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Estranha forma de vida

Por António Rocha e Costa.

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por António Rocha e Costa Analista clínico

O título desta crónica, retirado da letra de um conhecido fado da Amália, retrata na perfeição os tempos que vivemos. Tempos anormais, tempos de incerteza, tempos de medo e de solidão.

A cultura, esse bem essencial, sem o qual o homem tende progressivamente a mergulhar nas trevas, onde medra facilmente à barbárie, tem sido dos sectores mais sacrificados em tempo de pandemia.

Em Guimarães, o Festival de Jazz, que costuma atrair à nossa cidade, largas centenas de apaixonados por este género musical, passou este ano quase despercebido, por via dos condicionalismos que lhe foram impostos.

A edição deste ano contou essencialmente com intérpretes nacionais e estrangeiros radicados em Portugal. Os horários das sessões também foram atípicos, chegando ao ponto de se realizarem espectáculos às 10h30 da manhã, como aconteceu na sessão do último domingo, que encerrou o Guimarães Jazz. Concertos ao pequeno-almoço, como se de uma missa se tratasse, realmente só em tempos de anormalidade.

As Festas Nicolinas, que fazem parte do nosso património cultural, não terão este ano o formato habitual, podendo-se realizar, segundo rumores que circulam na cidade, um ou outro acto simbólico, sem a tradicional presença de centenas ou milhares de participantes. Desde que passei a pertencer à “tribo” dos velhos nicolinos, pela primeira vez não vou participar no Pinheiro, nem em qualquer outro número das Nicolinas. Nas ruas da cidade deserta reinará um silêncio clamoroso, onde antes ribombavam os tambores.

Em 1918, aquando da última grande pandemia que assolou o mundo, não se realizaram as Festas Nicolinas. Se consultarmos o livro dos Pregões Nicolinos, falta lá o de 1918, sendo que os de 1917 e 1919 retratam fielmente a situação difícil que o País atravessava, naquele período que se seguiu à 1ª Guerra Mundial e que coincidiu com a grave crise sanitária causada pela pandemia.

A ilustrar o que atrás foi dito, aqui vai um excerto do Pregão de 1917, da autoria de Leão Martins e recitado por Fausto de Menezes Leite Pinto Mourão:

“A vida actualmente às almas causa dor.
Dois campos desiguais – qual deles o melhor?
Por um lado a guerra úteis braços consome
Por outro lado então vai imperando a fome.
A caso vós sabeis o que seja morrer
À míngua dum só pão para o corpo entreter?
Mesmo à falta de um caldo, umas ervas até,
O sustento de um pobre, a mísera ralé?
O azeite encareceu, o milho e o feijão
Subiram a um preço tal que fere o coração.
E o cortejo da fome – o povo da desgraça
Engrossa dia a dia, e pelas ruas passa,
Cabisbaixo, impaciente, aflito, esfarrapado,
Olhos rubros de fogo, o rosto espezinhado,
Crianças de tenra idade estropiando às portas,
Às horas do jantar, de noite a horas mortas.
Vai aumentando sempre e sempre o aluvião
Que nos confrange a alma, a vida, o coração…”

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