DO ENTRUDO À PÁSCOA, COM A QUARESMA PELO MEIO

ANTÓNIO ROCHA E COSTA Analista clínico

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por ANTÓNIO ROCHA E COSTA
Analista clínico

Consumado o enterro do Entrudo, entramos no período Quaresmal, que na tradição cristã é reservado à reflexão e à penitência, onde os crentes são convidados a assumir uma vivência austera, livre de excessos e de tentações carnais.

É também o início da Primavera, com todo o colorido que a natureza nos proporciona, cobrindo as arribadas dos campos com flores silvestres, das quais destacamos as violetas, as pascoinhas de cor amarela e as abrótegas, que são utilizadas, nas aldeias, para atapetar as entradas das casas em dia de visita Pascal.

Falar da Quaresma faz-me revisitar os tempos de infância, vividos em Guimarães, cidade onde as tradições religiosas tinham um peso significativo nesses tempos idos da década de sessenta do século passado.

Nessa época, tal como hoje, as festividades da Quaresma, que tinham o seu ponto mais alto na Semana Santa, tinham por epicentro a Igreja de S. Gualter, também conhecida por Igreja dos Santos Passos. Lembro-me dos membros da Irmandade que nos recebiam à entrada do templo, segurando a taça das esmolas, enquanto apregoavam até à exaustão: “É para os Santos Passos! É para a cera do Senhor!…” Cá fora esperavam-nos as mulheres, geralmente bem anafadas, que vendiam caramelos e pirolitos (uma espécie de chupa-chupa em forma de cone).

Chegada a Semana Santa, o programa litúrgico adensava-se, com eventos para todos os gostos, desde as procissões até aos sermões, geralmente “encomendados” a um pregador de fora da Terra, que, do alto do púlpito e com gestos teatrais exibia os seus dotes oratórios, para gáudio da pequena multidão que o escutava atentamente, bebendo cada palavra e fixando cada gesto com uma intensidade que tornava quase reais as cenas bíblicas relatadas.

Passaram-se entretanto algumas décadas e a tradição foi perdendo força, coincidindo talvez com alguma perda de influência da Igreja nos tempos modernos.

Contudo, rituais à parte, a essência da Semana Santa, que culmina na Festa Pascal, constitui ainda hoje, como escreveu Marguerite Yourcenar, “uma das mais belas histórias do Mundo”, mantendo-se o seu enredo perfeitamente actual, pese embora a diferença dos protagonistas.

Levado à presença de Pilatos, por uma multidão furibunda, que dias antes o tinha aclamado à chegada a Jerusalém, Cristo proclama: “Eu vim ao mundo para dar testemunho da verdade”, ao que Pilatos, o governador, retorquiu: “Que coisa é a verdade?” Aonde é que eu já ouvi isto? Aonde é que já se ouviu falar no pós-verdade e chamar aos arautos da verdade perigosos agitadores?

Mas as semelhanças com a actualidade não terminam aqui.

Aonde se fala de Judas, que traiu o mestre, entregando-o a troco de 30 dinheiros, podemos falar dos delatores premiados pela Justiça actual; onde se fala do bom e do mau ladrão, podemos falar daqueles que hoje nos “roubam” e não manifestam qualquer arrependimento e dos que nos “roubam” à mesma, mas educadamente pedem desculpa. E poderíamos desfiar aqui mais uma série de comparações. Afinal, passados mais de dois mil anos pouco mudou, a não ser o acessório.

 

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