Café Oriental: Imigração, xenofobia e a islamofobia

Não há um português sem um emigrante na família. Se há coisa que define Portugal é a sua condição de país migrado, lançado para fora de si, apostado em saltar distâncias, geográficas, culturais, históricas. Hoje e no passado, Portugal especializou-se em dar novos mundos ao mundo, em misturas permanentes, sincretismos e invenções de novos modos de vida.

© Francisco Teixeira

Hoje, dois milhões de portugueses vivem fora de Portugal, 20% da sua população, que detém a maior percentagem de emigrantes entre os países da União Europeia. Se não chegassem elementares razões de dignidade, igualdade, justiça e humanidade, estas circunstâncias próprias, empíricas, que nos marcam a pele sem apelo nem agravo, serviriam para caracterizar como doentia toda e qualquer pulsão xenófoba e racista entre os portugueses.

Portugal, e a Europa, está em grave depressão demográfica. Por razões económicas, mas também culturais, os casais mais jovens não podem ou não querem ter filhos, o que tem consequências não só pessoais (que cabe a cada família, casal ou pessoa gerir) mas também enormes consequências socias, culturais e económicas. As consequências económicas do decréscimo da natalidade são óbvias. Se não houver gente nova para trabalhar, os sistemas de segurança social, familiar, educativo, produtivo, cultural, ficam sem pessoas que possam mobilizar, modernizar e vitalizar a sua ação. Logo, se os casais não podem ou não querem ter filhos, se Portugal, e a Europa, quer continuar a existir, tem que deitar mão da imigração, com todas as complexidades que isso acarreta, e que os portugueses conhecem acima de todos os povos.

Bem entendido, a necessidade absoluta de imigrantes implica o estabelecimento de leis e regras de acolhimento. Os países, e Portugal, devem acolher imigrantes segundo regras pré-estabelecidas, de acordo com as suas necessidades e possibilidades económicas, definindo regras de respeito integral pela sua dignidade, de apoio social e respeito pelas suas especificidades culturais, desde que em conformidade com as leis e princípios constitucionais que nos regem. Aceitar as diferenças não significa, nem pode significar, ceder ao relativismo cultural face aos elementos estruturantes da nossa Constituição e da declaração Universal dos Direitos Humanos, incluindo a absoluta igualdade de direitos entre mulheres e homens. Não pode ser de outra forma.

Chegados aqui, vale a pena olhar para o pequeno surto de xenofobia, racismo e islamofobia que, nas semanas mais recentes, e eventualmente ainda em curso, atacou Guimarães com grotesca visibilidade, quer através de pichagens nazis numa casa onde vários muçulmanos se reúnem para rezar, quer através de comentários racistas, islamofóbicos e xenófobos nas redes socias, incluindo por parte de pessoas com responsabilidades sociais locais, e, suspeita-se, por estruturas de alienação e violência desportiva.

O incitamento ao ódio a uma pessoa, ou grupo de pessoas, em função da sua religião (como em função da sua sexualidade, cor, género ou origem étnica) é uma indignidade protofascista que deve contar com o combate sem tréguas de todos os democratas-liberais e todas as instituições ou, mais simplesmente, de todas as pessoas de boa vontade. Dadas as circunstâncias sociais que vivemos, não pode haver hesitação ou complacência para com os algozes, seja qual seja a sua situação.

Uma foto, posta a circular, com impropérios dignos do mais abjeto fascismo, de um grupo de muçulmanos a rezar no Campo de São Mamede, ocupando o espaço público, parece ter decapado a fina camada de civilização de uns quantos, esquecendo que, em Guimarães e em Portugal, todos os dias a Igreja Católica, (quase sempre) legitimamente, usa o espaço público para a expressão da sua religiosidade. Que o tenham feito, agora, grupos de muçulmanos, não passa do usufruto do mesmo tipo de direito e possibilidade, desde que, bem entendido, tenham pedido as licenças devidas e cumprida as regras exigíveis. Por outro lado, a assimilação do discurso de ódio contra os muçulmanos à história da construção de Portugal e da luta de D. Afonso Henriques na construção nacional revela uma perigosa idiotia, um anacronismo falsamente imbecil, que não consegue esconder as mais básicas pulsões de crueldade e ódio àquilo que é diferente.

Não vale a pena disfarçar, volvidos 50 anos sobre o 25 de abril de 1974, a luta pela liberdade e pela democracia continua muito mais urgente do que seria de supor.

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