José Luis Galdámez Aznar: O espanhol que marcou o ciclismo do Minho
Dos pódios da Volta a Portugal à fundação da Associação de Ciclismo do Minho, aos 80 anos o antigo ciclista profissional continua a ser um nome incontornável no ciclismo nacional. Entre pedaladas, revoluções e tijolos de barro vermelho, construiu uma vida improvável, mas profundamente ligada a Portugal.

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Em março de 2025, José Luis Galdámez Aznar celebrou 80 voltas ao sol. Nascido em Espanha, destacou-se como ciclista profissional nas décadas de 60 e 70, mas é em Guimarães que encontrou casa, propósito e futuro. A história deste homem é muito mais do que uma carreira desportiva: é a travessia de um tempo, de dois países e de um desporto que moldou não só o corpo, mas o caráter de quem o viveu intensamente.
Foi em 1970 que chegou a Portugal, convidado para representar a histórica equipa Coelima na Volta a Portugal. Tinha então 27 anos e um currículo já respeitável no ciclismo espanhol, com passagens por equipas em Valência e no País Basco. Mas o convite vinha com sotaque do Minho, por intermédio de um amigo espanhol que já pedalava por cá. “Disse-me que havia uma equipa portuguesa interessada. E eu, sem hesitar, aceitei”, recorda.

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A adaptação a Portugal foi natural, apesar das barreiras linguísticas. “O português era complicado, principalmente ao telefone. Mas como ciclista, não tinha de falar muito. Só pedalar.” E pedalou com garra e talento.
Voltas, glórias e um terceiro lugar imortal
Entre 1970 e 1974, Galdámez tornou-se um nome habitual nas principais provas do calendário nacional. Participou em três edições da Volta a Portugal, destacando-se em 1972 com um brilhante 3.º lugar na classificação geral — feito que ainda hoje é recordado com orgulho. “Foi o meu maior êxito”, admite com a humildade de quem sabe que pedalou contra gigantes.
Mas houve mais. Em 1973, venceu a desafiante Lisboa-Porto, corrida de dois dias com etapas entre Lisboa-Coimbra e Coimbra-Porto — uma alternativa à mítica Porto-Lisboa, com os seus temíveis 330 quilómetros em linha reta. “Ganhei essa prova com muita estratégia e resistência. Foi uma das minhas melhores corridas”, revela.
O fim de uma era: a Revolução e o profissionalismo
A carreira, no entanto, foi subitamente travada por um fenómeno fora da estrada: a Revolução dos Cravos, em abril de 1974. “O ciclismo profissional acabou ali. O governo da altura decidiu que não havia lugar para o desporto profissional, exceto o futebol.”

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Sem competições e sem estruturas, Galdámez viu-se forçado a encostar a bicicleta — pelo menos no plano competitivo. Mas não baixou os braços. Ao contrário, reinventou-se.
Já em 1973, antes mesmo da Revolução, começava a desenhar um plano paralelo. Um conhecido convidou-o a representar, em Portugal, uma fábrica espanhola de tijolos de barro vermelho. A tecnologia era inovadora, e ele, figura pública tanto cá como lá, tornou-se o rosto ideal para apresentar os produtos a um mercado em crescimento.
“Perguntei ao técnico o que tínhamos de diferente. Ele disse-me: ‘Eles ainda andam de bicicleta, nós vimos com um carro.’ E eu percebi que tinha de mudar de marcha.”
Com perseverança e faro para o negócio, Galdámez construiu uma carreira empresarial sólida. Fundou as Arrecadações da Quintã, dedicadas a soluções para cerâmica e construção. A bicicleta ficou em segundo plano, mas nunca foi arrumada de vez.
O legado no Minho: um ciclista sempre presente
O amor ao ciclismo nunca desapareceu. Pelo contrário, transformou-se em apoio estruturado ao desporto que o formou. Juntamente com Casimiro Coelho Lima, seu grande amigo e mentor na Coelima, esteve na fundação da Associação de Ciclismo do Minho, uma das mais relevantes do país na formação de jovens talentos.

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“A Coelima era a única equipa do Norte. Se queríamos competir, tínhamos de ir ao Porto. Um dia, o nosso treinador, Mário Miranda, disse: ‘Temos de fazer com que eles venham cá.’ E assim nasceu a Associação.”
Hoje, é mais do que um nome de referência: é um mecenas, mentor e amigo sempre disponível. As instalações das Arrecadações da Quintã acolhem material, viaturas e apoio logístico da associação. “Quando precisam de algo, sabem que estou aqui. É natural.”
A Associação retribui-lhe com o que tem de mais simbólico: o nome. O Grande Prémio Arrecadações da Quintã integra o calendário anual de provas e representa o reconhecimento do seu contributo para o ciclismo regional e nacional.
O embaixador invisível
Galdámez recusa o rótulo de embaixador. Prefere o de “amigo do ciclismo”. Mas o seu papel vai muito além da amizade: é uma verdadeira ponte entre gerações.

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“Todos os grandes nomes do ciclismo nacional, como Rui Costa ou Iúri Leitão, passaram pela Associação do Minho. Isto é uma escola. Uns ficam pelo caminho, outros tornam-se campeões. Mas todos aprendem.”
A sua visão é clara: o desporto precisa de apoio. “A bicicleta é cara. Os pais fazem um esforço enorme. E se os miúdos gostam, alguém tem de ajudar. Eu ajudo como posso. Outros também ajudam. A Câmara, a Federação… mas o apoio tem de existir sempre.”
“Furou o pneu” e nunca mais o arranjou
Há uma história que Galdámez gosta de contar, ou ouvir contar. Quando chegou a Guimarães, era apresentado aos novos amigos assim: “Este é o espanhol ciclista. Veio de bicicleta, furou uma roda e ninguém lha quis arranjar. Por isso, ficou por cá.”
“Em 55 anos, nunca arranjei esse furo”, diz entre risos. “Hoje, ando de bicicleta… mas estática”. Instalado em Guimarães desde 1970, o espanhol adotou a cidade como sua. A adaptação foi fácil, ainda que o idioma, confessa, tenha sido um obstáculo no início. “Quando era ciclista, não precisava de falar muito. Mas quando comecei a representar empresas, foi mais difícil. Ainda hoje, ao telefone, às vezes não me entendem”, conta, sorrindo.

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Galdámez não tem dúvidas: o ciclismo mudou e para melhor. “Hoje, tudo evoluiu: as bicicletas, a alimentação, os hotéis, os apoios. Mas há algo que se mantém: a paixão e o esforço dos jovens. E é aí que temos de ajudar”.
Uma vida em movimento
O percurso de José Luis Galdámez Aznar está longe de ser estático. Pedalou contra o tempo, contra fronteiras, contra regimes e até contra o fim abrupto da sua carreira. Em cada subida, encontrou uma alternativa. Em cada curva, uma nova oportunidade. Aos 80 anos, continua a ser o homem que nunca abandonou a bicicleta, nem o ciclismo, nem o país que o acolheu.
DADOS BIOGRÁFICOS
Nome completo: José Luis Galdámez Aznar
Nacionalidade: Espanhol
Idade: 80 anos (n. março de 1945)
Equipas representadas: La Casera (Espanha), Coelima (Portugal)
Destaques desportivos: 3.º lugar na Volta a Portugal 1972, vencedor da Lisboa-Porto 1973
Atividade atual: Empresário (Arrecadações da Quintã), mecenas do ciclismo
Contributo relevante: Co-fundador da Associação de Ciclismo do Minho