Docentes da UMinho defendem ser “um direito de Guimarães ter ferrovia de longo curso”
Especialistas da Universidade do Minho alertam para risco de isolamento ferroviário de Guimarães: “É tempo de construir rede, reforçar a acessibilidade e valorizar o espaço público”. A ligação ferroviária entre Guimarães e Braga, um tema com mais de um século de discussão, volta ao centro do debate.

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Num artigo de opinião assinado por André Fontes, Ivo Oliveira, e Maria Manuel Oliveira, da EAAD e do Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT), e pelo advogado Luís Tarroso Gomes, que organizaram a 18 de setembro, em Guimarães, um debate sobre o “Futuro da Ferrovia no Minho: articular linhas, construir rede, servir o território” é defendida a integração plena de Guimarães na rede ferroviária nacional e questionado o investimento no sistema BRT entre Braga e Guimarães.
Recorde-se que, nesta terça-feira, 07 de outubro, a Governo anunciou assumir o financiamento integral do MetroBus para ligar Guimarães a Braga e à futura Estação Ferroviária da Alta Velocidade. A decisão foi anunciada durante uma reunião em Lisboa entre o Presidente da Câmara Municipal de Guimarães, Domingos Bragança, e o Ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz.
Segundo o comunicado da autarquia, o Ministro das Infraestruturas confirmou que o Estado financiará todos os custos do projeto, desde estudos de execução e aquisição de terrenos até à obra e ao material circulante, num investimento estimado em 200 milhões de euros.

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No artigo, publicado esta quarta-feira no Jornal de Notícias, os professores da UMinho sublinham que a melhoria dos padrões de mobilidade e a resposta às exigências climáticas só serão possíveis com uma “rede ferroviária robusta, capaz de assegurar tempos de percurso e frequências competitivas”, uma rede que una serviços de longo curso, regionais e urbanos, abrangendo o chamado “Pentágono minhoto”, uma área com cerca de 600 mil habitantes, número que ascende a um milhão quando incluídos os municípios adjacentes.
Recordam que a criação de uma continuidade ferroviária entre a linha de Braga e a linha de Guimarães ganhou renovada pertinência com as recentes declarações de Frederico Francisco, antigo Secretário de Estado das Infraestruturas e coordenador do Plano Ferroviário Nacional (PFN), apresentado em 2022 e aprovado, com poucas alterações, pelo atual executivo em 16 de abril de 2025. Em entrevista publicada no jornal Público a 4 de outubro último, recordam, Frederico Francisco atualiza o PFN, atribuindo “extrema importância a uma ligação Braga–Guimarães, e defendendo a chegada de comboios de longo curso a Guimarães (via Braga), apresentando-a como um direito para um território com forte dinâmica populacional e económica”.
Braga e Guimarães possuem atualmente meras estações terminais. Guimarães é servida por uma linha que, apontam “embora renovada, apresenta grandes limitações”, e que em vez de sentirem a sua acessibilidade melhorada, pelo contrário, os vimaranenses têm vindo a perder, sucessivamente, serviço de longo curso e estão cada vez mais afastados das ligações à Galiza.
Como solução defendem o fecho da rede ferroviária, ligando os terminais de Guimarães e Braga, bem como uma correta localização da nova estação de Braga para responder a uma boa articulação quer para o norte, quer para o sul, quer para o litoral, economizando o material circulante necessário e garantindo plena integração de Guimarães no sistema de Alta Velocidade.

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Dizem ainda os docentes que o posicionamento de todos aqueles que têm estudado o tema da ferrovia e elaborado os Planos em vigor, reforça a necessidade de uma “ação concertada” entre as próximas administrações políticas que vão liderar os municípios do Pentágono, especialmente num momento em que ainda decorrem estudos de definição do traçado e da localização da estação de Alta Velocidade (AV) em Braga.
“É fundamental para a região, cujo dinamismo demográfico e capacidade produtiva são amplamente reconhecidos, incrementar uma ação intermunicipal que defenda a plena articulação da nova estação de Alta Velocidade com a cidade de Braga e com a atual Linha do Minho, assegurando ligações a Guimarães, Famalicão, Barcelos e Viana do Castelo, servindo o longo curso e as principais centralidades urbanas, incluindo os vários campi universitários existentes”.
Críticas ao projeto BRT: “uma solução frágil e pouco articulada”
A solução do tipo Bus Rapit Tranport (BRT) entre Braga e Guimarães, para a qual foi, esta terça-feira, disponibilizado financiamento, “não possibilitará tempos de ligação à Alta Velocidade comparáveis com os da ferrovia, nem tão pouco com os dos serviços rodoviários de transporte de passageiros que recorrem à rede de autoestradas”, afirmam.
Pode ler-se também no artigo que a informação disponível sobre o sistema de mobilidade ligeira refere que o BRT será instalado em canal dedicado ao longo da EN101, “desconhecendo-se a possibilidade de evoluir para ferrovia ligeira, como está definido no PFN”. Também os critérios de desenho referentes à sua inserção urbana, “que sabemos de elevada complexidade dadas as características de povoamento deste território e a enorme carga que essa estrada já suporta, se desconhecem. Mas é evidente que se os tempos de deslocação permitidos não forem convidativos, o BRT não substituirá o transporte motorizado”.
Neste contexto, apontam como legítimas as dúvidas sobre esse investimento global. Experiências recentes, como as da Metro Mondego e da Metro do Porto, no centro urbano de Coimbra e na Avenida da Boavista, alertam, “demonstram que o custo por quilómetro de uma solução BRT rapidamente se aproxima do de sistemas Light Rail Transit (LRT). Exemplos europeus de LRT, como Besançon e Angers (França), com realidades urbanas de dimensão semelhante, confirmam essa tendência”.
Embora o Estudo de Apoio à Decisão (2022) tenha estimado o custo da ligação BRT Braga–Guimarães em 65M/€ de euros, face a 256M/€ para o LRT, o Plano Nacional de Investimentos (PNI 2030) prevê 200 M/€ de investimento, confirmando uma aproximação entre as duas soluções, epontam. Mesmo considerando que as diferenças de investimento e operação dos dois sistemas se mantenham significativas, salientam que “estudos que avaliam o impacto do sistema no longo prazo, destacam no LRT maiores ganhos ambientais, sociais e económicos. É crucial que estes fatores sejam considerados nos processos de tomada de decisão”.
Independentemente da solução BRT ou LRT, os autores sugerem uma reflexão sobre o alcance e atratividade do traçado em discussão. “Não se compreende que, em Guimarães, a nova linha termine na Alameda Dr. Alfredo Pimenta: a) abdicando de intermodalidade no Terminal Rodoviário; b) não se articulando com a Estação Ferroviária; c) não servindo o Campus de Azurém ou o de Couros; d) não servindo o Hospital”, criticam.

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Trata-se, por isso, completam, de uma solução “demasiado frágil no serviço que disponibiliza àqueles que quotidianamente o utilizariam, que ficarão desconectados quer de serviços públicos principais, quer das ligações com os outros modos de transporte”.
No artigo de opinião, pode ainda ler-se que são muitas as cidades europeias de média dimensão comprometidas com a adaptação a um novo contexto climático, nas quais a introdução de um sistema de mobilidade ligeira, maioritariamente em LRT, foi “profundamente transformadora do espaço público, incorporando soluções que respondem aos desafios ambientais e de conforto urbano da atualidade: promovendo o conforto pedonal e as interações sociais; reforçando o coberto vegetal, a permeabilidade a qualidade do solo e a biodiversidade”.
Uma boa inserção urbana deve, por isso, “necessariamente incluir um projeto de qualificação do espaço público no qual a arquitetura e a arquitetura paisagista, acompanhadas por outras especialidades, desempenham um papel central e indispensável”. Só assim, a introdução do novo sistema de mobilidade ligeira poderá transformar positivamente os espaços públicos da cidade.
Preocupa muito os docentes que, “os primeiros desenhos relativos à inserção urbana do BRT revelem, na Alameda Dr. Alfredo Pimenta, um grande canal de forte segregação espacial, com várias linhas de estacionamento, duas vias em cada sentido, ciclovias e passeios contidos, altamente condicionador da qualidade urbana daquele lugar”. Ao colocar num corredor central o BRT, replicando soluções “fortemente contestadas em Coimbra e no Porto, impossibilitará uma simples e fluida articulação com o espaço pedonal, que, cada vez mais, deverá ser amplo e de uso amigável”. Esta é uma solução que, dizem, “diverge das tendências europeias e se apresenta em clara contradição com pressupostos do Fundo Ambiental, o programa que enquadra o financiamento do novo sistema de mobilidade”.
O docentes deixam ainda outra preocupação, que a chegada do BRT à cidade “exclua as suas principais polaridades urbanas e que não responda, no desenho do espaço público, a critérios de qualidade que têm vindo a ser desenvolvidos desde os anos 80 e com que Guimarães sempre se tem vinculado, e a compromissos assumidos no âmbito da Capital Verde”.
Neste contexto fica um apelo a “qualquer projeto que venha a ser implementado neste âmbito: articule-se a técnica com um desenho urbano de qualidade, protejam-se princípios fundamentais do sistema de espaços públicos da cidade, porque são eles que garantem a vida em comunidade, asseguram conforto pedonal e articulam espaços verdes. Defendamos a ambiência patrimonial de Guimarães, a qualidade de vida do seu quotidiano”, pode ler-se.
Os autores concluem o artigo com uma reflexão crítica sobre as escolhas de investimento que estão a ser feitas na região: Com esse investimento parece recusar-se o direito de Guimarães possuir um serviço ferroviário de passageiros de longo curso que garanta acessibilidade aos mais diversos pontos do país. É desse direito que estamos dispostos a abdicar?”, questionam.