Beja, 60 anos

Por César Machado.

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Por César Machado.

Depois daquele maldito ano que findava, parecia já nada haver de pior para o velho ditador.

De 31 de dezembro para 1 de janeiro de 1962, há 60 anos, portanto, o luto pela perda dos territórios da India, quinze dias antes, aparentava ser o último dos pesadelos de tão sinistro ano. Não seria assim.

Para o último dia guardara-se o assalto ao Quartel de Beja, um golpe armado que envolveu militares e civis, com colaboração de gente do interior do aquartelamento, que terminaria com tiroteio severo, mortos e feridos graves. Entre estes, o então Capitão João Varela Gomes.

Pairando sobre a ameaça que atravessou todo o terrível ano de 1961, e próximo de Beja, a figura incontornável do General Humberto Delgado; depois da farsa eleitoral de 1958 e do terramoto Delgado, nada ficara como antes para o decrépito regime.

A evasão, em 1959, do Capitão Henrique Galvão do Hospital de Santa Maria, onde se encontrava na condição de prisioneiro, e a ligação que opera com Delgado, elevaria a ameaça a Salazar a níveis até aí não colocados.

O assalto ao paquete Santa Maria, por um Comando Ibérico chefiado por Galvão,
logo em Janeiro, permitiu ver que a reacção dos tradicionais aliados ocidentais esteve muito longe da esperada por Salazar. Sobretudo a da nova administração Kennedy. Considerado o acto como político, não houve dos americanos uma perseguição a criminosos de delito comum como teria gostado o ditador. O passeio atlântico do entretanto renomeado Santa Liberdade fustigou internacionalmente o regime. Mas o pior viria no mês seguinte.

Em Março dava-se o início da guerra em Angola. E o cerco aumentou, de fora e de dentro.

Abril traria uma conspiração militar chefiada pelo Ministro da Defesa, Botelho Moniz, que agregara parte significativa das hierarquias castrenses. Ainda que falhada, mostrou quanto o regime estava dividido, também nas cúpulas da tropa.

A dois dias das eleições de 12 de novembro, um grupo chefiado por Palma Inácio, sob a direcção de Henrique Galvão, desviaria um avião comercial da rota Casablanca / Lisboa, fazendo-o sobrevoar Faro, Évora, Beja, Barreiro e Lisboa, lançando panfletos com propaganda eleitoral contra o regime, vindo a aterrar em Tânger.

Depois de tudo isto num ano só, e sem prisioneiros, estava-se a ver que os responsáveis presos no Golpe de Beja iriam passar mal. E passaram.

Salazar rompeu com a tradição de julgar os militares em tribunais militares. Mesmo no Golpe das Caldas da Rainha, que viria a 16 de Março de 1974, não se entregaram militares envolvidos a polícias políticas. No caso de Beja, os oficiais feitos prisioneiros tiveram como destino a Cadeia do Aljube. Foram interrogados selvaticamente pelos mais torcionários agentes da pide que não perderam uma ocasião de os humilhar. Desde logo pelo rapanço do cabelo à escovinha, entre tortura, maus tratos e agressões inacreditáveis, como é descrito por Varela Gomes, em “Tempo de Resistência”, uma verdadeira geografia da pulhice a que se entregaram tantas e tão altas patentes do regime. Dos regimes, talvez melhor.

Foi há 60 anos e falhou. Ganhou-se 13 anos depois. Como teria sido diferente a nossa história se Beja triunfasse.

Votos de um feliz ano novo para todos os leitores e para a Equipa Mais Guimarães.

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