Dulce Félix pendura as sapatilhas pelo desafio de inspirar jovens talentos Dulce Félix, uma das mais prestigiadas atletas portuguesas, decidiu dar um novo passo na sua carreira, agora fora das pistas. A campeã europeia dos 10.000 metros e maratonista olímpica, que participou nas edições de Londres 2012 e Rio 2016, decidiu lançar a Escola de Atletismo Dulce Félix e continuar o seu legado no atletismo. Após 30 anos dedicados ao atletismo, começa por revelar que o final da carreira iria ter de acontecer e afirmou que já tinha decidido que iria ser este ano. “Nunca estamos preparados psicologicamente para o fim. Tentei acabar a carreira nos Jogos Olímpicos e não consegui. Em 2020, apanhei Covid e nunca mais fui a mesma atleta. Depois fui começando a desmotivar e pensei que seria a altura de começar a pensar em pôr termo à carreira. Não estou nada frustrada porque saio em paz com o atletismo. Acho que fiz uma carreira bonita e agora quero deixar a minha marca”. “NUNCA ESTAMOS PREPARADOS PSICOLOGICAMENTE PARA O FIM” Embora a medalha olímpica tenha sido um sonho distante, a atleta considera a sua carreira como bem-sucedida. "Claro que gostava de ganhar uma medalha olímpica, mas eu tinha a noção de que isso era um desafio muito difícil, tendo em, conta a concorrência das atletas africanas. Mas o que eu queria era participar nos Jogos Olímpicos. Participei em dois, infelizmente não cheguei aos terceiros. Mas de resto, acho que a minha carreira foi bem feita. Tenho as pessoas certas do meu lado e tenho a equipa certa. A minha filha ainda me conseguiu ver no atletismo e era esse um dos meus objetivos também”. A transição de Dulce Félix para o papel de formadora de atletas começou há cerca de dois anos, quando, juntamente com o seu marido, fundou a Escola de Atletismo Dulce Félix e o El Comandante. Embora o plano inicial fosse dedicar-se integralmente a este projeto desde o começo, alguns pessoais e profissionais comprometeram esta vontade, no entanto, admite prontamente: “já prometi aos meninos que, a partir de janeiro, vou estar cá mais a tempo inteiro”, esclarece. Dulce revela entusiasmada que cada vez mais a verão na pista, mas nada daquilo até então, seria possível sem a sua equipa. “Eu fui a atleta que fui, mas não fui sozinha. É claro que eu tinha uma equipa presente, aqui é igual. Nós já temos o Diogo (Mendes), que é o treinador e a Susana (Costa). A Susana também é uma pessoa excelente que trata dos meninos e até já conseguiu colocar as mães dos meninos a correr, enquanto estão à espera deles. E isto é bom e é sempre uma possibilidade de se juntarem ao El Comandante”, diz a rir. “JÁ PROMETI AOS MENINOS QUE, A PARTIR DE JANEIRO, VOU ESTAR CÁ MAIS A TEMPO INTEIRO” Quanto à criação da escola, revela que o objetivo não é só formar futuros atletas, mas sobretudo, promover o desporto como uma forma de bem-estar e diversão para crianças e jovens. "Eu queria acabar a carreira e ficar ligada ao desporto de qualquer das maneiras. A ideia sempre foi a de manter-me ligada ao desporto, e o que mais quero agora é ver os meninos a praticar desporto e a serem felizes", afirma. Com um foco nas idades entre os 4 e os 16 anos, a Escola de Atletismo Dulce Félix procura criar uma abordagem inclusiva, onde o atletismo não é imposto como uma obrigação, mas apresentado como uma oportunidade para as crianças se divertirem e aprenderem. "Não forçamos os meninos a correr. Para nós, o importante é que se sintam felizes, que brinquem, que se divirtam e, se gostarem de correr, seguimos com isso. Se não, há outras atividades, como jogos ou saltos para a areia", explica Dulce. A missão da escola é clara: dar a conhecer o atletismo de forma descomplicada e acessível, promovendo a prática desportiva como parte de um estilo de vida saudável. A ideia é expandir o projeto, incluindo visitas a escolas para despertar o interesse pelo atletismo desde cedo. "Eu quero que o meu nome fique, mas não quero que seja apenas os meninos a virem até mim, eu também quero ir às escolas. O meu objetivo é cativar os meninos para a prática da modalidade. É claro que queremos meninos com ambição de competir. Mas mais do que isso, eu quero que os meninos venham, brinquem e sejam felizes. Não tem de ser apenas correr.” Quanto ao próximo diz ser “garantir transporte para os meninos que não têm possibilidade de chegar à escola, para que todos possam ter acesso ao atletismo e crescer no desporto”, expressa. “PARA NÓS, O IMPORTANTE É QUE SE SINTAM FELIZES, QUE BRINQUEM, QUE SE DIVIRTAM E, SE GOSTAREM DE CORRER, SEGUIMOS COM ISSO” Como mãe e treinadora, Dulce Félix vê no exercício físico e no desporto uma ferramenta essencial para o desenvolvimento das crianças. "Acho que em Guimarães temos as condições necessárias para a prática de exercício físico. Temos muitos desportos e é claro que as crianças têm de ser dividas entre as várias modalidades. Mas temos tudo para ter boas atletas”. A empreendedora revela que a escola deseja “criar boas condições para que no futuro, consigamos dar o que outros clubes que representei me deram a mim. Mas a verdade é que, sem apoios e sem patrocínios, não é possível”, diz, destacando a importância do apoio institucional e da necessidade de patrocínios para garantir que os jovens talentos tenham as condições ideais para crescer. E reforça: “Por mais que os pais tentem ajudar, nós também temos de arranjar verbas para ajudar estes meninos a praticar exercício.” “Costumam dizer que, quem é bom atleta nunca é bom treinador, mas não é isso que quero” Consciente dos desafios que as crianças enfrentam atualmente, com o tempo excessivo dedicado a telemóveis e outros ecrãs, a atleta acredita que o desporto pode oferecer uma alternativa positiva. “Cada vez mais, vê-se os meninos em casa e não na rua a fazer desporto. Queremos ajudar a combater isto”, confessa. Questionada sobre a mudança de papel de atleta para treinadora, Dulce rapidamente responde. “Estou agora a tirar o curso de treinadora. Costumam dizer que, quem é bom atleta nunca é bom treinador, mas não é isso que quero. Eu quero aproveitar o melhor dos meus quatro treinadores para passar para os meninos. As bases e os ensinamentos foram bons, por isso, acho que temos tudo para passar o melhor para eles.” Com a Escola de Atletismo Dulce Félix, a vimaranense vê uma oportunidade de deixar o seu nome no desporto de uma forma duradoura, proporcionando aos jovens a mesma paixão e dedicação que a levaram aos pódios internacionais. "O meu maior objetivo agora é ver os miúdos a crescer na escola, ser um exemplo para eles e mostrar o meu percurso. Para já, o foco está em solidificar o projeto em Guimarães e garantir que se torna numa “escola de sucesso, onde as crianças venham para se divertir e fazer desporto", conclui. Depois de conquistar a Europa, Dulce Félix foca-se agora neste projeto pessoal procurando inspirar as futuras gerações a seguir os seus passos.