Estado de Ambiguidade

Por Vânia Dias da Silva.

vania dias da silva

por Vânia Dias da Silva

Jurista e Professora convidada no IPMAIA

É inevitável falar (outra vez) da COVID-19. Há meses que vivemos presos por ela e, até mais ver, mais meses virão, sem data anunciada de soltura. É precisamente sobre isso que hoje escrevo. Sobre liberdade, ou melhor, sobre liberdades e direitos fundamentais.

Por razões de pungente necessidade económica de desconfinar – que não discuto – e não por razões de saúde pública (essas continuam a aconselhar todo o recolhimento possível), o Governo estará a estudar a possibilidade de, já em Maio, propor o fim do estado de emergência e, aparentemente, impor o estado de calamidade que, a acreditar no que vamos ouvindo, manterá níveis diferenciados de proibições e de restrições de direitos fundamentais.

Vamos por partes. A Constituição é clara: o exercício de direitos, liberdades e garantias não pode ser suspenso excepto em caso de estado de sítio ou de emergência. Donde, nenhuma lei infra-constitucional pode suspendê-los sem que haja sido declarada qualquer uma dessas circunstâncias. Ora, o estado de calamidade, previsto na Lei de Bases da Protecção Civil, não é nem uma coisa nem outra. Simplificando, digamos que está no patamar inferior do estado de emergência, destinando-se a enfrentar uma situação de acidente grave ou de catástrofe, com o fim de reagir ou repor as condições de vida nas áreas atingidas. Pressupõe, pois, uma localização geográfica específica e, entre os efeitos mais limitadores, a racionalização de alguns bens essenciais e a fixação de condicionamentos à circulação de pessoas entre concelhos delimitados com cercas sanitárias ou de segurança. E, logo, não permite restringir as liberdades de circulação e de permanência com a abrangência que em estado de emergência se lhes pode dar, especialmente a imposição da obrigação de confinamento.

Até admito a discussão, difícil, sobre se, em estado de calamidade, é possível limitar, por todo o país, o número de pessoas num supermercado, num restaurante ou nos transportes públicos. O que está para lá do razoável é considerar a hipótese de impor a obrigação de isolamento de determinados conjuntos de pessoas e impedi-las de circular, como é o caso dos mais velhos.

De resto, sem estado de emergência, o direito de resistência dos cidadãos retoma a normalidade constitucional, os quais podem, legitimamente, não acatar os conselhos das autoridades que, em estado de calamidade, podem não passar disso mesmo – recomendações. E este é o ponto. Pretender acabar com o estado de emergência para retomar, paulatinamente, a (nova) normalidade e substituí-lo pelo estado de calamidade, com as mesmas restrições de direitos fundamentais, redundará, no mínimo, em estado de ambiguidade e, no limite, em estado de arbitrariedade. Coisa que, com ou sem pandemia, é intolerável num Estado de Direito Democrático.

Mas mais: além do inaceitável perigo constitucional de um estado de calamidade que mantém restrições apenas admissíveis em estado de emergência, sob o ponto de vista da saúde pública pode revelar-se um fracasso com consequências épicas. Basta ver o que a simples menção do fim do estado de emergência fez ao recolhimento dos portugueses.

Aconselha, por isso, a prudência que, sim, se abra a economia mas que, ainda que com medidas suavizadas, se mantenha o estado de excepção constitucional.

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