PELA CIDADE

WLADIMIR BRITO Professor de Direito na Universidade do Minho

Wladimir Brito

por WLADIMIR BRITO
Professor de Direito na Universidade do Minho

  1. 1. António Damásio no “O Livro da Consciência. A Construção do Cérebro Consciente” explica-nos que, entre outras coisas, o cérebro cria registos de entidades e de acontecimentos e guarda-os para posterior recordação. Trata-se do registo das “múltiplas consequências das interacções do organismo com a entidade”, que não é uma pura cópia pelo cérebro do que se passou num dado momento, mas sim uma montagem de “imagens” em que os nossos preconceitos e crenças exercem o seu papel. Por isso, ensina este cientista, “as recordações são afectadas por preconceitos, na verdadeira acepção do termo, dada a nossa história passada e as nossas crenças”.

Vem isto tudo a propósito das eleições em França e da ascensão da extrema direita europeia.

  1. O crescimento da extrema direita na Europa, relembrada por essas eleições, trouxeram à minha memória os Concertos para Violino e Orquestra de Beethoven e de Felix Mendelssohn (1809-1847) que, quando era adolescente, ouvi na BBC, estação que o meu avô sintonizava quase todos os dias por ter adquirido esse hábito durante a guerra e por não confiar nos noticiários das emissoras portuguesa da época. Nesses momentos de audição falou-me do nazismo, do horror da guerra e do perigo para a humanidade se Hitler a tivesse ganho.

Pela sua indiscritível beleza, esses Concertos, executados por orquestras dirigidas por Furtwangler, cativavam a minha atenção e, ainda hoje, relaciono-os com o meu avô e com aquilo que então me ensinou.

  1. Essa imagem musical formada na minha adolescência em Cabo Verde veio-me agora à memória por causa da ascensão da extrema direita na Europa e do definhamento dos partidos que representam o establishment na cena política europeia, que me fizeram recordar algumas dimensões da ideologia nazi, como a da proibição de músicas compostas por judeus, como aconteceu com a de Mendelssohn, e a doutrina política de “amigo/inimigo” do ideólogo nazi Carl Schmidt, que vê o outro-diferente como o inimigo que tem de ser combatido e excluído. Esta é a ideologia que está na base da extrema direita europeia e da Frente Nacional.
  2. Rendido à globalização ultraliberal, esse establishment tem contribuído para a progressiva ascensão da extrema direita, repetindo, noutras circunstâncias e com outros actores, o erro que cometeu no período que antecedeu a 2.ª Guerra. Nessa época, por estar mais preocupado em combater as forças da esquerda do que Hitler, abriu a este o caminho para a sua ascensão ao poder. E a seguir, foi o que se sabe.

Agora e ao longo dos últimos anos, são as suas políticas neoliberais, promovidas e executadas pelo “centrão” europeu, constituído pelos seus partidos, que vêm causando a irrelevância destes, como se tem visto na Europa e agora em França, ao mesmo tempo que criam as condições para a afirmação da extrema direita, que vai ocupando o espaço deixado vago por aqueles partidos e construindo o caminho que poderá levá-la ao poder. Seria interessante, mas não temos espaço para isso, analisar a forma como essa política, ao mesmo tempo que promove a extrema direita, vai assegurando para já a “perpetuação” da direita no poder.

5. Impõe-se assim combater o mal pela raiz e não as suas manifestações, se quisermos evitar que se ponha em prática aquela perigosa doutrina política “amigo/inimigo”, que se considere inimigo o outro por não ser europeu e que a arte seja proibida por, em função da raça, credo ou religião, ser classificada de maldita.  

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