BRT “Não é alternativa real ao automóvel”, defende André Fontes, da UMinho

André Fontes alerta para sistema “abandonado” e pede debate público sobre soluções ferroviárias.

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O Teatro Jordão, em Guimarães, recebeu na quinta-feira, 18 de setembro, um debate intitulado “A ferrovia do Minho, articular linhas, construir rede, servir o território”, organizado pela Universidade do Minho através da Escola de Arquitetura, Arte e Design (EAAD) e do Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT).

A sessão contou com intervenções do engenheiro Frederico Francisco, do arquiteto Paulo Silvestre e do professor André Fontes, da (EAAD). A moderação coube a Diogo Ferreira Nunes, jornalista e autor do podcast “Sobre Carris”.

Académicos, urbanistas e responsáveis políticos juntaram-se para refletir sobre o futuro ferroviário da região, num encontro marcado por críticas ao estado atual da rede e pelo apelo à participação pública antes da concretização de decisões irreversíveis.

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O Mais Guimarães esteve à conversa com André Fontes, professor da EAAD, que não poupa nas palavras, nas críticas ao atual estado da Ferrovia no Minho: “Temos um sistema abandonado e desligado. O acesso à rede principal funciona sempre em direção ao Porto e Lisboa; dentro da região, as interações são muito difíceis”. Para o docente, a ferrovia no Minho falha em dois pontos essenciais: não serve de forma eficaz as deslocações internas entre concelhos e não corresponde ao peso populacional e económico da região.

Uma região com escala, mas sem resposta

Fontes recorda que Braga e Guimarães, juntamente com os concelhos vizinhos, concentram a cada uma das cidades mais de 800 mil habitantes, além de se destacarem pela forte capacidade exportadora. “Somos muitos e bons, exportamos mais do que consumimos. Porque é que não conseguimos reivindicar uma ferrovia à altura da nossa importância para o país?”, questiona.

Para o académico, a resposta não pode ser parcial nem assentar em soluções fragmentadas. “Não podemos aceitar linhas desarticuladas ou estações de alta velocidade em zonas de baixa densidade. A ferrovia tem de ligar os centros urbanos, as universidades e os hospitais, oferecendo alternativas competitivas ao automóvel”, afirma.

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A crítica estende-se ao processo de planeamento. Segundo André Fontes, as decisões que têm vindo a público “carecem de transparência” e deixam a região numa posição subalterna. “O que a região devia reivindicar, antes de mais, era que toda esta discussão fosse mais pública e participada. Que os critérios e as razões das decisões fossem claros, e que não nos fossem apenas apresentadas soluções feitas, sem sabermos os fundamentos que as justificam.”

Entre o BRT e a alta velocidade

Um dos pontos mais debatidos na sessão foi a proposta de implementar um BRT (Bus Rapid Transit) entre Braga e Guimarães. Fontes não esconde o seu ceticismo. “O BRT pode ser mais eficiente do que o autocarro tradicional, mas não é uma alternativa real ao automóvel”, diz.

Recorda que a viagem neste sistema demora cerca de 45 minutos, contra os 30 minutos de um serviço expresso e os 15 minutos que podem ser garantidos por uma ligação ferroviária. “O carro demora 22 ou 25 minutos. O BRT não vai atrair quem hoje usa transporte individual. É uma solução pensada à pressa, para resolver no imediato, mas que não responde às necessidades estruturais da região.”

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Na mesma linha, defende que a discussão sobre a mobilidade intermunicipal deve ter em conta critérios rigorosos. “A região é populosa, mas dispersa. Não basta dizer que não temos densidade suficiente. Temos corredores de alta densidade e zonas de forte concentração de atividades, como hospitais, universidades ou polos industriais, que justificam claramente um sistema ferroviário robusto. A questão é saber escolher o traçado certo.”

Sobre a alta velocidade, o professor mostra abertura, mas sublinha que a prioridade deve ser integrar Guimarães na rede nacional. Recorda que Frederico Francisco, deputado e antigo secretário de Estado dos Transportes, apresentou no debate a possibilidade de estender a linha de alta velocidade até Guimarães. “Isso faria toda a diferença. Uma ligação direta a Braga, em cinco a sete minutos, e depois ao Porto, com recurso à alta velocidade, transformaria por completo a mobilidade regional. Seria uma forma de colocar Guimarães no mapa e de garantir competitividade face ao automóvel.”

Uma oportunidade histórica

Para André Fontes, o momento atual é decisivo: “Estamos perante uma oportunidade histórica. A ferrovia em Portugal está a ser redesenhada, com a implementação da alta velocidade, e é agora que Guimarães tem de reivindicar o seu lugar. Se deixarmos passar esta fase, ficaremos mais uma vez na periferia do sistema.”

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O professor não esquece a dimensão histórica da questão. “O norte-sul da ferrovia passa à margem de Braga e Guimarães. Ficámos sempre com ramais, enquanto o eixo principal se fazia noutro lado. Guimarães tem hoje um ramal desqualificado, com muitas curvas, via única e velocidades muito baixas. Não podemos aceitar que se continue a adiar uma solução estruturada.”

A alternativa, alerta, é clara: “Ou apostamos numa ferrovia moderna e competitiva, que ofereça verdadeira alternativa ao automóvel, ou resignamo-nos a uma região dependente do transporte individual. Isso tem custos ambientais, económicos e sociais que não podemos ignorar.”

Uma voz única para o Minho

André Fontes lança um apelo à unidade regional. “Se cada município olhar apenas para o seu umbigo, o poder central não terá incentivos para investir. Precisamos de uma voz única, que envolva Braga, Guimarães, Barcelos e os concelhos vizinhos, mostrando o peso económico e demográfico do Minho.”

Segundo o docente, novos encontros vão realizar-se após as eleições autárquicas, com a participação dos presidentes de câmara que, entretanto, forem eleitos. “O objetivo é claro: que a discussão sobre a ferrovia seja feita de forma pública, participada e transparente, antes que as decisões fiquem fechadas.”

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Para André Fontes a região tem de conseguir conseguir quebrar o ciclo de promessas adiadas: “Guimarães e Braga não podem continuar a viver de ramais obsoletos. Temos de exigir uma ferrovia moderna, integrada e pensada para o futuro. O momento é agora.”

A organização do debate sobre o Futuro da ferrovia no Minho, que decorreu no Teatro Jordão, esteve a cargo dos professores André Fontes, Ivo Oliveira e Maria Manuel Oliveira, da EAAD e do Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT), a par do advogado Luís Tarroso Gomes.

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