ana gosta, especialmente, das sessões de desenho. As artroses nas mãos roubaram-lhe a costura, mas encontrou uma alternativa no lar. “Decidi vir para aqui depois do inverno de há dois anos. Passei muito mal. É que a água quente não resolve tudo. Disse-lhe: ‘Gabriel, vou para o lar. Eu vou. Vens também?’” Ele aceitou, se bem que o estado do tempo
não lhe cause muito incómodo. Para Ana, é diferente: “Ele trabalhou muito no frio. Eu quando lhe ia levar o almoço à fábrica, pensava mesmo que aquilo era de uma bravura… Mas eu sou do calor. No frio, sofro muito. No verão, pode estar o calor que estiver, eu estou bem. Estou sempre morta para que chegue o verão, é mais bonito, claro que é.”
No lar, dizem, o Dia dos Namorados é celebrado por “um jantarzinho mais composto”. “A comida aqui é muito boa e tratam-nos muito bem. Nesse dia é que põem assim uma coisa mais composta. Mas levam-nos a muitos sítios, a passear. E a gente cá vai ficando. Até um dia, que Deus queira…”, conclui Ana.
A companhia da família é constante e têm-se um ao outro. Para quando a saúde falha a um, o outro cuida. “É paciência, é paciência e acompanhar” — desde o momento em que, ao pé da igreja, se pergunta: “Posso acompanhá-la?”. Hoje, acompanham-se, lado a lado.
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