
por ANA VIDAL PINHEIRO
Médica Veterinária
Há dias tive a oportunidade de ler uma história onde surgiu a ideia para o tema do meu 4.º artigo de opinião. Porque razão um cão vive menos tempo que nós? Várias respostas poderiam ser consideradas válidas, desde a sua elevada taxa de reprodução, um maior número de crias por parto, um menor avanço científico na Medicina Veterinária, entre outras razões que possam surgir ao leitor. Independentemente da razão mais lógica, o objetivo do presente artigo é centrar e desenvolver uma resposta baseada no facto dos animais já nascerem a saber viver.
Nós, seres humanos, vivemos permanentemente presos ao passado e ansiosos pelo futuro quando, na verdade, está nas “nossas mãos” a escolha de viver o “agora”. Se pensarmos bem, não nos é possível alterar o que já foi nem prever o que virá. Nesse mesmo sentido, facilmente compreenderemos o quão ilógico se torna vivermos entre “dois tempos” onde o nosso poder de controlo é literalmente inexistente.
Ao contrário dos animais, nós valorizamos em demasia a opinião dos outros. Baseamos a nossa vida nas suas expectativas quando deveríamos olhar para dentro de nós e vivermos realizados com as nossas próprias escolhas. Deixamos de conhecer e de nos relacionar com pessoas fantásticas por receio de sermos magoados, não nos abrindo a novos mundos devido a uma fobia estranha ao desconhecido. Permanecemos, sempre que possível, dentro da nossa zona de conforto mesmo sabendo que deste modo não nos será permitido crescer. Amarramo-nos aos nossos desejos como se fossem necessidades quando, na realidade, as nossas verdadeiras necessidades se traduzem em alimentação e abrigo. Queixamo-nos da falta de tempo e, no entanto, estamos convencidos que este nunca terminará.
Ao contrário do ser humano, os cães vivem no “agora”. Não vivem assombrados pelo passado, fustrados com as suas falhas e muito menos ansiosos pelo dia de amanhã. Os seus propósitos de vida são claramente mais simples que os nossos. Estão bem desde que consigam culmatar as suas necessidades básicas. Nada mais exigem que comida e um local confortável onde possam pernoitar. Ao contactarmos diariamente com estes seres, percebemos a sua grande simplicidade e a forma descomplicada com que lidam com diversas situações. Normalmente não se preocupam com o que levamos vestido, se somos bonitos ou se temos um carro topo de gama. As coisas são como são e aceitam-nas sem o desejo de as alterar. Olham para dentro de nós, tentam intuir quais as nossas intenções e se somos realmente bons seres humanos. Apresentam-se sempre sem julgamentos e não existem preconceitos. Se permitirmos, receberemos um amor ilimitado e uma lealdade inquebrável. Entregam-se de corpo e alma, sem medos. Dominam a arte de saber dar sem a intenção de receber, de relativizar os seus momentos menos bons, de perdoar a nossa ignorância e de nos ensinar a deixar ir o que já não nos faz falta. Ensinam-nos o significado do desapego e do amor incondicional. Já nascem a saber viver!
Nós, em contrapartida, perdemos oportunidades de crescer como seres humanos por acharmos que vamos viver para sempre. Termos sempre presente a nossa morte ajudar-nos-á a disfrutar dos pequenos prazeres da vida e a relativizarmos os nossos problemas. Talvez, se aplicarmos diariamente a descomplicada “vida de cão” possamos valorizar o nosso dia-a-dia como se fosse o último. Viveremos possivelmente menos tempo mas indicutívelmente mais felizes, tolerantes e menos exigentes com a vida. Aceitarmo-nos tal e qual como somos sem nada mais exigir.
Sejamos então mais “animais” e viveremos “menos” tempo!