Professores com a casa às costas
Artigo publicado na edição de setembro da revista Mais Guimarães.
A vida nómada de um professor é um tema recorrente e que surge, todos os anos, por esta altura. Ninguém é colocado numa escola para a qual não tenha concorrido e, por isso, “nenhum professor está colocado numa escola que não quer”. O Algarve, Lisboa e Alentejo surgem como as zonas onde há mais vagas e, por isso, os professores no norte veem-se obrigados a mudar de vida para, um dia, a casa ficar mais perto.
Liliana Silva, professora do 3.º ciclo e secundário, está em Quarteira há três anos. São 600 quilómetros que a separam da sua cidade natal, Guimarães. “A minha primeira escola fora de Guimarães foi em Ferreira do Alentejo”, conta à Mais Guimarães. Saltou de escola em escola e passou por terras como Alcácer do Sal, Aljustrel ou Vila Real de Santo António. Já houve também situações em que, no mesmo ano letivo, passou por três escolas. O seu “pior ano”, confessa. “Primeiro período todo em Serpa. Em janeiro, trabalhei um mês na Póvoa de Varzim, uma substituição pequeníssima. Em fevereiro, entrei em Albufeira”.
Contudo, este não é um assunto recente. Maria José foi professora do primeiro ciclo e está já reformada. Apesar de ter estado em escolas “relativamente perto”, esteve também em Celorico de Basto, em Borba de Montanha, numa altura em que os transportes eram muito diferentes. A camioneta passava às 08h00, às 13h00 e às 18h00 e ficava a meia hora a pé da escola. Por este motivo, Maria José ficou a viver num sítio desconhecido até então. A escola, conta, era por cima de uma corte de animais, não tinha carteiras para todos e eram 41 alunos na sala. Tinha 23 anos, “era muito nova e tudo atrapalhava”, desabafa.
Com todos os receios e coisas menos boas, havia algo que lhe fazia “muito bem. Aquela gente tinha um carinho muito grande por nós e isso aquece o coração”. A sorte bateu-lhe à porta quando, depois do segundo ano em Borba de Montanha, a professora do primeiro ciclo voltou a concorrer e ficou 25 anos em Gondar, até se reformar. “Quando é mais nova, a gente adapta-se mais facilmente às coisas”, diz.
De Bragança chegou, por escolha própria, Júlio Borges. Está na cidade berço desde 2003 e começou a dar aulas três anos depois. “Fui eu que escolhi vir viver para Guimarães. Em Bragança, quando eu comecei a trabalhar, para alguém ficar efetivo, teria que ter, no mínimo, 35 anos de trabalho”, explica. A mulher também é professora e, por isso, a adaptação foi mais fácil. Quando apenas um dos cônjuges é professor “é muito mais complicado ter que deixar a família ou trazer os filhos e deixar o marido”. Relata a história de colegas que “preferiram ir para caixas de supermercado em vez de ter que deixar o vencimento entre autoestrada, mecânico e rendas, porque tinham duas casas”.
A questão monetária é levantada, também, por Emília Pinto. Esteve dez anos sem lecionar a tempo inteiro, mas quer regressar. “Até arriscava ir para longe, mas o que é que eu faço com os meus cães?”. Questiona-se sobre viver longe e frisa: “vou pagar para trabalhar”. Na sua perspetiva, “não é desafiante, financeiramente” ter esta profissão. “Um professor ganha muito pouco para a formação e responsabilidade que tem”, admite relembrando que, quando trabalhava no Porto, deixava uma parte considerável do seu salário na estrada e no carro.
“Tenho que avaliar os riscos para ir para longe”. Devido ao cansaço acumulado, para Emília Pinto, a estabilidade familiar é “sempre afetada, mesmo estando a viver em casa”. Profissionalmente, a vida também pode ser prejudicada. “Ficas com a vida condicionada”, diz relatando que, às vezes, basta apanhar um acidente para chegar atrasada às aulas e “as escolas não são flexíveis”.
Sistema de colocação “não tem em vista as necessidades reais”
Liliana Silva está na mesma escola há três anos e conhece alguns alunos desde o 10.º ano. Quando não acompanha os alunos no percurso escolar, sente que o trabalho não é concretizado. “Parece que todos os projetos que até tínhamos em vista e tentávamos organizar não conseguem ser concretizados. Gostamos de ver a evolução deles, o sucesso que vão conseguindo alcançar”, esclarece.
O professor que chegou de Bragança acredita que o atual processo de colocação dos professores “não tem em vista as necessidades reais das escolas, mas sim uma série de procedimentos e concursos que têm muitas outras situações paralelas que não ajudam em nada o bom funcionamento das escolas”. Explica que este processo “faz com que gente que é da zona da área geográfica não fique colocada, porque ficarão outros mais afastados. Há sempre alguém que é prejudicado, porque alguém é beneficiado”.
A professora Emília Pinto vai mais longe e afirma que “dentro do ensino não se consegue sonhar. Por mais que me esforçasse, o meu trabalho não era valorizado”. Antes da pausa que decidiu fazer na profissão, passou por Barcelos, Braga e Porto. Nunca viveu noutro ponto do país, não saiu de casa, mas esteve “sempre de um lado para o outro” e, apesar de “até gostar de uma experiência nova todos os anos, houve uma altura em que já estava saturada”.
A professora do 3.º ciclo e secundário, Liliana Silva, lembra que “nenhum professor está colocado numa escola que não quer”. A colocação é feita mediante as opções de cada um, mas, para mais tarde estar perto de casa, é preciso começar assim. Não nega que há dias em que está mais triste, mas faz questão de frisar que estão “todos no mesmo barco”.
A colocação é sempre incerta e andar com a casa às costas é a relidade desta professora, que, pela primeira vez, optou por não partilhar casa. Com este regime, não sabendo nunca o que vai acontecer no ano seguinte, confessa que já teve o sonho de ter filhos, “mas torna-se muito complicado. É muito cansativo e não é vida para ninguém, nem para os filhos que não veem os pais durante a semana, nem para os pais que perdem momentos cruciais no crescimento dos filhos”.
Apesar de ter passado por muito, Maria José acredita que os atuais professores e aspirantes a professores “vão passar por pior”.
Sorri enquanto diz que “é preciso gostar muito daquilo que se faz. O gosto pelos meninos e por ensinar tem que ser superior a tudo o que está pelo caminho. Ensinar não é fazer papéis. Os papéis têm que ser para outras pessoas, mais administrativo. O curso não tem nada a ver com a prática e tudo se torna diferente quando temos à nossa frente um bando de sorrisos”.
Muitas vezes a família está num outro ponto do país e o processo de adaptação a esta vida é difícil. “Vou a Bragança uma vez por período, nas férias ou pausas letivas”, conta Júlio Borges. Confessa que já foi quinzenalmente, mas que, a partir do momento que se tem filhos, a gestão complica e “quanto mais velhos pior, acabam por criar os laços e é mais complicado”.
Já não se considera de Bragança, mas também não se considera de Guimarães. “Não é fácil tirar um curso e estudar para depois fazer, em grande parte, trabalho de secretaria e longe daquilo que se concebeu e esperou para construir a sua vida”.
A vocação é, para Emília Pinto, o motivo que leva os mais jovens a ir para o ensino. “Não pode constituir família nem sequer fazer grandes planos. As próximas gerações de professores vão ser pessoas que realmente querem dar aulas”.
A professora de português, latim e grego, Liliana Silva, aconselha a que “quem tiver de se deslocar que venha de espírito aberto”. Fala das experiências que ganhou e garante que “todas elas vão fazer crescer, quer a nível profissional, quer pessoal”. O bom ambiente é o que a faz sentir bem no meio em que trabalha. “Há escolas e diretores que, efetivamente, são pessoas muito humanas e conseguem ser o mais solidárias possíveis. Se a escola for um bom suporte e facilitar a vida ao professor, emocionalmente o professor está melhor preparado para a distância”.
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