Por Carlos Guimarães.
Não sei se a chuva que nos visita é coisa boa ou coisa má. O bicho mau gosta de tempo frio e seco (a chuva é molhada!) mas os dias cinzentos e chuvosos entristecem, deprimem quem está meio aprisionado e com a moral em baixo. Não podemos desmoralizar já no primeiro degrau, a subida é íngreme, temos de nos poupar sob pena de nos faltar o ar a meio da subida.
Vou contar-vos duas histórias reais, atuais, uma caricata e outra triste.
Comecemos pela caricata. Se bem se lembram, os donos disto tudo diziam recentemente: Estamos preparados, temos um SNS e uma sociedade robustecida. Nunca acreditei e a cada dia que passa as certezas acentuam-se. Tentei fazer compras online, sobretudo alimentos. Acedi a duas plataformas e fiquei em lista de espera. Numa, pude fazer a encomenda ao fim de uma hora, mas para meu espanto a entrega só iria ocorrer no dia 23 de abril! Se não morro devido ao bicho mau morro de fome. Na outra plataforma esperei na lista 24 horas para fazer a encomenda, presumo que a entrega seja para o Natal e deve incluir o bolo rei de oferta. Estamos preparadissimos…
Ao fim da manha a chuva caía copiosamente, ao entrar no carro depois do pequeno período de trabalho, reparei que o “arrumador ” lá do sítio se abrigava debaixo de um guarda-chuva desengonçado. Uma pequena trégua no aguaceiro permitiu que ao longe iniciasse uma pequena conversa. O vai e vem dos veículos é muito menor e as pessoas afastam-no e escorraçam-no com medo de contágio. A pastelaria lá do sítio que lhe oferece o pequeno almoço e onde mata a fome está encerrada. Estupidamente aconselhei-o a ficar em casa, ao que ele me respondeu que a casa dele é a rua e acrescentou:
– Não preciso de me isolar porque em isolamento já estou há muitos anos.
Calei-me. Tirei as moedas do bolso, despejei-as na sua mão, despedi-me com um aceno e bazei.
O homem tem um passado conhecido, como nós, um presente conhecido como nós, e um futuro incerto como nós. A diferença é que a ele a chuva molha mesmo.