Cromos da pandemia

Por António Rocha da Costa.

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por António Rocha e Costa Analista clínico

Só num contexto de anormalidade como aquele que vivemos presentemente é possível encarar como normais certos factos e atitudes, que de outro modo e noutras circunstâncias, nos levariam a pensar que os habitantes deste planeta ensandeceram ou que vivemos num mundo às avessas.

Com efeito, sem qualquer espanto ou perplexidade, todos os dias, como diria o poeta, “vemos, ouvimos e lemos” coisas extraordinárias, mas preferimos ignorar, a bem da saúde mental e do nosso equilíbrio e assobiamos para o lado. Nisso está certamente a razão da nossa sobrevivência.

Basta andar na rua, ler os jornais e ver televisão, já para não falar das redes sociais, para nos confrontarmos diariamente com episódios e situações como aqueles que a seguir se descrevem e aos quais resolvemos chamar “cromos da Pandemia”.

Cromo nº1 – A saga de um indígena que quer renovar o seu cartão de cidadão: Em janeiro do ano em curso, procedi à renovação on-line do meu cartão de cidadão, que expirou em finais de fevereiro. Tarefa relativamente fácil, rápida e eficaz. Entretanto, após uma sucessão de peripécias de cariz surreal, no dia em que escrevo esta crónica (12/4/2021), ainda não recebi o meu novo cartão de cidadão.

Uma notícia publicada há dias nos jornais, referia um estudo que permitia concluir que o rendimento dos funcionários públicos em regime de teletrabalho era exactamente o mesmo do regime presencial. Com todo o respeito pelos nossos compadres de terras mais a sul e dos trabalhadores do estado que dão o corpo ao manifesto, atrevo-me a afirmar, sem necessidade de me apoiar em qualquer estudo, que um alentejano a dormir a sesta debaixo dum chaparro, ou a passar pelas brasas no sofá de sua casa, tem exactamente o mesmo rendimento, se falarmos de produtividade.

Cromo nº2 – As novas pitonisas: ultimamente têm dado à costa mediática umas aves de arribação que não se eximem de opinar e de dar palpites sobre tudo, alcandorados no alto da sua inesgotável sapiência, quais pregadores antigos que enchiam os púlpitos em tempo de Quaresma. No que toca à ciência económica, o espaço televisivo e jornalístico tem sido ocupado com muita frequência por uma tal Susana Peralta e um tal Luís Aguiar-Conraria, que não se cansam de propor, entre outras medidas para fazer face à crise económica gerada pela Pandemia, um extraordinário aumento de impostos a incidir sobre os mais ricos. Sendo que em Portugal, segundo Susana Peralta, que cita a OCDE, os 10% mais ricos detêm metade da riqueza nacional, está-se mesmo a ver que quem vai pagar as favas mais uma vez vão ser os ricos da chamada classe média, que auferem um rendimento de mil ou dois mil euros por mês. A não ser que se confisque as fortunas aos ricaços do TOP 10, o que sinceramente ninguém acredita.

Cromo nº3 – Toda a nudez será castigada: Ao passar junto à loja dos CTT, na rodovia de Covas, dou de caras com um cartaz, pendurado numa árvore, com o seguinte pedido: “Substituam-nos por árvores de folhagem permanente para vos dar oxigénio e purificar o ar, para assim podermos ter uma vida saudável e livre de pandemias COVID-19”.

Coitadas das árvores de folha caduca, se vier a ser posta em prática esta ideia genial parida por mentes fundamentalistas, cuja moral não suporta a nudez de tais exemplares vegetais durante a estação do Inverno.
Consta que este comportamento puritano já alastra à orla marítima, chegando ao ponto, diz-se por aí, de um cabo de mar, aplicar uma multa a um grupo de nudistas que frequentavam uma praia algarvia, sem usar máscara, conforme determinação da DGS.

Cromo nº4 – A raspadinha paga no acto: um quiosque de que sou cliente habitual, continuou a vender durante o confinamento raspadinhas ao postigo, advertindo no entanto, através de letreiro bem visível, de que o pagamento das ditas, deveria ser feito no acto. Presumimos que se trata do acto de raspar e assim sendo, o cliente paga com uma mão enquanto raspa com a outra, sob o olhar atento do dono do quiosque, não vá ele raspar-se porta fora antes de pagar. Pagar a raspadinha é uma obrigação comparada à do pagamento de impostos, já que o Governo, segundo consta, se prepara para criar uma raspadinha, leia-se imposto, que servirá para financiar a Cultura, que tão mal tem sido tratada em tempos de Pandemia.

E por hoje é tudo. Na próxima crónica, se as coisas permanecerem como estão, continuaremos a preencher a nossa caderneta de cromos.

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