Café Oriental: MÁRIO SOARES

Por Francisco Teixeira.

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Por Francisco TeixeiraNo dia 28 de abril o PS de Guimarães convidou Joaquim Viera, autor da biografia não-oficial de Mário Soares, “Mário Soares, Uma Vida”, para falar sobre quem foi e como foi a vida política, e pessoal, de Mário Soares. Esta que é a única biografia de Mário Soares, mostrando, sem tentações hagiográficas, o claro e escuro do pai fundador da democracia portuguesa, conduz os seus leitores a uma conclusão ineludível, a de que Mário Soares teve sempre razão, no essencial, antes do tempo, e que foi essa razão historicamente antecipatória, que define todo o juízo político dotado de grandeza, que fez dele quem é na democracia portuguesa: o seu principal agente e protagonista.

Mário Soares teve razão na fundação do PS (a 19 de abril de 1973, na cidade alemã de Bad Münstereifel), mesmo contra a opinião dos seus camaradas que viviam em Portugal, permitindo que o PS chegasse ao 25 de abril com uma estrutura organizativa e programática mínima; teve razão na formação da CEUD contra a CDE comunista, nas eleições de 1969, criando um espaço de luta não comunista contra o Estado Novo; teve razão no PREC, na luta com o Partido Comunista e a extrema-esquerda totalitária, a luta pós-revolucionária que definiu o Portugal contemporâneo (aí com a ajuda de muito outros, entre eles Manuel Alegre, Zenha, Edmundo Pedro, mas também com a ajuda do PPD, da democracia americana, da Igreja Católica e das fundações social-democratas alemãs); teve razão nos movimentos táticos que permitiram, acima de tudo, que se realizassem as eleições para a Assembleia Constituinte; teve razão na revisão constitucional de 1982, que substituiu o Conselho da Revolução (representante da “legitimidade revolucionária” e tutela militar sobre a democracia) pelo Tribunal Constitucional, concluindo o processo de transformação civilista e democrática da revolução; teve razão na luta contra o caudilhismo eanista e o PRD, que visava substituir o PS como partido charneira da democracia portuguesa por um partido presidencial e providencialista; teve razão (com Mota Pinto) na constituição de um bloco central que permitisse a Portugal aderir à CEE; teve razão quando se candidatou à presidência da República, em 1986, a favor de uma democracia-liberal europeísta e civilista, contra, por um lado, uma esquerda política do ressentimento e frustração, e, por outro, uma direita que, então, se anunciava como revanchista; teve razão, por fim, quando, em pleno passismo e tutela da troika, apelou e ajudou a construir o espaço político daquilo que viria a ser a “geringonça”, o governo de Portugal que permitiria a viragem da ideologia austeritária da direita radical para uma expectativa de mudança progressista. Naturalmente, pelo meio de tudo isto, Mário Soares cometeu erros. Mas os seus erros foram, neste caso, erros de tática, sem nunca perder de vista ou tergiversar relativamente à ideia estrutural de um Portugal europeu e aberto ao mundo, civilista, demoliberal, progressista e justo.

Como assinalou Joaquim Vieira na sede do PS, a “intuição política” de Mário Soares foi sempre o seu guia, permitindo-lhe antecipar o futuro e guiando Portugal como um espaço social, político e democrático europeu avançados, preparado para os desafios que o futuro lhe imporia e impõe.

A pergunta, porém, que continua relevante, é a de saber qual é a “matéria”, ou a “forma”, daquela “intuição”, o que é aquilo a que se chama “intuição política”, a que os publicistas e o senso-comum deitam mão, vulgarmente, para descrever a especial capacidade de alguns políticos para antecipar o futuro.

Ainda que como não-dito, não é invulgar que a “intuição política” seja assimilada a uma substância ou capacidade mágicas – emanandas de um poder divino, uma centelha mística de grandeza – ou a uma hýbris animal – uma capacidade comportamental de natureza genética -, aquilo a que a linguagem de plástico do comportamentalismo gestionário da inautenticidade chama skills políticas.

Quem leia a biografia que Joaquim Vieira escreveu sobre Mário Soares (mas os exemplos são múltiplos, quer biográficos, quer ensaísticos) perceberá que a “intuição” ou carisma políticos de Mário Soares nada deve a estes feiticismos comunicacionais da inautenticidade, mas, bem pelo contrário, decorre das quatro qualidades cada vez mais em falta na vida política, e que têm permitido, aliás, que o arrivismo e profunda insanidade de muitos agentes políticos, de todos os escalões, se tenha tornado a imagem de marca do político padrão, até ao perigo, cada vez mais sério, de desvitalização e depressão democráticas. Essas qualidades são: primeira, a coragem cívica (a primeira das virtudes cívicas, para Aristóteles); segunda, a maturidade e estabilidade psicológicas; terceira, a cultura e o conhecimento (da história, das ideias socias e políticas, do emaranhado das relações sociológicas profundas das organizações, comunidades e nações); quarta, a experiência, esse reservatório de circunstâncias complexas de vida, de inserção e conexão social e compreensão psicológica própria e alheia, sem as quais qualquer interpretação e agir comunicacionais não passarão de vacuidade inconsequente ou de perigosa irresponsabilidade.

Num momento tão difícil da vida política portuguesa, e do PS também, invocar e estudar Mário Soares é sempre um suplemento de esperança, uma oportunidade de gratidão e um guia de acção política concreta.

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