CULTURA DO DRIBLE

ANTÓNIO ROCHA E COSTA Analista Clínico

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por ANTÓNIO ROCHA E COSTA
Analista Clínico

Driblar, fintar, simular, são verbos que estão fortemente enraizados na cultura lusitana, e que têm a sua quota-parte de responsabilidade na nossa sobrevivência ao longo de quase nove séculos de história.

Mas vamos directos ao assunto: na última edição deste jornal saiu uma pequena notícia que dava conta da atribuição de 348 mil euros ao Theatro Circo, pelo município bracarense, no âmbito do contrato-programa existente entre as duas entidades para o ano 2016, fugindo assim ao escrutínio do Tribunal de Contas, que só incide sobre verbas superiores a 350 mil euros. Esclarecia ainda a referida notícia que esta verba representa mais ou menos metade da que foi atribuída pela Câmara de Braga em 2015 e que foi “chumbada” pelo Tribunal de Contas.

Sendo assim, como poderá a nobre e antiga instituição cultural bracarense sobreviver apenas com metade do orçamento? Como resposta a esta questão atentemos nas palavras esclarecedoras do autarca de Braga, ao anunciar que vai atribuir também um subsídio de 306 mil euros à Companhia de Teatro de Braga, que é nada mais nada menos que a companhia residente do Theatro Circo. Ora, como dois e dois são quatro, aqui está a resposta à nossa dúvida.

Ninguém pense que esta situação é exclusiva de Braga, pois ela é transversal a muitos outros municípios e radica no facto de as instituições e as empresas municipais que foram criadas ao longo destes anos para subsidiar a cultura, não serem autossuficientes, nem sequer para arcar com cinquenta por cento dos gastos.

Como não podia deixar de ser, Guimarães defronta-se com os mesmos problemas, como tem sido largamente noticiado na imprensa local e nacional.

À medida que os anos foram passando, as actividades culturais começaram a abranger um número maior de população e nichos de apreciadores mais exigentes, alguns dos quais se deslocavam de propósito à nossa cidade, vindos de vários pontos do país e da Galiza para assistir aos principais eventos.

Naturalmente, os custos de realizar em Guimarães eventos culturais como o Guimarães Jazz, tornaram-se incompatíveis com os orçamentos das associações promotoras e a magreza dos patrocínios, exigindo uma comparticipação avultada por parte do município, que cada vez mais foi assumindo um papel preponderante no domínio cultural, de tal modo que a cultura foi implicitamente assumida pelos dirigentes autárquicos como um vector estratégico para o desenvolvimento económico da cidade e do concelho.

Esta opção estratégica do município viria a dar os seus frutos, culminando com o acontecimento ímpar, que foi “Guimarães – Capital Europeia da Cultura 2012”. Só que, o rescaldo da “Festa”, ficou um número considerável de equipamentos culturais, que naturalmente geram despesas de funcionamento, pela além de se ter fixado uma fasquia que não deixa muita margem para cortes excessivos na qualidade mas também na diversidade da programação.

Para agravar a situação a legislação foi alterada, impedindo os municípios de financiar nos termos habituais, as instituições e as empresas municipais, as quais terão que gerar receitas próprias equivalentes a cinquenta por cento, se não estou em erro, do seu orçamento.

Como os mecenas culturais escasseiam em Guimarães, cumprir à risca a letra da lei, equivaleria a acabar de vez com a cultura como ela existe hoje, ou então instituía-se o princípio de que “quem quer cultura paga-a”, que em termos práticos iria dar quase ao mesmo.

Por isso, e adoptando o lusitano provérbio que diz que “enquanto o pau vai e vem folgam as costas”, vão-se fazendo contratos-programa com instituições que funcionam como “barrigas de aluguer” e vão-se usando outros subterfúgios para driblar o legislador, que certamente até nem acha a cultura assim tão importante.

Neste domínio, como noutros, andam uns a simular, a fazer de conta, enquanto outros andam a fazer que não veem.

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