Coração Nicolino bateu mais forte

O destaque da edição 270 do jornal Mais Guimarães.

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O ano é atípico e o corte do Pinheiro também o foi. O Pinheiro, que habitualmente, na noite maior de Guimarães, é carregado por bois das imediações do castelo da nacionalidade até junto do monumento Nicolino, situado no Campo da Feira, foi cortado na manhã de sábado, 28 de novembro, e não no habitual dia 29. O Pinheiro era, como sempre, o que se destacava, se erguia mais alto na quinta da família Martins, em Aldão.

© João Bastos/Mais Guimarães

Ao que o Mais Guimarães apurou na altura, o Pinheiro seria erguido em hora não divulgada, de forma a evitar ajuntamentos. Entretanto, ficaria guardado em cima do camião, onde está ainda, em Azurém. Essa hora seria pelas 05h00 do dia 29, em jogada de antecipação, numa finta aos milhares de Nicolinos que, ano após ano, percorrem as ruas da cidade com as suas caixas e bombos e que, neste ano incomum, não poderiam fazê-lo.




A 10 de novembro, os Nicolinos sabiam já que neste ano as festas seriam muito diferentes, que “Um cortejo mobilizador como o do Pinheiro era impensável”, dizia na altura André Alves, presidente da Comissão Nicolina, alertando, no entanto, para “O perigo inerente a uma tradição, que diz-nos que um corte pode ser fatal. Não se passa um testemunho sem um estafeta. Sem a realização das Festas Nicolinas 2020, estão em perigo as Festas Nicolinas 2021 e sucessivas”, explicou o presidente. A forma como os números das festas seriam adaptados estava, segundo a Comissão, a ser discutida “ao sabor das mudanças que os dias nos vão trazendo.”




Num vídeo dirigido aos “Nicolinos de todas as idades, Estudantes… Novos, Velhos…”, a Associação dos Antigos Estudantes do Liceu de Guimarães (AAELG), a Comissão das Festas Nicolinas 2020 e a Associação de Comissões de Festas Nicolinas (ACFN) lembravam, a 17 de novembro, “a essência das Nicolinas: o convívio, a confraternização, a celebração”, pedindo também que se mantivesse o distanciamento social e até o recolher obrigatório. “Este ano a festa Nicolina será simbólica, mas cabe-nos manter o espírito”. Nessa mensagem, deixavam ainda o convite para que no dia 29 de novembro os Nicolinos se chegassem: “às varandas e janelas e pelas onze da noite, munidos de caixas e bombos, evoquemos a nossa festa sem igual.”

29 de novembro – 05h00

A Comissão junta-se ao monumento Nicolino, na ânsia de cumprir o plano combinado. “Alguém”, segundo um dos membros da Comissão, terá “proibido a saída do pinheiro” naquele amanhecer, e impossibilitado o seu levantamento. Era “notória a frustração da Comissão” confidenciava-nos João Bastos, fotógrafo do Mais Guimarães que acompanhava aquele momento.




Pouco depois das 08h00, cerca de uma dúzia de Nicolinos lançaram o toque no Largo da Oliveira, de máscaras colocadas e distanciamentos devidamente definidos, como demonstram os vídeos publicados na altura. Paulatinamente foram-se juntado outros, cedendo ao apelo sonoro.

Pelas 10h00, o Largo contava já com algumas dezenas de Nicolinos. Entretanto, tinham chegado elementos da PSP que ali permaneceram até à hora do recolher, às 13h00, alertando alguns dos presentes para a necessidade de utilização das máscaras. Pouco depois surge também Comissão das Festas Nicolinas. Cerca de três centenas de pessoas, de todas as idades, terão estado, com as suas caixas e bombos, no período de maior “aglomeração” no Largo da Oliveira.

Os que chegavam e percebiam que a Oliveira estaria com “gente a mais” refugiavam-se na Praça de Santiago, ali ao lado, onde vários grupos, podiam tocar mais tranquilamente. Do centro histórico, os Nicolinos seguiram em cortejo até ao Monumento Nicolino, onde acabaram por desmobilizar, a tempo do “recolher obrigatório”.

Pelas redes sociais multiplicavam-se as críticas ao “ajuntamento”. A grande maioria dizia “não se rever nestas atitudes”, mostrando-se “triste” perante esta “irresponsabilidade total”. “Estamos a nível nacional nos piores concelhos, onde risco de contágio é elevado” e ”aceito a vossa paixão, mas este não é o ano para celebrar seja o que for”, podia ler-se em comentários. “Entendo a tradição, sou de Guimarães, mas deviam respeitar a situação em que estamos, pela saúde de todos.”

Mas há quem não tenha percebido a “revolta”, afirmando que a “tradição tem de ser cumprida”. “Estão ao ar livre, com máscaras, distanciados, durante um período em que pessoas podem circular”, podia ler-se.

Surgem também críticas à atuação das forças policiais, “a PSP deve estar a dormir” ou “e a PSP estava a assistir ao panorama”. Muitos criticam a não atuação da polícia, afirmando ser “uma vergonha”. “A polícia só aparece se forem os adeptos do Vitória?”, pergunta uma vimaranense.

Durante a tarde de domingo, a PSP referia, em comunicado, “não ter sido possível dispersar os cidadãos, evitando-se uma intervenção pela força, com resultados sempre imprevisíveis.” Reforçando que “adotará as medidas preventivas necessárias para que não se verifiquem ajuntamentos de dimensão e natureza similar ao verificado em Guimarães” e apelando ainda a todos os cidadãos para que “adotem um comportamento cívico e responsável”, e celebrem as festas Nicolinas em casa.

“O que aconteceu na Oliveira e no Monumento não foi promovido por nós. Foi algo voluntário e espontâneo”

André Alves, presidente da Comissão das festas Nicolinas

Esta versão dos acontecimentos foi reforçada por José Ribeiro, presidente da Associação dos Antigos Estudantes do Liceu de Guimarães: “Se a praça esteve cheia, foi com certeza algo espontâneo. Este ano é atípico e isto é muito difícil para os Nicolinos, para todos os vimaranenses, que vivem a tradição. Mas contornar as normas ou ignorar o que se passa não faz parte do nosso espírito”.

© João Bastos/Mais Guimarães

29 de novembro – 23h00

Muitos foram os que, respondendo ao desafio e aos apelos da organização, pegaram nas suas caixas e bombos e saíram às suas varandas, impossibilitados de pisarem as ruas devido ao recolher obrigatório imposto pela pandemia da Covid-19.

Contudo, ao que o Mais Guimarães conseguiu apurar, várias foram as pessoas identificadas por se encontrarem na rua sem motivo para tal. Cerca de dez carrinhas com elementos da PSP estavam no Campo da Feira e outras circulavam pela cidade, pedindo às pessoas que não permanecessem na rua.

30 de novembro – 05h00

“O Pinheiro virá nem que o seja preciso roubar”

Na noite “mais longa do ano”, os membros da Comissão de Festas Nicolinas 2020 acabaram por ser identificados pela PSP de Guimarães, após terem promovido uma concentração de jovens a tocar às cinco da manhã junto ao Monumento Nicolino. Na página de Facebook da Comissão de Festas Nicolinas podia ler-se que “a proteção civil decidiu cancelar o erguer do pinheiro, sem consultar a Comissão de Festas eleita. Em atitude de rebelião, e sem atentar contra a saúde pública, a Comissão está neste momento a tocar ao lado do buraco destinado ao seu pinheiro”.

Várias foram os cartazes colocados junto ao monumento, nos quais se lia que “o Pinheiro virá nem que o seja preciso roubar”, e “que o Pregão sai nem que chovam canivetes”.

Na Assembleia Municipal desta segunda-feira, que decorreu por videoconferência, Domingos Bragança afirmou que os acontecimentos da manhã de domingo não contribuíram para a “boa imagem de Guimarães. Foi fruto de fortes emoções mas não devia ter acontecido”. Acrescentando que “O que está acordado com os Nicolinos é que o Pinheiro seja erguido nos próximos dias. O Pinheiro não vai contagiar ninguém”, acrescentou.

Dia 01 de dezembro

Na terça-feira, dia 01, uma tarja foi colocada junto ao monumento Nicolino, com a seguinte inscrição “Para S. Nicolau honrar queremos o pinheiro no ar”. Durante a tarde, atuais e antigos estudantes de Guimarães pousaram sob a tampa onde é erguido o Pinheiro, pertences alusivos às festas: baquetas, lenços e mitras.




Entre as muitas manifestações de desalento pelo pinheiro não estar no seu lugar, Franscisco Guise escrevia nesta segunda, dia 30, na sua rede social “Não quero culpados. Não quero saber quem provocou o que se passou ontem. Não quero saber de nada. Só quero uma coisa. Uma só. Só quero o Pinheiro no sítio dele. Enterrado. Quero olhar para ele e dizer, apesar de tudo, tu estás aí.”

As festas Nicolinas, as festas dos estudantes de Guimarães, não autorizadas este ano devido à pandemia da Covid-19, decorreriam até 06 de dezembro.

Atualização: No dia 02 de dezembro foi erguido o mastro anunciador das Festas Nicolinas.

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