“A CHAMA QUE SE EXTINGUE”

Por Carlos Guimarães

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Por Carlos Guimarães

MédicoDesde os tempos mais ancestrais que a imortalidade constitui a meta mais desejada da humanidade. Dizem que nos estamos a aproximar desse grande objetivo. Dizem que é possível. Na verdade sinto com o decorrer do tempo que nos afastamos dessa grande meta. Vejo gente que morre e não se apercebe disso, gente que se move mas não vibra, gente que mirra e que seca por dentro, que absorve uma morte lenta, ignorada e iludida. Vejo sofrimento e doença no corpo que se finge saudável mas que se degrada através da lenta combustão da mente.

Sinto a cada dia que passa que vamos morrendo, por dentro, como uma luz que não ilumina ou um calor que não aquece. A chuva cai mas deixamos de sentir o cheiro a terra molhada, as folhas das árvores pintam-se no outono, esvoaçam ao vento e deixam de nos mostrar beleza. O por do sol por quem tantas vezes nos apaixonamos e encheu o coração não passa de uma cena bonita que registamos com a frugalidade de uma foto disparada pelo smartphone que transportamos no bolso, um aparelho com autoridade para nos fazer cada vez mais autistas.

Há uma carapaça que se desenvolve em redor de nós próprios e que se torna cada vez mais espessa, que nos rouba o prazer e dissolve o bem estar. Uma muralha terrível que nos veda os sentimentos e emoções e asfixia o pouco amor que ainda possa existir. Uma cerca de arame farpado que nos perfura e não nos deixa extravasar, uma gaiola que apenas permite saltar entre dois poleiros e nos impede de abrir as asas e voar.

Vejo gente enganada, oprimida, atentada e violada por uma sociedade impostora, ardilosa e ao mesmo tempo de joelhos, vergada pela supremacia do interesse. Uma sociedade que beija os pés da sustentabilidade produtiva, que venera os esquemas mal entendidos da diabólica economia suprema e totalitária. Exige-se cada vez mais às pessoas que não têm mais para dar, surripiando-lhe o tempo definhado  que poderia ser seu. Pede-se que se vista a camisola pela causa, que se verta o suor até à última gota pela causa, quando na verdade não existe causa nenhuma. Exige-se superação crescente de dedo apontado e ameaças inquinadas.

Os dias da gente acabam praticamente em cima do dia seguinte, sem saber como aconteceu o dia atual, sem tempo para fazer nada, tempo que vai sendo paulatinamente roubado em horas e horas de trabalho, de stress, de pressão e muita adrenalina, sem tempo para parar, pensar e respirar, sem tempo para conversas ligeiras, relaxadas e fúteis, sem tempo para sentir o final da tarde.

O tempo para nada fazer é fundamental para recuperar e estabilizar, todos necessitamos desse tempo, sem esse tempo continuaremos a morrer lentamente, por dentro, e a engrossar a carapaça ruim que nos faz mais mortos e solitários e nos ilude a longevidade. Tempo é vida. A vida vivida, sentida e com sentido é o contraveneno para a morte que nos seca por dentro. Ninguém encontrará as soluções que dependem de nós.
Se não formos nós a tentar encontrar as respostas, o mundo egoísta e sem sentimento irá alimentar-se do nosso fim.

Porque corremos tanto e permitimos que nos façam correr? Na verdade quanto mais depressa andarmos mais cedo atingimos o fim.

Hoje é dia, amanhã não sabemos.

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