“O PRIMEIRO ALVO A ABATER”. COMO (SOBRE)VIVE A CULTURA EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS

José Pedro Caldas e Tiago Simães são de Guimarães e o seu trabalho não conhecia fronteiras até à chegada do novo coronavírus. A trabalhar no meio artístico, ambos têm os próximos meses cancelados e a vida em suspenso.

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José Pedro Caldas e Tiago Simães são de Guimarães e o seu trabalho não conhecia fronteiras até à chegada do novo coronavírus. A trabalhar no meio artístico, ambos têm os próximos meses cancelados e a vida em suspenso.

Foram “o primeiro alvo a abater” com a propagação do novo coronavírus em Portugal e vivem atualmente “um pesadelo”. Com as restrições que entraram em vigor, as agendas culturais de todo o país esvaziaram-se e deixaram artistas, técnicos de som e de luz, road managers, enfim, toda uma indústria sem trabalho.

É o caso do vimaranense José Pedro Caldas, que, como músico, produtor musical e engenheiro de som tem “os próximos três meses cancelados”.  “Tive, até ao momento, à volta de seis cancelamentos, sem contar com os concertos. Lancei em janeiro o primeiro disco como Mira Quebec e tinha nove concertos marcados, mas os primeiros quatro foram logo cancelados.  Na parte de trabalho de som, tinha três datas no gnration que foram canceladas”, adianta. O vimaranense elogia, no entanto, a política do gnration, espaço cultural bracarense, que irá remunerar os trabalhadores, apesar do cancelamento. “Mas não vês isso em mais lado nenhum. É um atestado de competência à casa”, enaltece.

José Pedro Caldas considera mesmo que o mundo artístico foi “o primeiro alvo a abater”. Apesar de compreender e concordar com o cancelamento de eventos, recorda que “é muito difícil, nesta área, ter algum tipo de estabilidade”. “Quando sentes que estás a começar a ter estabilidade, de repente acontece isto que te vai abalar e ainda nem sabe bem quais são as verdadeiras consequências”, admite.

Sendo o coronavírus uma pandemia mundial – os cancelamentos também chegam de lá de fora. “Íamos ter cá os Psychotic Monks, uma das bandas que foi ao L’Agosto. Iam fazer oito datas cá em Portugal. Foi cancelado. Basicamente estamos com os próprios três meses cancelados”, frisa. Os cancelamentos dentro e fora de Portugal também não são novidade para o vimaranense Tiago Simães, que vive do mundo artístico: é músico, compositor, professor, maestro e escritor. “É um pesadelo”, admite. Esse pesadelo começou precisamente fora de terras lusitanas. “Fui a Madrid nos dias 07 e 08 de março, em trabalho. Quando estava lá, já me começaram a cancelar coisas para este mês”, recorda. Tiago Simães tinha marcadas quatro viagens de trabalho: Espanha, Itália, Califórnia e Budapeste. Foram todas canceladas, bem como o retorno. Além das viagens, Tiago Simães contabiliza cerca de 20 eventos cancelados, entre espetáculos, concertos e o lançamento do seu primeiro livro. “Foi tudo. Estou sem trabalho absolutamente nenhum até meados de abril, pelo menos”, lamenta.

“Um pesado que tem de acabar o mais rapidamente possível”

Devido à redução da atividade económica que se antecipa por causa das medidas de contenção do novo coronavírus, para ajudar os trabalhadores independentes, o Governo decidiu que os trabalhadores a recibos verdes terão mais tempo para pagar as contribuições à Segurança Social e os que tenham de ficar em casa a acompanhar os filhos até 12 anos terão um apoio financeiro excecional no valor de 1/3 da remuneração média. Tiago Simães e José Pedro Caldas estão de acordo relativamente às medidas do Governo: é complicado dizer quais seriam as medidas ideais. “Muitas vezes, tenho um serviço marcado de um dia para o outro. Não consigo contabilizar objetivamente as perdas e os ganhos futuros. Idealmente poderíamos ter acesso a qualquer coisa. Não sei dizer como”, admite José Pedro Caldas. Tiago Simães aponta que se corre o risco de “facilmente ser injusto”. “Atribuir valores a toda gente seria injusto, depende do volume de trabalho e do que se faz”, explica. “Neste tipo de trabalhos há meses em que se passam muitos recibos, mas também há meses que não se passa nenhum”, acrescenta.

Tiago Simães diz mesmo que o site da Segurança Social está sucessivamente em baixo e deslocar-se à Segurança Social também não é opção. “Tudo isto torna a situação desesperante. A minha namorada também é freelancer, pois é bailarina. Isto é um pesadelo que tem de acabar o mais rápido possível. Se durar mais do que um mês e meio, não sei como vou gerir economicamente a minha vida. Com três miúdos tem sido difícil”, confessa.

A arte mantém-se viva

Tanto Tiago Simães como José Pedro Caldas têm-se mantido por casa, evitando saídas desnecessárias. Em casa, a arte mantém-se viva. Apenas não conseguem fazer dela um trabalho remunerado.  “A única coisa que faço para sair, para manter a minha sanidade mental, é a prática de correr de manhã. É algo que faço há muitos anos e que muito provavelmente vai ser cancelada. Tenho-me dedicado também a compor, para me abstrair das notícias”, explica José Pedro Caldas. O músico garante que, por dia, vê somente dez minutos de notícias e justifica: “tudo parece mais catastrófico do que é”. “Apesar de a situação ser catastrófica, não é tão catastrófica ao ponto de estar a deprimir. É uma privação que vamos ter e é uma incerteza para o futuro, mas é preciso sobreviver”, sublinha.

Em casa Tiago Simães tem aproveitado para ler, escrever, passar mais tempo com os filhos e “abrir portas” ao mundo digital, para o caso de a situação se manter. “Há dias em que saio um bocadinho de manhã. Vou sozinho dar uma volta de carro, para arejar. Tento também escrever, estudar e planear mais projetos para futuro. Poderemos ter de arranjar outras formas de trabalhar, apesar de o mercado online não estar tão desenvolvido para permitir que possamos viver dele”, sublinha. Para contornar, de algum modo, a situação, Simães está também a enviar por correio o seu primeiro livro “Todos os dias ou não”, numa altura em que a falta de tempo não é desculpa para não ler.

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