Direção do Xico pondera não se reacandidatar: “Abrimos a porta a quem quiser assumir este compromisso”
Mauro Fernandes, presidente do Xico Andebol, confirmou que não tem intenção de se recandidatar nas eleições do próximo mês de julho, encerrando oito anos de liderança. “O mais fácil era esta Direção continuar, mas, ao sairmos de cena, abrimos a possibilidade a quem quiser assumir este compromisso com os sócios”, afirmou.

© Eliseu Sampaio / Mais Guimarães
Apesar da descida de divisão da equipa sénior masculina, o dirigente refere que sai com sentimento de missão cumprida, destacando o trabalho realizado na estabilização do clube e apelando a um maior envolvimento da comunidade no futuro da instituição.
O Xico Andebol desceu de divisão. Consegue encontrar explicações para este marco negativo do clube esta temporada?
Sem querer desvalorizar os adversários, muito pelo contrário, nesta divisão, não ficar, numa primeira fase, no grupo dos seis primeiros que garantem a manutenção, é um risco iminente para qualquer um dos clubes, tal é a igualdade entre eles e as suas capacidades. São muito próximos uns dos outros em termos competitivos. Logo à partida, o primeiro problema foi não termos ficado nesse grupo, o que terá originado a descida. Em segundo lugar, esta Direção assumiu internamente que o clube, infelizmente, ainda não tem condições para investir em todos os eixos e áreas.
Havia reformas a implementar ao nível do financiamento da formação, da estabilidade, das infraestruturas, e da valorização dos nossos atletas, através de um conjunto de serviços que acrescentámos, servindo também os seniores. Falo da medicina desportiva, do acompanhamento médico, fisioterapeutas, psicólogos.
Na nossa perspetiva, para termos uma aposta séria na competição, é necessário realizar este trabalho de base e assumir alguns riscos. O reconhecimento nacional, ou mesmo internacional, faz parte de uma estratégia de sustentabilidade financeira. Mas, em termos competitivos, é necessário investir em recursos humanos e instalações, para que, num futuro próximo, possamos competir com objetivos mais realistas e, sobretudo, atrair parceiros privados, apoiando-nos na credibilidade e estabilidade que temos vindo a construir. Esse é o caminho.
Não abdicamos da componente competitiva, mas não conseguimos investir em tudo em simultâneo. Procuramos garantir competição e formação com qualidade, mas não temos como prioridade vencer a qualquer custo. Primeiro, estabilidade.
“Há poucos clubes a formarem atletas com qualidade e somos facilmente atacáveis”
Não contrataram jogadores externos para aumentar a competitividade…
Em primeiro lugar, porque está na nossa génese a formação de atletas. Sabemos que há um processo, e este ano não conseguimos formar em quantidade suficiente ao mais alto nível, e isso notou-se. Ainda assim, demonstra a seriedade do trabalho realizado, pois continuámos a apostar na formação mesmo em contextos mais exigentes.
Não podemos ignorar o que se passa à nossa volta. O investimento nos clubes da Divisão de Honra é crescente, e os nossos talentos são frequentemente aliciados muito cedo, antes de estarem preparados. Na nossa perspetiva, esta falta de jogadores, aliada à escassa capacidade financeira dos clubes, tem levado à procura de atletas mais novos, por serem mais baratos e acessíveis, independentemente da sua maturação desportiva.
É uma modalidade com pouca visibilidade e há poucos clubes a formarem atletas com qualidade. Somos facilmente alvo de “recrutamento”, muitas vezes sem qualquer regra. Acresce que, mesmo sendo um clube certificado, não existem mecanismos de proteção como no futebol. Não há compensações financeiras que justifiquem a perda de atletas cuja formação leva 10, 12, 15 ou mais anos. No último jogo, por exemplo, saíram três atletas de referência: um com 15 anos no clube, outro com 23 e outro com 25 anos de ligação ao Xico.
Como é que o Xico pode contornar essas situações?
Iniciámos uma fase de preparação e estabilidade, definindo objetivos que, embora pouco visíveis externamente, são essenciais. Contratámos funcionários com vínculos formais, legalizámos e modernizámos o pavilhão. Estes passos não têm impacto imediato na competição, mas criam uma base sólida para atrair investimento e construir um projeto ambicioso, sempre com base na formação.
Hoje, somos muito mais atrativos. A obtenção do Estatuto de Utilidade Pública permite benefícios fiscais a quem investe no Xico, e abre portas a financiamentos externos. Com treinadores experientes e quadros qualificados, podemos agora formar com mais qualidade e ambição. Estamos preparados para começar a olhar para a vertente competitiva com outros olhos. Temos mais capacidade para captar financiamento, o que nos permitirá desenvolver um projeto sólido, com ambição de subir de divisão, mas com uma base sustentada e realista.
Nada será imediato ou fácil. Teremos de reunir, progressivamente, condições financeiras e logísticas para, um dia, podermos sonhar com a primeira divisão. Não há atalhos.
“Existe a possibilidade de o Xico não descer, há clubes que podem desistir”
Há ainda possibilidade de o Xico não descer?
Sim, essa possibilidade é real. Há clubes que poderão desistir por não terem condições para competir neste nível. Isso revela, por um lado, racionalidade na gestão desses clubes, mas, por outro, evidencia que a Federação está a implementar um modelo para o qual muitos não estão preparados. É tempo de refletir: ou esta divisão recebe financiamento federativo, ou não será viável. Está à vista de todos.
É comparável à primeira divisão em custos, mas com menor capacidade de gerar receitas?
Praticamente nula. Esta divisão não tem valor comercial nem representa ganhos significativos para os clubes. Não existem prémios para quem vence. A primeira divisão oferece visibilidade, receitas televisivas, algum retorno. Já a Divisão de Honra implica custos elevados — arbitragem, deslocações pelo país e ilhas — sem retorno proporcional. Este ano, por exemplo, tivemos de viajar quatro vezes aos Açores e Madeira. É uma divisão financeiramente insustentável, embora competitivamente interessante.
A Direção está a terminar o mandato. O que se segue?
É importante salientar que a decisão de não recandidatura foi tomada antes da descida de divisão. Este é o meu terceiro mandato: um como vice-presidente e dois como presidente. Existe desgaste natural e necessidade de renovação de ideias. Nunca estivemos agarrados ao lugar, nem queremos impedir alternativas. Saindo de cena, damos espaço a outros sócios para assumirem o projeto. O Xico é um clube com reconhecimento público, intervenção social e ambiental relevante, mas a responsabilidade tem recaído quase exclusivamente sobre esta Direção. Está na hora de uma maior mobilização dos sócios e da comunidade. As bases estão lançadas para um projeto com dimensão, respeitado, que possa agora também colher mais resultados desportivos.
Quando serão realizadas as eleições? Está previsto que ocorram no final de julho. Contudo, consideramos que essa data deve ser repensada pela Assembleia. Não é o momento ideal, uma vez que coincide com o fecho de época e a preparação da seguinte.
Houve recuperação significativa das instalações. Prevê-se novo piso e reformulação do pavilhão?
Sim. Esta Direção já submeteu candidaturas e poderá haver novidades em breve. Muitas obras foram feitas, mas nem tudo foi possível concluir de imediato. A substituição do piso é uma urgência. A época está prestes a começar e o atual piso não garante segurança, sendo este um alerta recorrente nos relatórios dos agentes desportivos. Temos outras infraestruturas que precisam de intervenção — como portas e exigências legais de segurança — que não podem continuar a ser adiadas.
“Devia haver um objetivo municipal de apoiar este projeto, porque é a única equipa de andebol sénior feminino do concelho”
O andebol feminino foi uma aposta da Direção, mas vai sofrer alterações…
Sim, por questões financeiras. O Xico tem levado este projeto sozinho, sem apoios concretos. A Direção apostou no feminino por convicção, mas os custos são elevados. Já perdemos atletas para clubes da primeira divisão. A formação no feminino não tem a mesma tradição nem volume, o que dificulta a reposição. Falta cultura desportiva, inclusive entre treinadores.
A certificação obriga a investimento em condições para estas atletas. Apesar do reconhecimento, o apoio recebido é igual ou inferior ao de outras equipas. Somos a única equipa sénior feminina do concelho e isso não foi valorizado. A Direção atual e a próxima terão de repensar o futuro deste setor.
O que representa para o Xico o Estatuto de Utilidade Pública?
Foi um processo de quatro anos, que obrigou a uma reforma profunda: legalidade laboral, transparência, boa governança. Assinámos a escritura do licenciamento do pavilhão — problema com décadas — que agora estará em nome do clube durante 50 anos. Este reconhecimento, atribuído pela Presidência do Conselho de Ministros, valoriza o trabalho social do clube com instituições locais, como a CPCJ, Fraterna, Universidade do Minho, ASPE, IPDJ, entre outros.
Estamos integrados em redes de inclusão europeias, como o programa Erasmus, e até formamos outros clubes, como no caso recente com o Laboratório da Paisagem. O financiamento que recebemos beneficia outros clubes do concelho — não apenas o Xico.
“A verdade é que não ficou nada por fazer neste caminho, o trabalho aqui não é impossível, é infinito”
Está satisfeito com o trabalho realizado?
Recentemente, dizia que não me sentia totalmente satisfeito, pois faltava-nos o Estatuto de Utilidade Pública. Agora que o conquistámos, posso afirmar que atingimos todos os objetivos definidos desde o primeiro dia, mesmo sem garantias de sucesso à partida. Nada ficou por fazer. O trabalho não termina — é contínuo — mas saio de consciência tranquila. Esta Direção, equipa técnica e funcionários tiveram um desempenho excecional. Há um mérito coletivo que deve ser valorizado e que, certamente, continuará a dar frutos no futuro.