“Quis saber quem sou” não lhe vai dar respostas, mas é animado e inclusivo
Esqueça aqueles intérpretes de linguagem gestual que aparecem na margem, neste espetáculo eles são parte fundamental da ação e é belo.

Quis saber quem sou”, peça que tem um pouco de teatro e outro tanto de concerto, revisitando o cancioneiro do 25 de Abril, apresenta-se no grande auditório do Centro Cultural Vila Flor, este sábado, às 21.30. O espetáculo, de Pedro Penim, produzido pelo Teatro Nacional D. Maria II, está a rodar o país, no âmbito da Rede Eunice Ageas. O “concerto-teatral” tem o mérito de integrar verdadeiramente a linguagem gestual portuguesa, revisita canções conhecidas em versões nem sempre muito felizes, grita palavras de ordem, como seria de esperar, e não evita os lugares comuns na análise da Revolução.
Num espetáculo interpretado e cantado ao vivo por um conjunto de gente tão jovem – Ana Pereira, Bárbara Branco, Eliseu Ferreira, Francisco Gil Mata, Inês Marxx, Jéssica Ferreira, Joana Bernardo, Joana Brito Silva, Manuel Coelho, Manuel Encarnação, Rafael Ferreira, Rute Rocha Ferreira e Vasco Seromenho.- esperar-se-ia um questionamento maior sobre o que foi o processo revolucionário português. Uma intérprete – negra, lá está – a citar um discurso de Amílcar Cabral, demonizando o colonialismo português, 50 anos depois da independência das colónias, é um discurso estafado. Aos gritos, soa ainda pior. A geração do 25 de Abril vendeu a descolonização como exemplar, a seguinte disse que foi a possível dadas as circunstância, esta devia começar a questionar o papel que a forma como foi dada a independência à colónias teve na falta de democracia quase generalizada ( Cabo Verde é a exceção) nos países de expressão portuguesa que se tornaram independentes na sequência da queda do Estado Novo.
Ainda assim, “Quis saber quem sou” vale a pena ser visto, ouvido e apreciado. A começar pela história de coragem, arrebatadora, contada na primeira pessoa pelo ator (surdo) Vasco Sermão, que se apresentou nas audições para o espetáculo, sabendo que se tratava de um musical. Coragem do ator, que está soberbo na peça, e criatividade do encenador que viu ali uma oportunidade e, com limões, fez laranjada.
A banda sonora, cerca de 30 canções, escolhidas por Filipe Sambado, é quase uma garantia de que musicalmente este “concerto teatral” nunca poderia ser mau: Zeca Afonso, Fernando Lopes-Graça, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Chico Buarque e Duo Ouro Negro, entre outros. Os arranjos, modernistas, de músicas que fazem parte da banda sonora da vida de quem tem mais de 45 anos (vá lá 40 anos), podem soar estranhos. Aos mais jovens não lhes pesa o lastro da memória e, por isso, podem apreciar sem preconceitos.

© Filipe Ferreira
Não responde à pergunta de partida, mas inquieta
Bem sei que o Povo é uma personagem coletiva, mas a omnipresença sonora do coro, por vezes, torna-se cansativa. Se fosse um filme, corria o risco de, em certas partes, ser visto em modo acelerado. A certa altura, os intérpretes deitam-se a fazer contas aos fachos: “somos onze, quer dizer que deve haver dois fachos entre nós, na audiência estão 400 pessoas, quer dizer que devem haver 173 fachos…” A fórmula encontrada é engraçada, mas a radicalização à direita não é nenhuma novidade. Uma vez que querem saber quem são, a questão que deviam colocar era: porque é que os filhos e os netos dos que cantaram de forma sentida as palavras de Natália Correia em “Queixa das almas jovens censuradas”, no ritmo que lhe imprimiu José Mário Branco, estão tão desiludidos?
Quer dizer, este “concerto-teatral” não responde à pergunta de partida. Como não se trata de uma investigação científica, não faz mal, é inquietante e essa é uma das virtudes da arte.
Jornalista Rui Dias
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