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A LINHA DA VIDA

A opinião de César Teixeira.

César Teixeira

por César Teixeira
Advogado

No dia 6 de fevereiro foi aprovado o Orçamento de Estado. No dia 9 de fevereiro terminou o Congresso do PSD. A 20 de fevereiro, a Assembleia da República aprova na generalidade projetos que admitem a eutanásia.

A cronologia dos eventos exibe premeditação. Meticulosamente planeada e concertada entre agentes políticos. Do poder e da oposição. Para assegurar a viabilização da intenção, nada melhor do que a empurrar para o período pós-orçamento de 2020. E assim negociar-se-ia a aprovação do orçamento. Como contrapartida. E para que o tema não interferisse nas eleições internas do PSD e, por essa via, pudesse dificultar a concretização da opção, nada melhor do que o agendar para o pós-congresso desse Partido. Mas ainda assim era preciso evitar agitação. A aprovação teria de ser fulminante. O após o orçamento e congresso vinha mesmo a calhar. Sem tempo para discussão. Sem tempo para debate. Nas costas dos portugueses.

O tema é complexo. A eutanásia envolve um conflito de valores e interesses relevantes. Que não pode ser tratado da forma como o foi. Por um lado, temos a compreensível vontade de aliviar um sofrimento que atinge um indivíduo. Mas, por outro lado, temos a tutela integral e inalienável do direito à vida.

Isso mesmo. No dia 20 de fevereiro abordou-se a Vida. Tão simplesmente. Compreender o sentido da vida sempre esteve – e estará – nas mais importantes buscas do ser humano. A valorização da vida foi um valor fundacional da nossa Civilização. Foi a valorização da vida, que contribuiu para dominar a lei natural do mais forte e permitiu a construção de sociedades onde o mais fraco foi fortalecido.

Prolongou-se a Vida de cada um de nós para além de limites outrora impensáveis. A ciência recusou ceder à facilidade. A medicina, valorizando a vida, foi na busca incessante da solução mais difícil (a cura) e não da mais fácil (a capitulação). A ciência fortaleceu a nossa fragilidade natural e contrariou a lei natural do mais forte. De tal ponto que, hoje, há quem acredite que, em menos de um século, seja possível alcançar a imortalidade.

Suprema ironia! No estado mais avançado do nosso conhecimento, contraditoriamente, tendemos a relativizar a vida. A sua relativização tem por fundamento essencial a liberdade individual. Mas então onde parará esta relativização? Fundamentar a aprovação da eutanásia com base na liberdade individual, leva a que não se consiga perceber onde se estabelecerão limites. Esta mesma liberdade individual que hoje relativizou o princípio, será a mesma que continuará a fundamentar alargamentos sucessivos à abertura inicial. E, mais do que isso, defender esta opção com base na liberdade individual, acaba por tornar incompreensível a colocação de limites ao exercício da própria liberdade individual. Se se trata do exercício da liberdade individual, que direito existe de limitar esse exercício?

O ser humano é um ser social. Que apenas conseguiu atingir o grau de evolução que atingiu, porque vive em sociedade. Este caminho para o liberalismo extremado é pernicioso. Em pouco tempo, da vida em associação passamos para a vida em frente á televisão. Da televisão passamos para o telemóvel. Tudo afunila para o individuo. Tudo caminha para o EU absoluto. E este caminho acabará por corroer a sociedade, tal qual a conhecemos.

Percebe-se bem que o tema seja delicado. Sabemos bem que há situações de fronteira. Que testam os nossos princípios. Situações em que tudo é legitimamente questionado. A vida, efetivamente, não é vivida apenas a preto e branco. Se assim fosse as decisões seriam mais simples. Sabendo dessas situações limite, temos de compreender sofrimentos evidentes. De recusar juízos condenatórios. Mas ainda assim deveremos relativizar o valor da vida? Deveremos ceder aos populismos de ocasião acolitados num hedonismo militante? Que encontra sempre a solução mais fácil para resolver os complexos problemas com que nos deparamos? Julgo que não. Tomar esta opção não constitui insensibilidade perante o sofrimento concreto. Trata-se de defende uma linha que nos permitiu alcançar os padrões que hoje alcançamos e que impeça os abusos de amanhã. Infelizmente, a linha vermelha foi ultrapassada.

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