Recordar… o Vitória #64
Por Vasco André Rodrigues.

Recordar-o-Vitória
Por Vasco André Rodrigues, Advogado e fundador do projeto ‘Economia do Golo’Um conto de fadas…
Talvez, bastasse essa expressão, quase retirada de um qualquer conto infantil, para definir a história de Yves Desmarets, um franco-haitiano, que deixou inúmeras saudades em Guimarães pelo seu talento, pelo seu pé esquerdo capaz de colocar bolas teleguiadas nas redes contrárias, ou sob a forma de assistência, nos pés dos nossos avançados!
Porém, como em tudo na vida, importará entender a questão na sua profundidade, a sua essência.
Desmarets chegou a Guimarães no início da temporada 2006/07. Tratava-se de um jogador totalmente desconhecido dos adeptos, resgatado pelo olho clínico de Norton de Matos, que seria o treinador nessa temporada, e que se esperava que pudesse ser útil na política de investimentos mais contidos preconizados pela direcção no ano do inferno da II Liga. Além disso, destaque para um curioso pormenor que passava pelo facto de, até aos 27 anos, idade com que chegou ao Vitória, ter sido completamente amador, acumulando o hobby de jogador de futebol com a profissão de condutor de autocarros nas movimentadas e belicosas ruas de Paris.
Na Terra do Rei não se imporia de imediato. Norton de Matos, apesar de ser o melhor conhecedor, ou até talvez o único, das potencialidades do jogador, não apostou nele logo na primeira jornada, naquela vitória por duas bolas a zero frente ao Vizela, com golos de Ghilas e de Brasília. Aliás, a primeira vez que o esquerdino envergaria a branquinha seria só à terceira jornada, numa derrota caseira, frente ao Penafiel. A primeira titularidade, essa, só aconteceria umas jornadas mais tarde, numa jornada feliz para o Vitória, que foi a Matosinhos bater o Leixões por duas bolas a zero, com golos no final da partida de Moreno e de Tiago Targino.
O herói destas linhas, apesar disso, continuaria em busca do seu lugar ao Sol, alternando a titularidade com a suplência, salpicadas com actos próprios de um profissionalismo a iniciar-se como a expulsão em Mafra, ou em Penafiel, já com Manuel Cajuda no comando das tropas Conquistadoras.
Manuel Cajuda, esse, que seria o verdadeiro herói da subida e que faria do jogador titular indiscutível na ala esquerda vitoriana. Com o treinador algarvio, o jogador explodiria com um manancial de bolas sabiamente colocadas na área, com uma inteligência táctica acima da média (ainda para mais para quem houvera chegado tão tarde ao profissionalismo!
O primeiro golo de Rei ao peito haveria de chegar numa tarde decisiva do Regresso do Rei ao local onde jamais deveria ter saído! Naquela tarde de Domingo, em que o Vitória tinha obrigatoriamente de vencer o Rio Ave, depois do golo do lateral Rissutt e antes do tento de Ghilas viria o primeiro golo do franco-haitiano… Um momento importante e que faria com que o Vitória arrancasse impante, de forma decidida, para o regresso ao principal escalão do futebol português.
Nesse regresso, o franco-haitiano seria das estrelas maiores. Na verdade, naquela inesquecível equipa que haveria de igualar a melhor classificação de sempre da história, ao conquistar o terceiro posto, o extremo ocuparia figura de proa ao garantir um posto quase cativo no onze. Aliás, seria a partir desse momento que seria visto como dos bons elementos a actuar no principal campeonato português, com muitos clubes, inclusivamente estrangeiros, de olho nas suas prestações.
Nessa temporada, destaque para os dois golos apontados em Paços de Ferreira num empate a dois. Dois tiros plenos de colocação, de força, mas que fruto dos Deuses não seriam suficientes para trazer os três pontos que tanto jeito dariam, a quem, por esses dias, tinha sonhos milionários na Europa do futebol.
O Vitória haveria de acabar, como dissemos, na terceira posição e qualificar-se para a pré-eliminatória da Champions League. Aí viveria o pesadelo, o terror, a vergonha e todos os adjectivos com que se pretenda catalogar a decisão do árbitro Pieter Vink e do seu auxiliar a anular o golo de Roberto.
Contudo, Desmarets continuaria no seu registo. Um pêndulo cheio de técnica, capaz de fazer maravilhas na ala esquerda do ataque, inclusivamente, apontar três golos numa temporada que prometia mais do que se alcançou.
Chegavamos à época de 2009/10, a última temporada do jogador com a Branquinha. Fruto de desacordos salariais, era, mais ou menos certo, para todos que o jogador não iria renovar o seu vínculo contratual com o Vitória. Não obstante isso, nunca tal tolheu o seu profissionalismo, a sua capacidade de trabalho, o seu desejo de vencer!
Aliás, nessa época chegaria o seu momento mais belo como jogador do Vitória. Na verdade, quem poderá esquecer aquele tiro de primeiro sem deixar a bola cair no chão, que bateu, inapelavelmente, o guardião Eduardo e permitiu ao nosso clube vencer o derby eterno? Um lampejo de rara e única inspiração, capaz de povoar a mente de quem viu para a eternidade! Talvez, a imagem do jogador como atleta do Exército de Afonso Henriques!
A época, essa, continuaria, com o comando de Paulo Sérgio e com o sonho de regressar à Europa bem vivo. Até que chegamos àquela famigerada Sexta-feira Santa de 2010, em que o Vitória seria escandalosamente espoliado em Braga. E o “escandalosamente espoliado” será um mero eufemismo, atendendo ao que se passou dentro de campo. Artur Soares Dias, o juiz da partida, conseguiria vislumbrar três grandes penalidades a favor do nosso eterno rival, todas elas em lances de muita dúvida, daí decorrendo os seus três golos. Daí decorreriam 4 expulsões para atletas do Vitória, sendo que para além de Andrezinho, Valdomiro e João Alves, também Desmarets seria expulso.
Era a facada decisiva numa época que haveria de acabar naquela tarde de desilusão frente ao Marítimo, em que dois golos de Kléber cercearam os sonhos de um regresso europeu.
Desmarets, esse, haveria de sair do Vitória rumo ao Deportivo da Coruña…. porém, jamais seria tão feliz como o fora no Vitória!