Paulo César Gonçalves: “Escrevo para crianças porque são elas que ainda podem mudar o mundo”

A obra foi apresentada no passado mês de fevereiro e a recetividade tem superado as expectativas.

Paulo cesar

“A Lanterna que Aquece o Mundo” é o mais recente título do vimaranense Paulo César Gonçalves. A história infantojuvenil transmite uma mensagem transversal e “é um grito aos valores essenciais”, nomeadamente a generosidade. A segunda edição da obra, editada em Itália, foi apresentada no passado mês de fevereiro e a recetividade tem superado as expectativas.

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

Porque decidiu fazer uma segunda edição desta obra?

O livro foi feito para a Câmara Municipal para entregar diretamente às crianças das escolas, com 3 mil exemplares, e nunca esteve à venda. Agora, quis fazer uma segunda edição minha. Na altura, falei com o município que me forneceu os direitos de distribuição, que tornou segunda edição possível. Foi uma coisa mais pequena, com apenas 200 exemplares. Aliás, no meio literário, chama-se uma edição de luxo.

Como nasceu a história?

O livro começou a nascer em 2018. Eu fui a um encontro a Vila das Aves, com o Professor Pacheco, no qual ele pediu para escolhermos uma palavra. Já nessa altura, a palavra que eu escolhi foi generosidade. No ano seguinte, a Dra. Adelina Paula Pinto tinha falado comigo para criar uma personagem que se pudesse ligar à animação de Natal do município Guimarães. Aí eu peguei numa personagem muito real – o meu cavalo-de-pau. O meu cavalo-de-pau foi-me oferecido quando eu era criança. O cavalo-de-pau esteve sempre em casa dos meus pais e sempre que recebíamos visitas, todas engraçavam com ele e acabavam sempre em cima dele. Achei que esse era um bom símbolo de generosidade porque sempre foi um objeto que sempre esteve à disposição de toda a gente.

Esta é uma história de generosidade, que se passa Natal, mas questão da generosidade é transversal. No próprio título, eu fiz uma transposição porque, na verdade, o que aquece é a lareira, mas a lanterna leva-nos para a ideia de que uma boa ação pode desencadear muitas boas ações.

Esta obra é também um grito aos valores essenciais…

Eu considero que a generosidade é uma base para tudo o resto. Se já estávamos a atravessar um período complicado. Agora vamos meter-nos noutro.

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

E já que falamos nisso, considera que esta pandemia veio despertar a generosidade?

Não, não acho. Acho que a generosidade muitas vezes a tem o seu lado de egoísmo. Vemos isso com esta questão da Ucrânia. Percebemos que muitas pessoas estão a dar sem critério porque, de alguma maneira, querem sentir-se bem com elas próprias.

Uma guerra tem muitas nuances, tem muitos lados, é muito mais complicada do que a identificarmos só os “maus”, que neste caso é a Rússia e a Ucrânia surge como vítima. Não há nenhuma razão válida para um país invadir outro país.

Eu acredito genuinamente que há muitas ações da humanidade e de generosidade, em que se dá sem querer receber nada em troca, mas também acredito que, em muitos casos, é uma questão de egoísmo. Era realmente preciso que em vez de tratarmos das consequências, identificássemos as causas.

Na história, o cavalo-de-pau segue o seu caminho. A generosidade também é isto…

Sim, é transmitir a mensagem de que o bem dos outros também é nosso bem, ou seja, é o poder da escolha. Eu Acredito que se eu tenho acesso a um livro, a uma casa, a um carro, a universidade, não pode haver uma razão válida que todas as outras pessoas não que possam ter o mesmo acesso, ou pelo menos tenham esse poder de escolha.

Há uma grande em darem-nos uma coisa que nós não escolhemos, que fica simplesmente ali, ou termos a oportunidade de escolhermos entre o “sim” e o “não”.

O próprio cavalo de pau é uma mensagem porque ele pede para ser a entregue a outra pessoa. A mensagem é que em vez de retermos tudo para nós, devemos também abençoar o outro.

Considera que esta é uma narrativa de esperança?

Absolutamente. Eu sou uma pessoa muito otimista. Nós ainda vemos coisas completamente descabidas em 2022. Tendo em conta o nosso progresso tecnológico, o nosso avanço científico, não consigo entender como é que nós, em termos humanos, ainda estamos cá atrás. De facto, estamos cá atrás porque continuamos com as mesmas características de há muito tempo ou pior.

Penso muito nas palavras da Maria Montessor, quando dizia que nós não educamos para a cooperação, mas sim para a competição. Enquanto isso acontecer, vai haver guerra.

Trabalhando eu com crianças, assisto a isso diariamente. Chega a uma altura em que o objetivo é ser melhor que o outro.

Na sua nota introdutória escreve: “Fazer com que conte, porque continuarei a tentar”. O que é que acrescentaria a esta frase?

Quando falo em continuar a tentar refiro-me, sobretudo, em servir às pessoas colheradas de esperança.

Sei que o termo escritor não é do seu agrado, mas como é que se define enquanto autor?

Para ser sincero, não gosto muito de definições. Eu termino hoje uma obra, mas nada me garante que daqui a três meses vou continuar a gostar dela. Acho que faz parte da evolução de quem cria não ficar muito agarrado àquilo que se fez. Eu não fico muito tempo a pensar naquilo que já fiz, mas sim no que ainda quero vir a fazer.

E o que reserva o futuro?

Eu tenho pelo menos mais duas obras para editar, que estão prontas. Mas é muito difícil a editar porque eu faço, eu faço as minhas edições. Não me interessa muito ter contratos com editoras, porque já tive e foi uma má experiência. Quando se edita em causa própria, é muito complicado entrar no circuito. Eu consegui ir a Feira do Livro do Porto, porque foi muito teimoso que eles não queriam. Foi uma pequena vitória. Em Lisboa já não consegui ir, por exemplo. Tudo o que tenha a ver com tudo que tenha a ver com palavra escrita interessa-me. Não quero fazer coisas que não me acho capaz. Regressando à questão do “escritor” ou “autor”, posso dizer que a definição mais apropriada para aquilo que eu faço é a partir do ponto de vista de um dramaturgo, de alguém que escreve para teatro, para cinema, quase como alguém que andasse com uma câmara. É assim que eu me vejo, sem grandes pretensiosismos. Acho que posso acrescentar, mas se achar que não estou a acrescentar nada, prefiro pôr de lado.

Como foi a recetividade a esta obra?

A recetividade a esta obra foi ótima. Aliás, esta foi a obra a em que recebi mais feedback.

Inclusive tinha partilhado isto com algumas pessoas. Eu prefiro que me digam que aquilo que eu fiz não está bom do que comprarem o meu livro e colocarem-no na prateleira. Isso a mim não me ajuda absolutamente nada.

Quando nós fazemos alguma coisa, escrevemos alguma coisa, quando lançamos alguma coisa, isso já deixa de ser nosso e passa a ser do outro lado. Nunca há um espaço fechado.

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

Considera que em Portugal há demasiados livros só na prateleira?

Sim, aliás há um estudo interessante sobre isso, que se centra em números.

Em 1960 havia, por ano, tantas edições como nós temos atualmente numa semana. Há muita gente a editar livros e, de uma forma geral, acho que o livro deixou de ser um objeto sacralizado e de difícil acesso.

Se antigamente a maior parte da população não tinha acesso a livros, hoje acontece exatamente o contrário, caiu-se na banalização. Por outro lado, entre a banalização e elitismo, honestamente, prefiro a banalização.

Quando eu edito alguma coisa gosto de pensar que estou a acrescentar alguma coisa. Dos meus seis livros, quatro deles são para crianças. Escrevo para crianças porque são elas que ainda podem mudar o mundo.

A seu ver, como está o consumo de cultura em Portugal?

Um estudo recente revelou que 70% das pessoas não leu um livro no último ano. Novamente falamos das consequências, mas não falamos das causas. Será que as pessoas a maior parte das pessoas têm assim um emprego tão bom que lhes permita tirar tempo para ler? Será que depois de trabalharem de manhã à noite, de irem buscar os filhos, de ajudarem com os trabalhos de casa (que considero um retrocesso civilizacional), ainda têm tempo para isso? E além destes motivos, os livros em Portugal são caros muito caros.

Eu acho que sei como fazer um plano que ponha, de facto, as pessoas a ler. Mas, para isso, é preciso identificar as causas.

© Cláudia crespo / Mais Guimarães
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