Alberto Araújo desmistifica ideia de coro e maestro
Alberto Araújo participou, em 2017 e este ano, no World Youth Choir, um coro formado por jovens de todo o mundo.
Teve o seu primeiro contacto com a música aos seis anos, tinha a “ideia bem cimentada que queria fazer da música vida” e foi em Lisboa que descobriu um curso que juntava Formação Musical com Direção Coral. Alberto Araújo participou, em 2017 e este ano, no World Youth Choir, um coro formado por jovens de todo o mundo. O ambiente, garante, “não é de todo um ambiente de competição”, mas quisemos saber mais.
Começaste na Academia de Música Valentim Moreira de Sá, atual Conservatório de Guimarães. Quantos anos tinhas e como é que foi a primeira vez que te cruzaste com a música?
Quando entrei na academia de música tinha nove anos, mas, na verdade, o meu contacto com a música foi ainda mais cedo, mais ou menos com seis anos. O meu pai pertence ao coro paroquial de Santo Estêvão de Urgezes e, na altura, perguntou-me se eu gostava de experimentar. Entretanto entrei e pouco depois o pároco, Pe. Joaquim Pimenta Rodrigues, esteve lá a fazer-me uns testes e preparou-me para cantar o salmo na minha primeira comunhão. Isto ainda com seis anos.
Decides ir para a Academia por que razão? Já sabias que gostavas ou acabaste por descobrir lá?
Bem, na altura eu tinha nove anos. Acho que quis ir para a academia porque gostava muito de fazer música e cantar. Lembro-me que tive um par de sessões experimentais antes de entrar mesmo e que todo aquele ambiente me cativava, com instrumentos a tocar em todo o lado, os compositores nos quadros espalhados pelas paredes. E, com os primeiros anos lá, esse gosto foi crescendo em conjunto com o conhecimento que ia ganhando.
Começas no piano e formação musical. Como é que acabas na Escola Superior de Música de Lisboa em Direção Coral e Formação Musical e porquê esse caminho?
No início, todos os professores lá da academia me viam como um futuro pianista. Tinha muito facilidade, numa primeira fase, e tinha, diziam eles, uma inteligência musical acima da média. O problema é que um instrumento, seja ele qual for, necessita de muitas horas de estudo, e cada vez mais horas ao longo dos anos. Acabei por não dedicar as horas necessárias ao piano para realmente seguir a carreira de pianista. Mas também desde cedo que me via a fazer algo mais próximo da disciplina de Formação Musical porque era aí que me sentia como peixe na água. E gostava muito de explorar as matérias um pouco mais à frente do meu ano.
Em Lisboa havia um curso que me cativava mais que os outros porque juntava a Formação Musical com a Direção Coral, era único no país e eu conheci algumas pessoas que o tinham ou estavam a frequentá-lo, nomeadamente a Helena Almeida e Silva e a Marisa Oliveira, ex alunas do conservatório e minhas colegas. Tudo aquilo que me diziam acerca do curso coincidia com aquilo que queria fazer.
Então concorri e tive a sorte de entrar. Isto em 2013.
Foi durante o curso que percebeste que a música ia ser mesmo a tua vida ou já escolheste o que fazer na universidade com esse plano bem traçado?
Até antes do curso eu já tinha uma ideia bem cimentada que queria fazer da música vida. Ou pelo menos não me via a fazer outra coisa, e nesse aspeto tem tudo corrido bem e não troco isto por nada.
Contudo, foi na Escola Superior que o meu foco variou um pouco e ganhei um carinho diferente pela música coral e pela direção coral.
Neste contexto eu apenas conhecia o que tinha cantado na Academia e também no Grupo Coral de Azurém. Na superior tive contacto com outro tipo de repertório, compositores e até coros profissionais
ou com um nível muito aproximado a um nível profissional que me fizeram repensar um pouco a parte da Formação Musical. A verdade é que os dois campos estão intimamente ligados e se complementam. Daí o curso ser tão completo. Todos aqueles que fazem este curso crescem imenso enquanto músicos e até enquanto pessoas.
Durante a licenciatura estiveste na Hungria. Que diferenças sentiste no ensino da música?
Sim, estive no Instituto Kodály durante quatro meses ao abrigo do programa Erasmus e foi tão incrível que decidi voltar mais um ano, após a licenciatura, para fazer um curso de um ano chamado Diploma (in Advanced Choral Conducting).
Umas das principais professoras do nosso curso, Cristina Brito da Cruz, tinha estudado neste instituto há uns bons anos atrás, e a nossa licenciatura em Lisboa estava construída muito à imagem dos cursos do instituto. A grande diferença que encontrei foi mesmo no ensino da música nas escolas comuns na Hungria, muito mais evoluído do que cá. Por exemplo, nas escolas públicas, os alunos do ensino primário têm um hora, duas vezes por semana só de música. Que podem ser três ou quatro horas semanais em escolas mais especializadas para o ensino da música. E os professores do ensino primário normalmente têm muito mais apetência e ferramentas para ensinar música. A Hungria tem já há muito tempo um ensino da música bem enraizado, também por razões históricas, e que em Portugal estamos ainda muito longe. Aos bocadinhos vamos chegando lá.
Além disso, nota-se muito a diferença na importância que as estruturas governamentais dão tanto à música por si só como ao ensino da música. Tanto pela qualidade das escolas, do corpo docente que
depois se reflete na qualidade dos músicos.
Já acabaste o mestrado? Em que projetos estás agora?
Ainda não acabei o Mestrado mas estará para breve. Neste momento estou a trabalhar com o Lisbon Community Choir, coro que tenho muito gosto em dirigir desde 2018 e que me faz crescer constantemente. É um coro basicamente constituído por cantores amadores, em grande parte estrangeiros e que faz um repertório bem eclético, desde Pop, Rock, passando por World Music, Jazz e um par de coisas mais clássicas. Fomos convidados a cantar no Especial da Netflix do Whinderson Nunes que estreou em fevereiro deste ano, intitulado “Isso não é um Culto”.
Estou a trabalhar também com a Associação Yeduhin Menuhin Portugal, no programa Mus-e e vou colaborando com alguns coros e ensembles vocais como cantor e maestro. Estou também na equipa que está a preparar o coro JMJ que se vai apresentar nas celebrações com o Papa.
Pelo que vi, trabalhas muito com crianças. Já tinhas este gosto?
Acho que nunca tinha trabalhado com crianças, antes nem sabia se gostava. Apenas nos escuteiros, quando tinha de conviver com os mais novos, mas mesmo aí nunca num papel de monitor nem algo
do género. A verdade é que trabalhar com crianças é muito gratificante, mas é ainda mais cansativo e desgastante. É necessária muita energia e capacidade de gestão, ainda para mais numa disciplina como a
música que pode dar aso à brincadeira, diria eu. E isso não é necessariamente mau. É um desafio enorme trabalhar com crianças e todas as faixas etárias têm os seus desafios específicos. Eu costumo trabalhar com todas as idades, desde a pré-escolar, ao secundário, e em diferentes contextos sociais, alguns mais favorecidos, alguns menos. Só ainda nunca trabalhei com bebés. No final de contas vale a pena, mas não é nada fácil.
Acreditas que ainda há uma ideia errada sobre aquilo que é um coro e, muitas vezes, é essa ideia pré concebida que afasta os mais novos?
Talvez sim. E que não afasta apenas os mais novos na verdade. Não há idade específica para cantar, todas as idades são mais que bem vindas. Penso que grande parte se deve ao facto de não existir uma cultura
coral enraizada na sociedade, a começar pela escola. Em qualquer outro país da europa as escolas têm coros, e cantar em coro é visto como uma atividade extremamente enriquecedora e essencial à formação pessoal. Para se ter uma ideia, na Europa há cerca de 37 milhões de pessoas que cantam em coro (mais ou menos a população da Polónia e mais de três vezes mais a nossa). Há países nos bálticos em que a percentagem de população que canta em coro passa os 75%. Isto são dados da European Choral Association.
No caso dos mais novos, a maior parte nem sequer tem a oportunidade de cantar em coro, num contexto optimizado para eles (coros infantis e juvenis, que vão sendo raros). Projetos como o Jovens Cantores de Guimarães, o Grupo Coral de Azurém, o Coro En’canto, o BJazz Choir, o Orfeão de Guimarães e todos os outros que sobrevivem da boa vontade de certas pessoas são projetos que deveríamos ver com outros olhos e abraçá-los, valorizá-los e, quiçá, nos juntarmos a eles. E cantar não é algo com que se nasce, mas sim algo que se aprende e que se chega lá, com a vontade certa.
O que é um maestro? É muito diferente daquilo que as pessoas pensam?
Um maestro é a pessoa que lidera musicalmente um coro, que guia o processo de aprendizagem e preparação do repertório de um certo coro, é o diretor artístico. Penso que até aqui é mais ou menos o
que as pessoas pensam. Na prática, o maestro pode ser muitas outras coisas, desde o carregador de material, o tesoureiro, o designer gráfico, o produtor, entre muitas outras coisas… E principalmente nós, maestros de coros, temos de saber lidar com pessoas. Temos de ser capazes de resolver conflitos e ser o mais justos possíveis. Temos de ser afáveis e inspiradores, mas ao mesmo tempo exigentes e sinceros. Não é nada fácil ser maestro, mas é algo que todos deveriam experimentar. A sensação de ter um grupo de pessoas à frente que confia em nós que quer fazer música, além de se poder moldar a música com as mãos, é indiscritível.
Falando um bocadinho do World Youth Choir… estás agora na tua segunda participação. Qual é a importância deste projeto?
Sim, participei em 2017 e este ano, 2023. Esta sessão de 2023 foi especial porque foi uma sessão apenas com antigos coralistas (Alumni Session) e após uma interrupção de três anos, devido à pandemia. Também foi um pouco mais pequena em termos de duração, aconteceu entre 3 e 12 de junho.
Em 2017 estava a estudar na Hungria e tive pela primeira vez conhecimento deste coro através de um dos meus professores do instituto, que na verdade viria a ser um dos maestros da sessão, Zoltán Pad. Na altura nunca pensei que fosse ser selecionado, visto ser uma seleção mundial, com imensos coralistas a concorrer. Lá tive a sorte de ter entrado e foi, sem sombra de dúvida, o melhor que me podia ter acontecido. Mudou a minha vida, mesmo.
Pela primeira vez estava a cantar, num coro basicamente profissional, com pessoas que queriam aquilo tanto como eu e com o mesmo amor pela música coral. E o facto de sermos cantores de todos as partes do mundo, literalmente todos os continentes, só tornava aquilo ainda mais especial. Os concertos foram momentos verdadeiramente mágicos para nós e ao fim de cada um deles era difícil conter as lágrimas, de tão avassaladora que era a experiência. Em 2017 fiz amigos para toda a vida que provavelmente não voltarei a ver pessoalmente.
Em 2023 foi também muito especial, depois de tanto tempo de paragem já nem sequer sabíamos se o projecto do World Youth Choir iria continuar, porque requer custos e há sempre problemas com fronteira, vistos, etc. Foi um ano de reencontro entre grande parte de nós, que éramos cantores das sessões de 2012, 2013, 2016, 2017, 2018 e 2019. Aí as lágrimas vieram logo no primeiro dia. Foi no Wold Youth Choir que percebi o quão poderoso poderia ser o canto e principalmente cantar em coro, e que muitas pessoas não têm oportunidade de experienciar. Sempre que trabalho com novos grupos procuro trazer-lhes um bocadinho desta energia e desta sensação. O World Youth Choir foi completamente decisivo para
mim e para as minhas decisões profissionais e de futuro.
Explica-nos um bocadinho o que é isto do World Youth Choir.
O World Youth Choir é um coro formado por jovens de todo o mundo, fundado em 1989 e que conta com cerca de 40 sessões até à data. As sessões acontecem normalmente no verão, em regime de estágio que dura entre duas a três semanas em que são feitos os ensaios e a tour de concertos. Para todas as sessões são feitas audições, ou presenciais ou via gravação. Normalmente são convidados dois maestros de renome internacional para liderar as sessões, sessões essas que poderão acontecer em diferentes locais.
No meu ano, de 2017, a sessão teve lugar em Pécs, Hungria, e tivemos 12 concertos em 12 cidades diferentes, atravessando Hungria, Sérbia, Bósnia e Herzegovina, Croácia e Eslovénia. No ano seguinte, por exemplo, a sessão foi na região chinesa de Inner Mongolia.
Como é trabalhar com músicos de todo o mundo e quais as maiores dificuldades?
É muito bom poder trabalhar com músicos de todo o mundo, com diferentes vivências e culturas. O ambiente do World Your Choir não é de todo um ambiente de competição. Afinal estávamos todos lá
para formar um coro e cantar em conjunto, não faria sentido de outra forma. Além disso, aquela sensação que todos nós temos alguma vez na vida de querer mudar o mundo e para melhor, parecia um pouco mais presente. O nosso desejo era de alguma forma mostrar humanidade ao resto do mundo e que qualquer coisa é possível quando se trabalha em conjunto. E nós tínhamos cantores de países em conflito entre eles, por exemplo. Mas o que importava ali era só cantar.
Quais são os teus planos para o futuro?
Não tenho muitos na verdade. Talvez um dia volte a querer ir estudar e a explorar ainda mais a fundo a direção coral, num outro país europeu. Mas para já é fazer o melhor que sei e tentar cativar as pessoas que me rodeiam para isto que é a música e cantar em coro. Isso dá-me energia para alcançar os meus próprios objetivos enquanto músico e pessoa.
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