Francisco Brito e a paixão pelos livros raros

Francisco Brito sempre se interessou por livros, cresceu no meio dos livros. Na família, o pai e avós maternos têm grandes bibliotecas enquanto o tio Luís e o bisavô possuíram até livrarias.

© Eliseu Sampaio/ Mais Guimarães

Ganhou o bichinho desde cedo. “O livro antigo em si foi uma curiosidade que eu fui despertando através do contacto com outras pessoas”. Em 2012 começou a pensar e a planear abrir um negócio próprio na área. Em 2013 funda mesmo a livraria, a Cólofon, na rua de Santo António, na cidade berço.

O vimaranense ocupa-se agora dos livros a tempo inteiro. Procura livros interessantes e raros, mas também vende livros a cinco euros e a um euro, quando tem de ser. Porque, conta, muitas vezes é necessário comprar bibliotecas inteiras. “Para comprar 10 livros raros ou antigos tenho de comprar o resto, que são 200 ou 300 livros que não têm valor comercial nenhum”.

Numa era das novas tecnologias e da digitalização, Francisco Brito considera ser “pouco provável que o livro desapareça. Há um livro muito interessante que saiu há pouco tempo de Irene Vallejo, o Infinito num Junco, que está a bater recordes de vendas. Nele, a autora diz que é mais provável daqui a 500 anos vermos num jardim uma freira a ler um livro do que um jovem agarrado a um dispositivo digital”.

O livro enquanto formato físico já existe há milhares de anos, as tecnologias tendem a transformar-se até de uma forma mais radical do que o próprio livro. Poderá haver uma mudança significativa no digital, já o livro irá manter-se, reafirma.

“Só devemos escrever um livro se tivermos alguma coisa para dizer de muito importante. O tempo encarrega-se por selecionar quais são são as experiências que, de facto, vão ficar do ponto de vista literário ou mesmo académico.”

Francisco Brito gosta de livros diferentes mas sobretudo de poesia. “Há livros que gosto que têm partes fabulosas como é o caso do Dom Quixote. É um livro incrível, quase fundador de várias coisas da contemporaneidade da literatura”, refere à Mais Guimarães.

Confessa, no entanto, ser agora cada vez mais difícil ler livros do princípio ao fim. “Leio bocados de livros todos os dias para fazer
a ficha dos catálogos, deixei de ler muitos de início ao fim o que é uma coisa péssima”, lamenta.

Obras proibidas e censuradas pelo Salazarismo

Uma das estratégias adotadas pelo Estado Novo, a censura, permitia ao regime salazarista perpetuar-se no poder. Se, na imprensa, o lápis azul percorria as folhas diariamente, evitando notícias incómodas, nos livros essa censura era posterior, com a apreensão dos livros e processos, como conta Francisco Brito, proprietário da Cólofon.

© Eliseu Sampaio/ Mais Guimarães

“Se soubéssemos que estamos a viver uma exceção na história, talvez valorizássemos mais a liberdade que temos hoje, independentemente das condicionantes que há”. É desta forma que Francisco Brito termina uma longa conversa sobre o papel do livro na história dos povos, dos portugueses em particular.

Hoje temos o 25 de abril e temos livros relacionados com este processo da transformação na sociedade portuguesa para uma sociedade mais livre. O livro teve um papel importante neste processo?

Teve, até porque o livro não era alvo de censura prévia, esta era feita posteriormente. Mas havia todo um ambiente de censura, quando alguém estava a escrever um livro já pensava que aquilo certamente ia ser censurado. Ferreira De Castro disse isto numa altura: “nós estávamos a escrever e pensávamos, se calhar é publicado e vão à gráfica, prendem os livros e destroem-nos”.

Por outro lado, os livros proibidos sempre circularam. No período do Estado Novo, eles faziam uma censura muito feroz à imprensa, aos jornais e às revistas, eram muito duros, era horrível. Por exemplo, Mariano Felgueiras, que foi presidente da Câmara de Guimarães, esteve anos a tentar publicar um artigo sobre os Paços do Concelho, sobre a sua renovação. Ele era a favor que se acabasse aquilo e era sistematicamente censurado. E ele era republicano, embora aqui se dissesse que era comunista, o que era mentira, era o suficiente para ele não poder publicar nada. Era uma coisa incrível, uma coisa terrível.

Durante o Festival literário Humus, que celebrou os 50 anos do 25 de abril, falou-se sobre os livros censurados, há algum que, em particular, que gostasse de destacar?

É muito importante um livro chamado “Novas Cartas Portuguesas” foi escrito por mulheres que se inspiraram curiosamente num título do século XVII. É um livro que acaba por ser censurado e teve um impacto especial. Três mulheres que falavam sobre o lugar da mulher, a sexualidade feminina e depois a liberdade em geral. Acaba por ser uma bomba que caiu na altura, foi um escândalo, demasiado forte, e não só o livro foi censurado como a seguir foi aberto um processo. Felizmente para elas depois acabou, com a chegada do 25 de abril o processo caiu.

E 50 anos depois, ainda há alguma censura?

Há formas de censura, sempre existirão enquanto existirem Homens. Haverá sempre uns a tentarem condicionar o que outros dizem, mas não se pode comparar, de maneira nenhuma, o que havia antes do 25 de abril de 1974 e o que há agora.

As redes sociais vieram transformar um bocado isto?

Acho que deram uma liberdade de opinião a toda a gente só que sem limites e consequências. O que acontece nas redes sociais é que há pessoas que dizem coisas que não diriam no café em voz alta, mas atrás do teclado têm uma coragem estranha para dizer. Há esse lado e também o do aumento da desinformação, que é preocupante. Temos um outro problema, mas este macro, que é as próprias redes sociais fazerem a gestão de conteúdos limitando as pessoas e a liberdade das pessoas. Vejamos o exemplo da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, em que na Rússia deixaram de ter conteúdos do Ocidente, e no Ocidente deixamos de ter conteúdos da Rússia.

Isto é censura?

É censura. E se acho que era expectável na Rússia, no Ocidente deveríamos mostrar que somos diferentes, porque apesar de tudo aqui há uma liberdade de expressão que lá não há, nem de perto nem de longe.

Há uma tradição no Ocidente, e penso que nos outros lugares do mundo também, em que a censura é aceitada. Por exemplo, na Primeira República não havia censura prévia mas, em 1916, os jornais eram censurados e apareciam com uma coluna em branco. Se alguém escrevesse um artigo não aceitável o espaço aparecia em branco. Agora, estando no século XXI com redes sociais, twitters, telegrams, e acesso à informação, acho que não faz sentido nenhum e acima de tudo é um mau sinal da parte de Europa.

As plataformas, de certa forma, podem induzir as pessoas e alterar-lhes a opinião, mediante os conteúdos que lhes apresentam.

Sim, isso é verdade. Com esta questão dos algoritmos as pessoas estão a ser levadas a ver cada vez mais o mesmo, acabando por ficar numa bolha. Julgam que estão na internet, com o mundo à volta, mas estão a navegar numa bolha e isso é um coisa muito negativa. Mas também no passado, diga-se, havia pessoas que liam os jornais com uma orientação política definida. Ainda antes do Estado Novo as pessoas tendiam a ler jornais do seu partido, com o alinhamento com que se identificavam.

É mais ao menos o que está a acontecer agora?

É, só que a uma escala muito mais forte e mais grave, porque eu acho que condiciona mais o pensamento, e de mais gente.

© Eliseu Sampaio/ Mais Guimarães

Como é que vê o futuro da imprensa e do livro?

Acho que o livro vai continuar a existir. O livro é uma invenção fabulosa, o próprio formato do livro é vulgar, é como a roda, foi inventada há milhares de anos e nós ainda a usamos. Está um bocadinho no mesmo patamar, duvido que desapareça, não creio que o futuro do livro esteja em risco.

As livrarias, hoje em dia, tendem a afunilar muito na oferta, também por critérios comerciais, isto é, nós vamos a diversas livrarias e encontramos sempre as mesmas coisas. Neste aspeto, as livrarias independentes têm um papel fundamental porque oferecem-nos coisas que as outras livrarias de grande implementação nacional, que também são muito boas e importantes, não dispõem.

De certa forma acaba por limitar a liberdade de escrita de muitos potenciais escritores…

Escrita não diria, mas divulgação da escrita. Há uma tendência para vender certos produtos em detrimento de outros e, no caso da escrita, que é uma coisa tão importante que pode abrir tanto os horizontes, há esse fenómeno, o de afunilar as coisas, que pode ser um fenómeno perigoso.

Sobre a imprensa não arrisco dizer muita coisa, é uma área que eu não domino, mas acho que tem um papel primordial na mediação e na verificação de informação. Acho que esse papel tem de se manter, e acho que é necessário até ser mais valorizado.

Há pouco dizia que a censura desde sempre existiu…

Nós vivemos um tempo de exceção. Desde que há o livro impresso, desde que o Gutenberg imprimiu a Bíblia, 20 ou 30 anos depois, começou a haver censura e a direita começou a tentar limitar a circulação dos livros porque entendia que ofendia os dogmas da igreja. No caso de Portugal, nós tivemos sempre censura até 1820. Com a Constituição de 1922 e a Carta Constitucional de 1926 acaba a censura prévia. Isto é, podia haver a apreensão de livros e dos jornais mas nos jornais dizia-se coisas que hoje em dia não se podem dizer.

Nos jornais da Monarquia Constitucional escreviam-se coisas inacreditáveis, não sei se depois davam processos ou não, mas era demais, a escrita era completamente diferente, era totalmente livre, as pessoas podiam dizer o que quisessem nos jornais. Aliás, Portugal era considerado um dos países da Europa com maior liberdade de expressão, e os livros também se publicavam
nessa altura, e com o mesmo registo agressivo.

Agora estamos na fase do politicamente correto, o politicamente correto às vezes é uma questão de bom senso e boa educação.

As pessoas confundem um bocado isso, porque eu não posso acusar alguém sem provas concretas do que estou a dizer, senão tenho que responder por isso.

Eu acho que hoje em dia tem-se mais atenção a isso e ainda assim há acusações genéricas. Depois a política também permite que se façam acusações doutro carácter, são de carácter político e não das ideias ou das pessoas. Há uma história engraçada que eu contei na biblioteca sobre o período da Monarquia Constitucional.

O Bernardino Machado, que foi presidente da República, diz que D. Carlos é um déspota, insulta o rei num jornal e as autoridades apreendem o jornal. O jornal defende-se dizendo que a liberdade de expressão está em causa, porque é uma critica a uma figura pública e pode ser feita nos jornais. Vão para tribunal, o tribunal de primeira instância dá razão ao jornal, o Tribunal da Relação dá razão ao jornal e este é indemnizado por ter sido censurado.

O que não pode acontecer, e acontece muitas vezes, é uma pessoa com grande perfil mediático acusar uma pessoa com menor perfil, que não tem espaço para se defender. Isto para dizer que o período que estamos a viver hoje em dia é um período de exceção, um período excecional por termos toda esta liberdade. E eu espero que continue a ser um período de exceção, que estas conquistas se prolonguem para sempre, acho que é fundamental, e para isso o livro e os jornais têm papéis fundamentais.

Se soubéssemos que estamos a viver uma exceção, na história, talvez valorizássemos mais a liberdade que temos hoje, independentemente das condicionantes que há.

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