Borys Hmelevskiy: “Amanhã podemos não acordar”

Antes do conflito, o jovem de 26 anos era um ativista dos direitos humanos, nomeadamente da comunidade LGBTQI+.

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O Mais Guimarães esteve à conversa com Borys Hmelevskiy, um soldado ucraniano na linha da frente da guerra, em Kiev. Antes do conflito, o jovem de 26 anos era um ativista dos direitos humanos, nomeadamente da comunidade LGBTQI+. Fazendo o seu “melhor para se manter vivo”, Borys Hmelevskiy deseja voltar à sua vida normal, mas prevê que o fim guerra não esteja próximo, muito pelo contrário.

Como se encontra atualmente?

Estou bem. Estou a descansar o máximo que posso para estar pronto para o combate. Estamos no período de descanso, antes do próximo destacamento, que é em três dias. Estou muito feliz por isto. O alvo é Kiev e já bombardearam o nosso acampamento algumas vezes.

Com tem sido a rotina durante estes dias em que o conflito armado perdura?

Não temos uma rotina. Não podemos prever o que vai acontecer. Ontem dormimos, mas eles já começaram a bombardear, soaram as sirenes de combate e preparamo-nos todos para a defesa. Hoje foi mais calmo, porque não nos bombardearam, então temos mais tempo para descansar, para nos alimentarmos e nos organizarmos.

As pessoas que nos estão a ajudar estão com um nível de motivação muito alto. Por exemplo, eu já tentei treinar no exército umas quatro vezes e é muito difícil treinar lá agora. Há um enorme número de pessoas a tentar treinar lá e a querer defender o país. E eu estou muito feliz por já ter conseguido fazer isso.

Esperava todo este apoio por parte do povo ucraniano?

Sim, esperava. Temos a experiência da Revolução da Dignidade, em Kiev, em 2015, e também do voluntariado em Donbass. Por toda esta experiência, esperava este apoio do povo ucraniano.

Antes de me juntar ao exército, eu fiz trabalho de voluntariado e continuo a fazer aqui no exército. O povo ucraniano sempre se ajudou entre si neste tipo de situações.

Antes da guerra trabalhei como ativista pelos direitos humanos num projeto LGBTQI+ na Ucrânia. Sou um ativista LGBTQI+. A missão era ajudar pessoas com SIDA, nomeadamente a comunidade LGBTQI+, trabalhadores sexuais, entre outros. Estes são os meus trabalhos mais recentes antes da guerra. É prioritário proteger os direitos humanos na Ucrânia agora.

As investidas de ocupação por parte da russa são muito violentas. É uma invasão bárbara. Há pessoas que estão à fome. Eles estão a matar pessoas. Tento não pensar muito nisso e viver apenas o momento. Hoje, se estás saciado e vivo, estás bem. Não podemos pensar muito nas áreas que já estão ocupadas porque temos de seguir em frente.

Qual o maior medo neste momento?

Nem sequer penso nisso. Não tenho medos. Claro que não quero morrer, faço o meu melhor para me manter vivo, como é normal. Quero regressar à minha vida normal como ativista.

As pessoas estão dispostas a pagar um preço alto…

Pessoalmente, espero um alto nível de patriotismo e apoio da Ucrânia. As pessoas não estavam à espera de uma guerra desta dimensão. Quando começaram a recrutar soldados, fiquei chocado porque foram milhares de homens a gritar: “quero uma arma e lutar. Por favor, levem-me para o exército”. Aí, os soldados ficaram surpreendidos e disseram que não precisavam de mais pessoas e não tinham mais espaço.

Eu trabalhei para a Organização das Nações Unidas, no setor dos direitos humanos, e já vi ativistas que também estão na guerra. Este é um conflito maior do que apenas entre a Rússia e a Ucrânia. É um conflito que põe em causa o totalitarismo, democracia, homofobia e direitos humanos.

Muitas pessoas não estão a lutar pelo país em si, mas percebem que, se a Rússia alcançar os seus objetivos todos, os direitos e todo o progresso feito até agora vai desaparecer.

Acha que o final do conflito pode estar próximo?

Não penso no futuro. Faço o meu melhor em todas as frentes, quer seja na parte da informação, como no voluntariado. Uso o meu tempo livre para fazer o meu melhor e espero que ganhemos, mas não sei quanto tempo vai demorar. Podem ser duas semanas, como podem ser dois meses ou dois anos. Eu percebo que não temos alternativa. Cada dia é um dia diferente, não podemos prever o que vai acontecer amanhã porque quem lidera a Rússia, Putin, é horrível e mentalmente doente. Talvez amanhã ele acorde e queira usar armas nucleares nos outros países do mundo. Ninguém pode ter a certeza que ele não as vá usar. Toda a gente no mundo deveria estar preocupada e pensar nisso. O cenário de um ataque nuclear é possível porque ele pode fazer tudo.

“Não tenho medos, mas claro que não quero morrer”

Borys Hmelevskiy

Considera que os russos seguem Putin cegamente?

Tento estar atento, mas é difícil. Metade da minha família é da Rússia e eu já lá estive antes da guerra. Percebo alguma da mentalidade dessas pessoas e eles inventaram muitas histórias da Segunda Guerra Mundial, de como os soldados russos libertaram a europa da invasão nazi. É muito importante para a Rússia parecerem os heróis nesta guerra atual. Eles cresceram com esta mentalidade e agora estão a repetir a história. Ao bombardearem Kiev, Kharkiv, Odessa, estão a repetir o que a Alemanha fez. A maioria da população russa, lá no fundo, entende o que se está a passar, mas não se querem meter. Reconhecer a verdade dos factos, implica irem contra a mentalidade com que sempre cresceram. É mais confortável acreditar na propaganda. Eles têm propaganda extremamente forte. Eu reconheço-a de há muitos anos, de quando estive em Donbass para um trabalho. Nas televisões russas, quando um soldado ucraniano vai para alguma das cidades ocupadas, dizem para fazerem esconderijos para as crianças e para as mulheres, que ficam lá por semanas. Uma vez uma mulher veio ter connosco, ajoelhou-se, a chorar, e perguntou a gritar: “vocês comem-nos realmente? Vocês usam-nos para trabalhos?”

Foi um momento horrível, porque conseguimos perceber o poder da propaganda russa, que consegue destruir a cabeça das pessoas. Creio que a propaganda russa é pior do que a propaganda da Alemanha nazi.

O mundo está consciente dessa propaganda?

Não sei, mas acho que não se faz o suficiente para pará-la. A hesitação de Putin tem sido ignorada nos últimos 20 anos e a Europa está a repetir os mesmos erros que na Segunda Guerra Mundial. Se abrirmos um livro e lermos a história, conseguimos reconhecer a mesma hesitação. Passo a passo, estamos a caminhar para um cenário catastrófico outra vez, tal como um espelho do que já aconteceu no passado.

O cenário catastrófico já começou porque se o mundo não consegue proteger a Ucrânia, ou ajudarem-nos a protegê-la por nós próprios, então é uma tragédia. Todos os países poderosos do mundo estão a olhar para este conflito. Por exemplo, a China está atenta e pode querer fazer o mesmo, caso isto resulte na Ucrânia. Também a Coreia do Norte pode querer replicar os avanços, já que esta situação na Europa está a passar em claro.

© Direitos Reservados

Se não fizermos algo realmente preponderante agora e se não encontrarmos nenhuma solução para o sistema para a lei internacional, é muito perigoso e inseguro para o mundo. As Nações Unidas e a União Europeia não funcionaram aqui. Eu percebo a posição da NATO, porque é uma organização que não vai proteger todos os países e todos os direitos humanos, mas apenas dos seus países aliados. Acho que eles deviam fazer mais pela Ucrânia, como, por exemplo, fechar o espaço aéreo. É importante que todas as pessoas percebam o que se está a passar na Ucrânia agora e que há pessoas a morrer com os bombardeamentos russos. Apesar de achar que não estão a fazer o suficiente, tenho todo o respeito pela ajuda, que está a ser extremamente importante.

Mas também é essencial que a ajuda continue…

O apoio deve continuar e precisámos de mais ainda. Fazem falta armas para proteger o nosso céu, por causa dos rockets russos. A Europa também devia tomar responsabilidade por esta situação. A Ucrânia entregou as suas armas nucleares à Rússia como uma garantia de segurança e não funcionou. Se a Ucrânia cair agora, o conflito vai estender-se para a Europa.

Crê mesmo que o conflito poderá transpor as fronteiras da Ucrânia?

Absolutamente. Se a Ucrânia não resistir ao conflito, ele continuará. Tenho 100% de certeza. Está na nossa história desde sempre. As pessoas não mudam. Consigo ver agora que as pessoas não mudam mesmo. Eles vão querer sempre mais.

Neste momento, não está só a proteger a Ucrânia, mas sim todo o mundo?

Sim, sem dúvida. A única razão porque a Rússia atacou agora a Ucrânia é porque temos democracia e direitos humanos. A Rússia não concorda com isso. Eles não invadiram pelo território ou por nenhum outro motivo senão para nos retirar esses direitos. Nós estamos a lutar pelos nossos direitos, pela liberdade de expressão, pela democracia, os direitos LGBTQI+, entre muitos outros. Acho que esta guerra é diferente das que acontecem na Síria ou noutras regiões.

Quantas pessoas estão consigo agora?

Não sei, mas talvez centenas. Neste momento, nós esquecemos o covid, mas ele não se esqueceu de nós. Já não pensamos nisso, de todo, até porque temos um problema maior entre mãos. Temos aqui disponíveis os testes covid-19, mas já nem testamos com regularidade.

Muitos de nós dormem no chão porque não temos lugar para toda a gente. Ontem destruíram uma parte do nosso edifício com um rocket, ou seja, agora somos ainda mais pessoas em cada espaço.

A propaganda russa é pior do que a propaganda da Alemanha nazi”

Borys Hmelevskiy

Tem conseguido contactar a família e amigos?

Sim, não temos nenhum problema com a internet. Ligo à minha mãe todos os dias, mas a minha avó não sabia onde é que eu estava. Entretanto, já contei que estou em Kiev, mas não contei muitos pormenores porque estando no exército ela sabe que é perigoso. Amanhã podemos não acordar.

Onde está a sua família, neste momento?

Parte da minha família está numa cidade no centro da Ucrânia que, do ponto de vista militar, é mais segura. Espero que eles saiam da Ucrânia.

Porque sente que é tão importante partilhar o seu testemunho?

Acho que é importante não olharmos para este conflito como se fosse só entre a Rússia e a Ucrânia ou como qualquer conflito no leste da Europa. O futuro do mundo depende do que se está a passar cá. Devíamos rever tudo, incluindo a lei internacional. Depois desta guerra na Ucrânia, devia ser assegurada uma melhor segurança a qualquer país do mundo. As pessoas podem pensar que por ser connosco é diferente, mas acreditem que não é. Bem pouco tempo antes desta guerra eu tinha o meu emprego, o meu salário, viajava por país e tudo isso acaba de um momento para o outro. Não pensem que estão seguros.

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