O SNS e o paradigma da aviação civil

Por Carlos Guimarães.

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por Carlos Guimarães
Médico urologistaNuma viagem recente pude constatar o estrondoso e mediático caos que se vive nos aeroportos com Lisboa e a TAP rainhas deste império deplorável. Com tempo excedente para nada fazer tive de criar estratégias para saber esperar (uma tarefa difícil no meio do turbilhão de gente irritada e com tolerância abaixo de zero). Leitura, introspeção, meditação e crítica, foram os métodos usados para fazer passar o tempo.

No voo de regresso a Portugal, o comandante da aeronave colocou-se de pé em frente à porta do cockpit para justificar o atraso na partida. Começou por dizer que o primeiro atraso se devia ao cumprimento rigoroso do tempo de descanso que foi obrigado a cumprir no dia anterior. Devido aos constrangimentos conhecidos, ele concluiu atrasado o voo do dia anterior e por isso no dia seguinte o voo teria de ser arrastado o tempo suficiente para cumprir o obrigatório tempo de descanso. O tempo religioso de descanso. A segurança do próprio e de todos assenta numa enorme sequência de pressupostos entre os quais, o descanso é fundamental.

Dei por mim a pensar nos “parvos” dos médicos, enfermeiros e assistentes operacionais que trabalham horas a fio sem descanso, e muitas vezes obrigados e coagidos pelas suas chefias. As regras existem, a lei existe para ser furada ao invés de ser cumprida. Este é o grande paradigma entre a aviação civil e o processo clínico. No primeiro as regras cumprem-se no segundo as regras ignoram-se. No primeiro os erros e acidentes evitam-se, são escassos, no segundo somam-se. Nunca vi ninguém irritado devido ao atraso de um voo devido à necessidade de descanso da tripulação, mas todos sabemos dos espancamentos a profissionais de saúde porque estão mais lentos e cansados, muitas vezes pelo facto de serem forçados a incumprir a lei das horas de repouso.

É assim que funciona.

Paradoxalmente temos assistido nos últimos temos à instigação do incumprimento dos períodos de descanso. Perante um problema evidenciado no SNS, a fórmula encontrada pelas mentes brilhantes foi pagar mais e acrescentar mais trabalho. Cheguei mesmo a ouvir que o SNS precisa de gente mais resiliente, ou seja, que trabalhe sem descanso. Todos temos dias difíceis e dizemos o que não queremos, frases impensadas, mas que ficam gravadas.

Aguardamos sem ansiedade o sucessor de Marta Temido, mas acreditamos na continuidade, acreditamos que na sua mente os “pilotos do SNS” terão de trabalhar com poucas pausas, os aviões continuarão a voar (baixinho) e a soltar peças até ao dia em que se possam despenhar.

Precisamos de soluções, as soluções existem e só se implementam com vontade e muito trabalho. Atirar dinheiro para a frente sem medir consequências é muito mais simples, parece solução, mas na verdade pode gerar mais confusão.

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