TUDO É PATRIMÓNIO?

ANTÓNIO ROCHA E COSTA Analista Clínico

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por ANTÓNIO ROCHA E COSTA
Analista clínico

Escrevi há pouco tempo neste espaço, a propósito da atribuição de medalhas pelo Presidente da República, que corremos o risco de cair na banalização dos títulos honoríficos, quando o critério de medalhar alguém começa a reger-se por graus de exigência mínimos e discutíveis.

Mas não é só no caso das medalhas, já que o fenómeno se estende a outras distinções, como a atribuição dos óscares ou dos prémios nobel. E os critérios são tanto mais incompreensíveis, quanto a surpresa e a perplexidade dos premiados, como foi a novela da atribuição do nobel da literatura a Bob Dylan, a ponto de o próprio não comparecer à cerimónia de atribuição do prémio.

Quando se celebram, precisamente no dia em que este jornal dá à estampa, quinze anos da classificação do Centro Histórico de Guimarães como Património Mundial da Humanidade, atribuída pela UNESCO, vêm mais uma vez à baila os critérios que presidem à classificação e qual o rigor dos mesmos. Que Guimarães mereça essa distinção pela intervenção exemplar que tem sido feita no seu centro urbano, é aceitável. O mesmo já não se poderá dizer – digo eu – de outras classificações que têm sido atribuídas ultimamente, sobretudo no que toca ao Património imaterial. Distinguiu-se o “cante” alentejano e porque não o vira minhoto ou o corridinho do Algarve? Porquê o chocalho e não as castanholas? E para falar no caso mais actual, porquê a falcoaria e não a columbofilia, nestes tempos em que precisamos mais de “pombas brancas” do que “falcões”?

Mas voltemos a Guimarães. Quem conheceu a cidade dos anos sessenta do século passado, com um Centro Histórico degradado, as casas sem condições de habitabilidade e com as fachadas muitas vezes a ameaçar derrocada, consegue avaliar muito bem o que foi feito sob a batuta do saudoso arquitecto Fernando Távora e a sua “orquestra” sediados no célebre G.T.L.. Quem se lembra da Praça de Santiago dos anos sessenta, com as discussões entre as vizinhas que faziam voar “penicadas” das janelas e da mula do Sequeira que puxava a carroça carregada de garrafões de azeite em plena rua de Santa Maria?

Desses tempos apenas resta a memória, a memória de um passado que já lá vai, em que se inculcava nas pessoas o espírito do “pobrezinho, mas honrado”.

Agora temos ruas bem pavimentadas, casas restauradas, fachadas pintadas, floreiras nas sacadas e, para já, pessoas de carne e osso. Digo “para já” porque a invasão turística vai sendo cada vez maior e no Centro Histórico nascem todos os dias bares, restaurantes e casas de “recuerdos” que poderão a curto prazo pôr em causa a continuidade dos poucos moradores que ainda vão resistindo.

Cabe aos responsáveis autárquicos a tarefa de impedir a desertificação do centro histórico, criando, à semelhança do que já acontece em algumas cidades europeias, incentivos à fixação das pessoas, sobretudo de jovens, e isso passa certamente por tornar os arrendamentos atractivos e aligeirar as regras rígidas que impedem muitas vezes que as habitações sejam dotadas de maior conforto.

Além disso, não nos esqueçamos de que os primeiros restauros aconteceram há mais de trinta anos e por isso é necessário apoiar as obras de manutenção dos edifícios, sob pena de a breve prazo ficarem novamente degradados.

Se assim não for, teremos, num futuro próximo, um Centro Histórico povoado apenas por turistas e forasteiros que frequentam os bares e restaurantes, pernoitando nos Hostels e alojamentos locais, que também já vão proliferando no casco urbano.

 

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