UMA HISTÓRIA DE NATAL OU NÃO
Por António Rocha e Costa
Por António Rocha e Costa,
Analista ClínicoNão se trata de mais uma história a acrescentar a “As Mais Belas Histórias Portuguesas de Natal”, compiladas em livro por Vasco Graça Moura, que revisito invariavelmente nesta quadra do ano.
A história que vos vou contar é uma história real, que retrata na perfeição o cinismo e a hipocrisia da nossa classe política, que por um lado prega a solidariedade social e por outro abandona à sua sorte aqueles que têm a infelicidade de esbarrar com a máquina burocrática e insensível do estado. Ou então, trata-se somente da crescente escassez de recursos financeiros, uma realidade que os responsáveis políticos teimam em esconder.
Um amigo meu a quem há muito a vida deixou de sorrir e que de um dia para o outro se viu no desemprego, vinha recebendo regularmente o subsídio de desemprego a que tinha direito até atingir a idade legal da reforma, altura em que o dito subsídio foi cancelado. Recebeu antecipadamente uma carta da Segurança Social a comunicar-lhe que a partir de dia 12 de Outubro de 2018, data em que seria oficialmente reformado, deixaria de receber o subsídio, passando a receber a pensão de reforma. Dada a sua difícil situação económica, provocada pela ausência absoluta de qualquer outro rendimento e porque necessitava de continuar a comer e abrigar-se debaixo de um tecto – e isso custa dinheiro – dirigiu-se à segurança social onde foi simpaticamente informado que os processos de reforma estão muito atrasados, não se sabendo quando irá receber a primeira prestação. Perante este cenário pouco animador, resolveu requerer o chamado rendimento social de reinserção. Fê-lo há cerca de 2 meses, tendo recebido há dias o equivalente a 2 prestações de pouco mais de 180 euros cada uma. Ficou um pouco mais descansado o meu amigo, que já se preparava para passar o Natal sem qualquer pecúlio a aquecer-lhe a algibeira, vendo-se obrigado a recorrer ao apoio solidário de familiares e amigos. Aproveito aqui para esclarecer que a pessoa em causa é divorciada e vive só, por sua conta e risco.
Este caso, semelhante a tantos outros, roça o anedótico. Então em vez de acelerarem o processo de pagamento das prestações de reforma já vencidos, despacham mais rapidamente o processo do rendimento mínimo, continuando a não prestar qualquer informação sobre como e quando irá receber os valores acumulados a que tem direito?
Dizem que esta situação se deve à falta de funcionários na Segurança Social, não havendo gente suficiente para analisar os processos em tempo razoável, mas o cidadão comum começa a pensar que isso é mais uma desculpa, sendo a verdadeira razão a falta de dinheiro nos cofres daquela instituição, o que, a ser verdade, é deveras preocupante, pois os desesperados beneficiários passarão a ver nela não a segurança que seria expectável, mas sim a Insegurança Social.
A propósito da queda do helicóptero do INEM ocorrida há dias, o Presidente da República dizia que o estado terá falhado uma vez mais. Eu diria que para além de sermos um “estado falhado”, somos sobretudo um “estado falido”, o que faz soar a falso a história que nos querem contar, mas em que já ninguém acredita, a começar pelos próprios.
Depois não se queixem se começarem a irromper epifenómenos como o dos “coletes amarelos”, que, sendo para já inexpressivos no que toca ao nosso país, poderão vir a sofrer inesperadas metamorfoses se entretanto nada for feito.
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