A arte de persuadir: Vozes jovens, grandes argumentos

Com a voz e a palavra como principais ferramentas, os alunos do 11.º ano de escolaridade das escolas de Guimarães participam, todos os anos, no Torneio de Retórica com grande entusiasmo. Uma competição que vai para além do desempenho escolar e preparar os jovens para os desafios do futuro.

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O Torneio de Retórica é um projeto educativo promovido pela ASMAV- Associação de Socorros Mútuos Artística Vimaranense, direcionado aos alunos do 11º ano de todas as escolas do município. A iniciativa nasceu nos anos 90, na Escola Francisco de Holanda, quando Francisco Teixeira, professor de Filosofia, teve a ideia de organizar um concurso de retórica. Naquela altura, apesar de parecer uma boa ideia, o projeto acabou por cair por terra e apenas teve a duração de dois anos. É há quatro anos que o projeto volta a ganhar cor e em 2022, passa a contar com o apoio do município de Guimarães. Com este protocolo, deixa se ser apenas um concurso interno da Escola Secundária Francisco de Holanda e passa a englobar todas as escolas secundárias do município, nomeadamente a Escola Secundária Martins Sarmento, a Escola Secundária das Caldas das Taipas e a Escola Secundária Santos Simões.

O concurso pretende aprimorar o desempenho escolar dos participantes e capacitá-los com competências profissionais e interpessoais. Além de promover uma competição saudável, o torneio oferece uma oportunidade única para os estudantes desenvolveremhabilidades que os prepararão para os desafios futuros. Uma das principais características que lhe confere é a promoção dos saberes curriculares e disciplinares de retórica e argumentação.

A tradição e dedicação da Associação de Socorros Mútuos Artística Vimaranense na formação de cidadãos socialmente mais ativos

A Associação de Socorros Mútuos Artística Vimaranense (ASMAV), fundada em 1866, é a mais antiga associação civil de Guimarães e tem o estatuto de IPSS. Os seus objetivos estatutários incluem o apoio aos associados e aos seus familiares na doença e na morte, além de promover atividades sociais, culturais, educacionais e cívicas.

Nos últimos vinte anos, a ASMAV tem se destacado pelas suas iniciativas culturais e cívicas, abordando temas cruciais sobre as liberdades dos cidadãos. Exemplo disso são as comemorações do 25 de abril de 1974, a “Marcha Republicana” (na noite de 4 para 5 de outubro), o “Festival de Canto Lírico de Guimarães”, o “Torneio de Retórica” e o “Festival de Política”.

Francisco Teixeira, que para além de incentivador do projeto é também presidente da ASMAV, após um interregno, decidiu voltar a colocar a ideia em prática a ideia que havia tido há 30 anos. Os objetivos são claros: consciencializar para respeitar a diferença, ao ser capaz de um pensamento e ações inclusivos, capaz de acolher a diferença individual e cultural num mundo globalizado, mas também compreender, formular e refletir sobre os problemas sociais, éticos, políticos que se colocam nas sociedades contemporâneas, e o seu impacto nas gerações futuras.

O concurso desenrolou-se ao longo de várias fases. A primeira fase da competição acontece dentro das escolas, entre janeiro e junho, através do processo de eliminatórias sucessivas. As quatro finais escolares decidem as turmas que representam cada uma das escolas na grande final entre escolas. Por norma, as finais acontecem no renovado Teatro Jordão ou no auditório da Universidade do Minho, como se sucedeu este ano. A segunda fase da competição desenrola-se entre setembro e outubro, com os representantes de cada escola a enfrentarem-se numa semi-final e numa grande final, ou como lhe chamam, «a finalíssima».

Francisco Teixeira acredita na diferenciação deste projeto pela duração e importância do mesmo ao longo do ano letivo. “Uma das coisas importantes deste projeto, como acontece muitas vezes nos projetos escolares, é que este não é uma iniciativa efémera, que acontece uma vez e desaparece. É algo que dura o ano inteiro. Outra coisa a realçar é que, mesmo as turmas que não passam às fases seguintes, continuam interessados e vão observar e os colegas nas próximas fases”.

O concurso que desafia estudantes a dominar a arte da persuasão e a excelência na comunicação

Ao longo destes anos, esta iniciativa tem constituído um espaço de vitalização e experiência cívica, educativa e pedagógica. Este ano o torneio juntou mais de 1700 alunos e, aproximadamente, 70 turmas do concelho. Ao longo de cinco meses, estes jovens viraram oradores de mão cheia e enfrentaram os mais diversos temas da vida contemporânea, como a legalização da eutanásia, o serviço militar obrigatório, reprovações no ensino obrigatório, casas de banho comuns e a recolha de dados pessoais por empresas privadas.

Os temas são escolhidos pelos professores das escolas envolvidas na dinâmica do concurso. A regra é: a pergunta que dá origem  , deve ser uma pergunta dicotómica, ou seja, cuja resposta seja sim ou não. Desta forma, uma equipa deve defender a posição afirmativa da questão, a outra deve contra-argumentar com factos que acautelam o não. Estas posições são sempre sorteadas. “O objetivo é que eles convençam o júri de professores, de que a sua posição é a mais correta. Não podem estar com meias posições, têm de assumir na totalidade a posição”, esclarece o professor de filosofia.

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Os debates têm a duração de quarenta minutos, suspensos apenas por dez minutos de intervalo. Ao longo do debate, os alunos devem utilizar argumentos que lhes permitam defender a sua posição que é retirada por sorteio.

Quanto à formação das equipas, Francisco garante que é da total responsabilidade dos alunos escolher quem representa as turmas, mas no geral, é uma decisão unânime. “São as turmas e os alunos que decidem. Não há nenhum critério que se impõe às escolas para escolher. A ideia é que sejam eles próprios que escolham, coma orientação dos professores se necessário”. Assume, de imediato que, ao contrário do que a maioria das pessoas pensam, os alunos têm perceção e consciencialização das suas habilidades, sendo capazes de decidir com consciência os melhores representantes para o concurso. “Eles percebem quem é que tem mais perfil e escolhem entre eles. Se houver mais do que 3 que queiram, em alguns casos ficam a suplentes. Acontece ocasionalmente alunos que ficam doentes ou não podem”.

Todos os anos, há uma personificação alusiva a temas da atualidade representada nos cenários. “Queremos um cenário que tenha algum impacto estético e um impacto político. Os nossos cenários estão ligados às grandes transformações sociais, do mundo e da Europa. Já tivemos cenários alusivos aos refugiados, aos LGBT, a D. Afonso Henriques, à revolução francesa ou até à Grécia clássica, como foi este ano”, remata.

Mais do que uma atividade extra-curricular

“Um projeto transversal que permite criar ligações entre as escolas”, quem o diz é Francisco Teixeira. O presidente da ASMAV acreditaque com esta iniciativa é possível “criar um esquema de muita proximidade entre as diversas escolas, exemplo disso, é a finalíssima”.

Conforme o torneio avança, os discursos tornam-se mais refinados e as ideias mais polidas. Parte do sucesso deve-se à entrega e compromisso dos jovens que decidem «vestir a camisola como gente grande» e encarar o desafio sem medos. “O mais engraçado disto tudo é que há muita recetividade por parte dos alunos. Na maior parte dos debates, a sala é preenchida por 300 a 400 alunos que assistem, em silêncio, a maior parte deles, sem telemóveis. Estão ali empenhados, ao ponto de no final terem explosões de alegria e explosões de tristeza. Ficam eufóricos quando ganham, alguns ficam um bocadinho deprimidos quando perdem”.

A frustração faz parte do processo natural da derrota, mas estes jovens são devidamente acompanhados para quando o inesperado acontece. O professor admite que, a maior parte, está bem preparado e sabe como reagir em caso de derrota. “Preparamo-los na medida possível. Eles sabem que vão para uma competição que tem uma dimensão competitiva”. Francisco reforça ainda que os alunos “têm de perceber que a decisão do júri decidi quem passa à fase seguinte, mas não decide quem esteve melhor no debate”, assegurando que se trata de “duas coisas distintas”.

 

Como outra tarefa qualquer, para saber argumentar com perspicácia, é necessário criar estratégias para ser bem-sucedido na arte de persuadir. Neste caso, a melhor forma de o fazer para ganhar um debate é dominar o assunto. “A primeira coisa que todos os professores fazem é recomendar o domínio científico. Mas depois existem mais algumas técnicas do ponto de vista mais formal e mais retórico que lhes vamos ensinando”, explica Francisco Teixeira.

Os alunos são avaliados segundo três critérios gerais que orientam as decisões do júri, nomeadamente a qualidade da linguagem, a sustentação à lógica dos argumentos e o domínio dos assuntos. A finalidade de quem está a debater é convencer a pessoa de quem está a ouvir, indo ou não, ao encontro dos critérios. Os estudantes devem convencer o júri uma vez que, na deliberação pública, o mecanismo de convencimento é essencial.

A narrativa contada pelas personagens principais

Maria Mesquita, Margarida Salgado e Diogo Ribeiro são oficialmente os vencedores deste ano da Escola Secundária Francisco de Holanda. Os representantes do 11ºCT1 foram escolhidos por votação pelo resto dos elementos da turma. Diogo assume que as notas e a capacidade comunicativa foram os grandes motivos desta votação. “Os nossos colegas escolheram-nos não só pelas boas notas a filosofia, mas também pela nossa capacidade de argumentar no nosso dia-a-dia”, admite entusiasmado.

Para Maria, o interesse em participar era uma vontade desde o primeiro ano do secundário. “O ano passado assistimos aos debates e conhecemos um pouco o processo das equipas. Foi algo que achei muito interessante”.

O nervosismo é como uma sombra invisível que acompanha Margarida. A jovem confessa que tem de respirar fundo antes de subir ao palco. “Quando estou a falar em público fico um pouco nervosa, mas à medida que os debates foram avançando fui ganhando mais confiança”.

Mas se, para uns o nervosismo possa ter sido uma barreira, para outros permitiu-lhes ganhar força para continuar o debate. É o caso do Diogo que relata que é tudo uma questão de perspetiva. “Sempre que subimos ao palco e vemos aquela plateia toda, é claro que se sente um nervosismo, mas depois de começado o debate o nervosismo transforma-se em adrenalina e acaba por desaparecer e tudo flui”, garante.

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Já Maria, assume que o maior desafio foi ter de defender coisas que não estão de acordo com a sua perspetiva. “Neste caso, como os temas são sorteados, temos obrigatoriamente que ver o outro ponto de vista e temos de defender uma coisa que não acreditamos”. Apesar da dificuldade, a aluna acredita que, por outro lado, esse desafio, lhes permite “compreender melhor posições” que não são assuas. Quando tem de defender um tema com o qual não concorda, a aluna confessa que adota uma atitude imparcial. “A partir desse momento, já não é a nossa opinião. É uma opinião que existe doutras pessoas e temos de nos colocar na posição deles.

Maria reconhece muitas vantagens na participação deste projeto, mas crê que o maior benefício é “descobrir mais ao detalhe sobre os temas para conseguir desenvolver uma boa opinião”. A estudante acredita que a pesquisa a possibilita de poder fundamentar a sua opinião, mesmo que já tivesse uma opinião sobre o tema. “Muitas vezes nós temos uma opinião desenvolvida que foi feita sem grande pesquisa e sem a informação toda e o Torneio permite-nos repensar nisso uma vez que temos acesso a mais informação. Assim, também ficamos a saber argumentar dos dois lados porque às vezes só pesquisamos a nossa opinião”.

É unânime entre os três que a nova informação sobre os temas e o estudo sobre as duas posições (sim ou não) são benefícios que levam, não só para a sua vida académica, como pessoal e futuramente, profissional. Diogo, por exemplo, pondera seguir advocacia, muito por «culpa» do torneio. “Este projeto dá-nos precisamente muita capacidade de falar e argumentar. Antes disto, eu não conseguia falar tão abertamente como consigo agora”, admite. As meninas, apesar de ainda verem como incerto o seu futuro, assumem que as competências que adquirem neste torneio, ser-lhe-ão úteis para desempenhar qualquer profissão.

Os alunos fazem questão de admitir que este foi um trabalho em conjunto com a turma. Desde a pesquisa de argumentos até à prática dos discursos, a sala de aula transformou-se num verdadeiro laboratório de ideias. “A nossa turma ajudou-nos muito. Nós debatíamos com eles para conseguirmos treinar e pedíamos para avaliaras nossas respostas”, contam os alunos.

Mudamos de escola, mas o ambiente continua semelhante. A energia, o gosto e o sentimento de pertença replicam-se. Sofia Pinto faz parte da equipa vencedora da Escola Secundária Martins Sarmento. A ela, junta-se a equipa, Victoria Xavier e Afonso Tadeu.

A estudante começa por reconhecer que as vantagens do torneio vão para além da simples competição. “Ajuda-nos muito a abrir horizontes, a expandir o nosso conhecimento e a desenvolver muito pensamento crítico”, explica a aluna. “Temos de defender coisas que nem acreditamos e às vezes nem temos conhecimento sobre o assunto e somos obrigados a fazer uma pesquisa muito profunda. A verdade é que é impossível vencer um debate sem termos plena consciência do que estamos a falar, sem sabermos os termos todos. Os temas são complexos, atuais e variados”.

Mas, ao contrário do que se poderia imaginar, a competição não se restringe a um campo de batalha feroz. Apesar do clima frenético e de grande competitividade, no final, o ambiente é saudável. “Enquanto estávamos a trabalhar para a final, comunicamos uns com os outros. É claro que não passávamos muitos detalhes”, garante Sofia.

Além da camaradagem e do respeito, a experiência dos debates também trouxe reflexões pessoais profundas. A jovem assume que chegou a reconsiderar as suas próprias convicções. “Eu sempre fui a favor das barrigas de aluguer, mas nós tivemos de defender que não devia ser legalizado. Depois de muita pesquisa, entendo que há muitos senões e há muitas coisas que devem ser realmente estudadas em relação ao corpo da mulher, que não o respeita, então a minha opinião mudou. Antes defendia a 100%, agora defendo em certos casos, mas não a 100%”, confessa de forma convicta.

Numa única palavra, acredita que este concurso é um “desafio”. A razão é simples. “É algo que não estamos habituados a fazer e isso tira-nos muito da nossa zona de conforto e então eu acho que é um desafio, mas no bom sentido da palavra”, remata.

As expectativas para a semi-final e finalíssima

Em meados de setembro ou outubro, realiza-se a semi-final que reúne os vencedores de todas as escolas do município. A «finalíssima», como é carinhosamente apelidada pelo seu fundador, levará ao palco do auditório da Universidade do Minho, as duas equipas que sairão vencedoras da semi-final.

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Quanto a este novo desafio, Diogo Ribeiro, aluno da Escola Secundária Francisco de Holanda, sonha com a vitória. “Estou muito confiante para a semifinal porque temos uma equipa muito boa. E até sou sincero, até estou confiante que possamos ganhar o Torneio interescolar”. Margarida ambiciona que lhes saia “um bom tema para que resulte num bom debate”.

No meio do frenesim competitivo dos debates, onde cada argumento é meticulosamente preparado e cada palavra conta, o trio da Martins Sarmento encontrou uma forma inusitada de garantir a vitória: cantar Taylor Swift. Assim que os primeiros acordes de “Cardigan” ressoam, toda a ansiedade desaparece e é substituída por sorrisos e uma energia contagiante. É como se, por um breve momento, o poder das palavras de Taylor Swift transformasse aqueles jovens numa força imbatível, prontos para conquistar o mundo – ou pelo menos, aquele debate em questão. Sofia Pinto confessa que vai usar o mesmo truque para tentar conquistar mais uma vitória. “Nós sabemos que agora vai ser o dobro da dificuldade. Temos noção que assim como nós ganhámos e passámos, as outras equipas também já ganharam cinco debates. Mas estamos confiantes e queremos levar até ao fim”, revela a sorrir.

Assim, entre notas musicais, trocas de mensagens e debates acalorados, estes jovens mostram que a verdadeira vitória vai para além dos prémios e conquistas. A aprendizagem e o crescimento revelam-se as maiores vantagens deste desafio.

Como será o futuro nas mãos destes jovens?

Este evento, que testa as habilidades argumentativas e oratórias dos estudantes, vai para além das paredes das escolas e envolve um público essencial para o desenvolvimento dos jovens — os encarregados de educação. Estes desempenham um papel fundamental na formação dos alunos, sendo por norma, os primeirosincentivadores das suas aptidões comunicativas.

É o caso de Marcelo Pinto, pai de Sofia Pinto, aluna da Escola Secundária Martins Sarmento que admite que a principal vantagem é“ajudá-los a enfrentar plateias”, algo que considera ser uma valência muito útil na vida útil. Mas não só, este pai considera que “uma das grandes vantagens desta atividade é que prepara os alunos para enfrentarem a disciplina. No caso da minha filha, a Sofia mostrou–se uma menina muito disciplinada. Sempre que lhe era lançado um novo tema, ela reunia-se logo com os colegas para conseguirem pesquisar e trabalhar naquilo. À medida que foram passando nas eliminatórias, criaram um sentimento maior de entreajuda”.

Marcelo Pinto crê que esta competição vai ter muito impacto na vida destes alunos, potenciando a sua vida profissional. “Isto acaba porpreparar os adolescentes para não se fixarem naquele típico emprego das 8h00 às 17h00, atrás de uma secretária. Hoje não têm sítio certo. São cidadãos do mundo e provaram que podem desempenhar a sua função e continuar a ter convívio social com a família e os amigos.”

Para o professor Francisco, a participação destes alunos é fulcral para se posicionarem num lugar de destaque e conquistarem um lugar mais socialmente ativo na sociedade. “O facto de os jovens assumirem eles próprios o protagonismo do debate com público, ajuda-os a ganhar o gosto da participação cívica, a aprenderem as vantagens e as dificuldades da mesma e, sobretudo, a necessidade da intervenção cívica”. Francisco admite que sem este posicionamento por parte destes jovens “o democrático não sobrevive”, alegando que o mundo “precisa de gente que esteja disposto a vir à rua tomar a palavra”. Nós queremos que os jovens tenham a palavra e centralidade”.

 

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