O regresso à normalidade

Por António Rocha e Costa.

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por António Rocha e Costa
Analista clínico

Em tempos de pandemia instituiu-se um novo dialecto – o covidês – que de certa forma veio ocupar o lugar do futebolês. Neste novo registo, torna-se difícil falar de qualquer tema que não tenha a ver directa ou indirectamente com o coronavírus.

Não fugindo à regra, vou dissertar aqui de forma avulsa e informal sobre o assunto do momento: “o regresso à nova normalidade”. Reparem que o termo “novo” faz parte de um conjunto de palavras que, como está na moda dizer-se, vieram para ficar. O novo coronavírus, o regresso à nova normalidade, a injecção de milhões no Novo Banco, são disso exemplo.

O regresso à nova normalidade não vai ser – dizem os oráculos – tão fácil como parece, já que os humanos afectados em maior ou menor grau pela pandemia do medo, parecem ter ensandecido e agora tirá-los de casa vai ser um problema. Cito a propósito uma estória, veiculada recentemente num jornal diário e contada pelo filósofo esloveno Slavoj Žižek, que procurarei reproduzir o mais fielmente possível. “Era uma vez um cidadão aparentemente normal que se convenceu que era um grão de milho. Deu entrada num manicómio para tratamento, tendo ficado curado ao fim de algum tempo. Com o boletim de alta na mão, passado pelo psiquiatra, dirigiu-se para a porta de saída, a fim de apanhar transporte para casa. Ao chegar à porta avistou uma galinha e fugiu rapidamente para o interior do edifício. O que é que se passa? – perguntou-lhe o psiquiatra que havia observado a cena. Está ali uma galinha que me quer comer? – respondeu o paciente. Então você não sabe que não é um grão de milho? Não chegamos já a essa conclusão? – retorquiu o psiquiatra. Eu saber sei, Senhor Doutor, mas tenho medo de que a galinha não saiba”.

Mutatis mutandis, a estória pode aplicar-se ao coronavírus. Então vocês não sabem que está a ficar tudo bem e que, com as devidas cautelas, já podem ir saindo de casa? Nós saber sabemos, temos receio é de que o vírus não saiba – responderão os cidadãos.

Hoje de manhã, pelas 8 horas, recebi no meu telemóvel uma mensagem da ARS Norte que diz assim:” No caso de precisar de Apoio Psicológico poderá falar com um psicólogo por este nº: 220411200 da ARS Norte – seg. a sexta, das 8.00 às 20h”.

Será que estou a ficar afectado pelo confinamento e não tenho consciência disso? Será que preciso de apoio? Ou será que mais vale continuar clandestinamente na minha “toca”, evitando regressar ao “admirável mundo novo” de que nos fala Aldous Huxley? Pelo sim pelo não deixa-me abrir a “janela” e ver o que se passa lá fora.

“Estudos científicos mostram que o isolamento social – como aquele que estamos a viver – é muito perigoso para a saúde física e mental” – retirado de um trabalho de investigação da revista “Sábado”. Trump revela que está a tomar hidroxicloroquina – lê-se no rodapé da televisão. Bolsonaro participa em manifestação contra restrições impostas no Brasil – vejo nas notícias televisivas. Três milhões de máscaras compradas com certificado falso – leio no jornal “Público”.

Um empresário da área têxtil diz: a indústria têxtil e do vestuário foi tomada pela pandemia das máscaras. Queremos confecções para trabalhar o produto normal e não as encontramos porque estão todas a fazer máscaras”. Por este andar ainda vamos andar todos nús, mas devidamente protegidos com máscara, digo eu. “O sal mata quase tudo e o vírus é sensível à maioria dos desinfectantes como o cloro” – defende o infecciologista Jaime Nina, procurando exorcizar o medo de frequentar praias e piscinas durante o Verão que se aproxima.

Para reservar um quarto no empreendimento turístico Vale do Gaio, é preciso cumprir uma série de requisitos e aceitar algumas exigências diz o proprietário, que passa a explicitar melhor: Primeiro vou tirar a temperatura aos clientes, com um termómetro sem contacto, depois vou medir os níveis de oxigénio no sangue com um oxímetro e se me trouxerem um teste Covid-19 feito há menos de 48 horas, aceito a reserva. Caso não tenha feito oteste, terei que convencê-los a fazer um teste rápido, pois já encomendei 500 desses testes, vindos da China”. Que formação técnico-científica possui o proprietário para executar os referidos procedimentos? – pergunto eu. Um autarca de S. Martinho do Porto mandou desinfectar a praia com lixívia. A utilização de produtos específicos para eliminar o vírus de grandes superfícies, como ruas, não é recomendada porque tem efeitos nocivos na saúde e no ambiente – vem dizer a OMS. Estão a ser treinados cães para detectar a presença de coronavírus nos humanos – refere uma notícia televisiva. Testes cãovid-19 em vez de covid-19 – digo eu.

Atendendo ao que vejo e oiço, concluo que ainda é perigoso sair da “toca” e que a nova normalidade não é mais que a velha anormalidade. Como diz a canção: “Vemos, ouvimos e lemos. Não podemos ignorar”. Por isso, estamos conversados.

 

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