Café Oriental: Mais cidade, melhor cidade… ou não.

Por Francisco Teixeira.

© Francisco Teixeira

Por Francisco TeixeiraAs cidades são, por definição, atractores de desenvolvimento. Constituindo organizações onde os territórios se densificam, i.e., onde vive mais gente, com mais equipamentos, mais atividade económica, social, cultural e cívica, produzem não só mais bens económicos (o que está implícito), mas também mais bens de natureza simbólica e, especificamente, de natureza política.

Há cidades mais e menos importantes porque projetam para si mesmas (autorreforçando-se) e para as outras cidades os países ou, até, para o mundo, ações de configuração e perceção económica, cultural e política, definindo, de um modo mais ou menos diretamente causal, essas outras cidades e países. As cidades mais importantes são aquelas que definem uma autoimagem, uma identidade intencional, capaz de impressionar e o seu mundo mais próximo ou mais afastado. Esta capacidade de impressionar as outras cidades e o todo nacional corresponde ao seu “poder político”, à capacidade de influenciar diretamente as decisões alheias, que lhe dizem diretamente respeito ou respeito ao todo regional ou nacional. Neste sentido, as cidades capazes de constituírem identidades são atores, personagens identificáveis e autoorganizadas, suscetíveis de se apresentarem como tal. Sem um certo nível de autoidentificação e autoorganização não temos ator mas simplesmente dispersão e fragmentação, com o consequente efeito de fragilização.

Os elementos mais diretamente relevantes para a produção de poder político são o tamanho da sua população, a vitalidade da sua economia e o poder da sua imaginação cultural e social. A ordem da relevância dos fatores é discutível, mas não é, agora, o que me interessa. O que não é discutível é que uma cidade com mais população tem potencialmente mais poder político. Desde logo porque mais população significam mais votos e, por isso, mais poder eleitoral. A seguir, mais população quer dizer, potencialmente, mais atividade económica, não só estritamente produtiva, mas também nas dimensões de organização do trabalhado, de agenciamento de interesses, de motivações e interações grupais. Mais gente e mais economia, por sua vez, intensificam as relações sociais e culturais e, potencialmente, mais imaginação cultural e simbólica, mais capacidade de a cidade pensar sobre si mesma e se projetar para fora, condicionando as imagens que externamente são lançadas sobre si mesma e, portanto, controlando, de modo relativo, como deve ser vista, pensada e pesada na hierarquia dos poderes regionais e nacionais (e internacionais, quando é o caso).

Guimarães sempre foi uma cidade relativamente pequena (hoje não tem mais de 50 mil habitantes, um terço do concelho), o que resulta da estrutura dispersa da organização territorial do município. O efeito mais conspícuo da estrutura dispersa do município conduziu, em 1998, à autonomia administrativa de Vizela. A multipolaridade urbana do concelho, disperso por um núcleo pequeno e por várias pequenas vilas, elas próprias polarizadoras da sua microescala, sempre constituíram a condição fáctica da urbanidade do município de Guimarães. Esta qualidade da estrutura urbana do município, apelidada por Nuno Portas, de “modelo de cidade difusa, dispersa”, colocou e coloca a questão de se essa estrutura deve ser entendida como uma debilidade a ultrapassar ou como uma facticidade com que se tem que lidar (como Portas defendia), estruturando-a tanto quanto possível, desde logo conformando-se à configuração da cidade nuclear como uma grandeza de natureza quase puramente doméstica, a prazo ela própria engolida pela gentrificação, estratificação económica e museologização simbólica, transformando-a numa cidade para ricos. A debilidade adviria dessa circunstância de um município quase sem hierarquia urbana diminuir a força económica, social, cultura e política polarizadora, em virtude da fragilidade de todas as suas multipolaridades ou fragmentações.

Guimarães-cidade ultrapassou, ou navegou, as dificuldades decorrentes da sua pouca densidade sobretudo agindo sobre os outros dois fatores referidos acima. Afirmando-se interna e externamente, de modo simbólico, como Cidade de Cultura, decorrente, primeiro, do seu capital histórico e, depois, das políticas públicas municipais (Cidade Berço de Portugal, Centro Histórico Património Cultural da Humanidade e Capital Europeia da Cultura), e exponenciando o seu perfil económico (e histórico) de cidade industrial, capaz de ultrapassar as tormentas de sucessivas crises económicas e requalificar parte das suas indústrias, Guimarães-cidade minimizou o seu défice de densidade urbana e populacional e construiu-se, para si e para os outros, como uma cidade-marca de qualidade e sofisticação.

Mas o mundo mudou nos últimos vinte anos. Portugal, e Guimarães também, está envelhecido e com graves problemas demográficos, e as suas cidades, quase sem exceção, operam em contextos de competição demográfica, económica e simbólica cada vez mais exigentes. Como lembrou Rio Fernandes, num recente debate no PS de Guimarães, em Portugal só a área metropolitana de Lisboa e o Algarve têm verdadeiro crescimento demográfico.

A questão é, pois, a seguinte: como podemos e devemos lidar com a multipolaridade e a fragmentação urbana municipal, que recusa toda a hierarquia urbana e com ela, a possibilidade de reforçar uma cidade-atrator, com as vantagens (e desvantagens) que daí advêm? A pergunta é difícil. Agir para lhe responder ainda é mais difícil.

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