A EUTANÁSIA

CARLOS VASCONCELOS Advogado

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por CARLOS VASCONCELOS
Advogado

A recente divulgação pública de um manifesto em defesa da despenalização da morte assistida trouxe a matéria da eutanásia para o debate público em Portugal.

A questão afigura-se como relevante, pelo que, concorde-se ou não com os argumentos dos subscritores do manifesto, impõe-se reconhecer que, pelo menos, tiveram o mérito de colocar a sociedade portuguesa a pensar sobre o assunto.

Não vou emitir opinião neste texto sobre a questão de fundo. Reconheço validade a muitos dos argumentos invocados no texto do manifesto e dos quais me aproximo. Não tenho, todavia, a minha reflexão pessoal aprofundada a um ponto que me permita expressar, neste momento, opinião definitiva.

A abordagem do tema neste momento prende-se com um outro aspecto: a questão de saber se esta matéria deve ser objecto de referendo.

Tenho sobre o instituto do referendo uma boa opinião porque, quando bem utilizado, pode ser um instrumento importante de aprofundamento da democracia participativa e de uma mais profícua relação entre as soluções tradicionais de democracia representativa e a participação directa dos cidadãos. Reconheço que o tema reúne algumas das características dos assuntos tipicamente referendáveis, pois suscita opiniões muito diferentes na sociedade portuguesa e dentro de cada um dos partidos políticos.

Todavia, entendo que o assunto não deve ser submetido a referendo. O que se discute é a lei criminal e, por princípio, considero que a lei criminal não deve ser submetida a referendo, opinião que já defendi a propósito do referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Em concreto, defendo que não devem ser convocados referendos para decidir numa sociedade o que é crime ou deixa de ser; se um crime deve ser punido com pena de prisão ou com pena de multa; com quantos anos de prisão deve ser punida a prática de determinado crime …

Contendendo o direito criminal com os bens jurídicos essenciais da nossa vida em comunidade, o debate sobre as suas soluções legislativas deve ser feito com o tempo, o método, a reflexão e os cuidados necessários, na Assembleia da República, órgão com competência para decidir sobre esta matéria, sem prejuízo de um amplo debate público sobre o assunto. Deslocar o debate da Assembleia da República para um referendo poderá constituir uma transformação de um debate que se pretende profundo, porque atinente a um assunto complexo, num debate superficial, feito à custa de sound bites e ao sabor da espuma dos dias.

Tenho a consciência que é, porventura, uma opinião politicamente incorrecta, mas radica numa posição de princípio que, do meu ponto de vista, deve ser defendida, independentemente da questão de saber qual a conjugação de forças que, num dado momento circunstancial, existe na Assembleia da República e qual a opinião pessoal de cada um dos líderes que circunstancialmente lideram cada um dos partidos.

O referendo sobre a despenalização do aborto foi convocado em 1998, em grande medida, devido ao desconforto que o tema colocava ao Partido Socialista, devido à opinião pessoal do seu secretário-geral de então, o engenheiro António Guterres (o mesmo se pode dizer quanto ao referendo sobre a regionalização).

Nesta legislatura, esperemos que os interesses e os argumentos circunstanciais não voltem a prevalecer quando se decidir se o tema será objecto de decisão e qual o método para a alcançar.

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