Café Oriental: Gerir o património e a identidade nacional a pensar no orçamento
Por Francisco Teixeira.

Por Francisco TeixeiraA política de restruturação do Ministério da Cultura, reorganizando a Direção Geral do Património Cultural introduzindo-lhe duas novas estruturas, a “Museus e Monumentos de Portugal, EP” e o “Património Cultural, IP”, uma com “um perfil de gestão empresarial para gerar mais valor” e outra de “salvaguarda do património” constituiu um erro a vários títulos. Em primeiro lugar porque é uma falácia a ideia de que a geração de valor é independente da salvaguarda do património. Pelo contrário, “a geração de mais valor” ameaça, cada dia que passa, o património. A questão é simples: os Jerónimos ou o Paço dos Duques de Bragança, por exemplo, estão cada dia mais ameaçados com a geração de valor, transformados em máquinas de fazer dinheiro, incluído a promoção de casamentos, batizados e festas noturnas de revistas do lúmpen televisivo. Depois, porque o que assim se opera é uma autêntica recentralização da gestão e manutenção do património cultural, completamente ao contrário do discurso e da normatividade do próprio Governo, apostada, parecia, na descentralização da gestão do património para as autarquias como um mecanismos de melhor gestão, melhor salvaguarda patrimonial e melhor democracia.
O caso de Guimarães é flagrante. A Câmara de Guimarães de há muito que se ofereceu, em consonância com a teoria política do Governo, para passar a gerir o Museu Alberto Sampaio, o Paço dos Duques de Bragança e o Castelo de Guimarães. Não há nenhuma razão para que assim não seja. A CMG tem íntimas relações com a gestão corrente destes monumentos, conhece-os particularmente bem, tem protocolos de apoio e relação de intimidade programática e promocional com eles. Mas a CMG tem ainda experiência de gestão, cultura de cuidado e visão estratégica, que lhe permitiu alcandorar o seu centro histórico a Património Cultural da Humanidade. E mais, muito mais do que isso, estes monumentos constituem o “coração e a alma de Guimarães”, o núcleo da sua identidade quase milenar, que é também, bem entendido, o núcleo da identidade de Portugal.
Não se entende, pois, esta pulsão centralista que, de algum modo, diminui Guimarães e, mais importante, tutela de modo gratuito a própria identidade local.
Sempre houve, na política como noutros assuntos da vida comum, coisas misteriosas. Mas aqui não aparece ser o caso. Do que se tratou, do que se trata, particularmente, em Guimarães, é de aproveitar a “mais-valia” dos monumentos em causa, subordinando a política, o património, a gestão e os princípios políticos ao que é suscetível de melhorar o orçamento do Estado. É pena, muita pena que assim seja.
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