In Memoriam: Coronel Rui Guimarães

Rui Rolando Xavier de Castro Guimarães nasceu em Guimarães na Rua de S. Sebastião, no dia 3 de Março de 1943. Faz os seus estudos iniciais em Guimarães, na Escola das Dominicas e o secundário no então Liceu de Guimarães, actual Escola Secundária Martins Sarmento.

© César Machado

Apesar de ter sentido o terramoto surgido em 1958 com as eleições de Humberto Delgado para a Presidência da República, que deixaria o regime necessariamente mais abalado, considerava-se um jovem sem consciência política no início da década de sessenta.Tinha, porém, uma intensa entrega às actividades da juventude estudantil do seu tempo, tendo participado em actividades culturais diversas, designadamente em récitas, teatro, folclore português, etc….

Fez parte de uma Comissão das Festas Nicolinas que, nessa época respeitavam unicamente aos Estudantes do Liceu de Guimarães, antigos e actuais, e que hoje se alargam a estudantes e ex-estudantes de todas as escolas do concelho. Até ao fim dos seus dias manteve a regular presença na sua Tertúlia Nicolina, com um jantar mensal a reunir Nicolinos de várias gerações, em celebração dessa amizade e camaradagem Nicolina muito peculiar do meio vimaranense. Foi também activo praticante desportivo jogando voleibol, andebol, futebol, entre outros desportos.

Concluído o 7º ano do liceu ingressa academia militar em 1962 com 19 anos. Tinha-se iniciado a guerra em Angola em Março de 1961; e em 18 de Dezembro do mesmo ano a Índia Portuguesa caíra às mãos das tropas da União Indiana. Com um exército de 3500 militares, mal equipadas e impreparadas para combate, as tropas portuguesas defrontaram as da União Indiana, compostas por 50.000 homens, com apoio aéreo e naval.

Para além de humilhante, o resultado traduz-se numa tragédia de que resultaram 30 mortos e um número infindável de prisioneiros entre as forças portuguesas. E ficam para futuro as palavras de velho ditador ” é horrível pensar que isso pode significar o sacrifício total, mas recomendo e espero esse sacrifício como única forma de nos mantermos à altura das nossas tradições e prestarmos o maior serviço ao futuro da nação”. Da sua cadeira em São Bento, o homem que nunca pisou terra do que designou de Ultramar, profere a frase que se tornou tristemente célebre: “apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos”.

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Rui Guimarães por ele próprio:- “No início dos anos sessenta, os militares apenas eram, e não mais do que isso, os instrumentos do poder. Servir a Pátria, isso eram os valores. A doutrina era a doutrina que estava definida. Aos militares não incumbia questionar o que não era feito por eles. Isto só começa a ser diferente quando a contradição é evidente e quando o poder político tem como solução para o país o morrer hoje para continuar a morrer amanhã.

O desastre completo e absoluto do país. Porque, quando o Marcelo Caetano diz ao Spínola que o país inteiro está preparado para uma derrota militar, mas não está preparado para negociações com terroristas, quando os ditos terroristas são as organizações internacionais, os países amigos e não amigos, quando está toda a comunidade mundial, o Papa que recebe os líderes dos movimentos independentistas africanos – e esse é o primeiro grande choque para o povo todo – então isto são terroristas, e o Papa, autoridade máxima dos católicos recebe os seus chefes? Isto foi o maior abanão que o regime sofreu.

O segundo abanão é o 25 de Abril propriamente dito. Quando o Governo, na precedência disso, exaurido de tudo, até os valores essenciais das F.A . está disponível para destruir. (…) A guerra de 1961/1962 nada teve a ver com a guerra em 1968, quando Salazar cai da cadeira e é substituído por Marcelo Caetano. E mesmo desde aí até 1974. Dentro das F. A. esta guerra nada tem a ver com a inicial, já é outra coisa.

E porquê? Porque as Forças Armadas começam a verificar que a sua principal função é ganhar tempo e permitir as condições para que o governo encontrasse uma saída política, mas essa solução não era vista como necessária. Porque nenhuma guerra de subversão e de independência, de autodeterminação, tem um desfecho militar. É sempre político. Uma guerra assente numa questão política só pode ter uma saída e uma solução política. Quando, no tempo de Salazar, se diz que Portugal vai do Minho a Timor, não se questiona a Pátria, não se questiona nada, quando vem o seu delfim a substitui-lo e dizer “estou preparado para uma derrota militar não estou preparado para negociar com terroristas”, significa que vamos ter uma segunda Índia, em piores condições.

Com o auxílio de factores externos que viriam a emergir, com o surgimento de movimentos de juventude em tudo avesso à continuação de uma guerra colonial já totalmente incompreensível –de que a Crise Académica de Coimbra, em 1969, é momento alto- e com o rastilho dos factores inerentes ao próprio estatuto dos militares, sobretudo jovens Capitães que em 1973 apresentarão um documento de protesto assinado por 783 oficiais, está criada a “tempestade perfeita” que se apresentará sobre a forma do inicialmente designado de Movimento dos Capitães. Desde o primeiro momento está presente o Capitão Rui Guimarães.

E com esta organização participará na evolução para um novo e mais amplo caminho que conduzirá ao Movimento das Forças Armadas que, a 25 de Abril de 1974 levará a cabo a Operação Fim de Regime. A ditadura mais longa, velha e anacrónica da Europa seria derrubada, com ela terminando as Guerra Colonial que duravam desde 1961 e se mantinham em Angola Moçambique e Guiné.

Colocado como Capitão no Regimento de infantaria 8, de Braga, foi o representante dos militares da Região Norte no 25 de Abril. Para além da delicada missão de conter e controlar o quartel em Braga, uma cidade muito conotada com o regime deposto, terá a seu cargo a tomada das instalações da PIDE/DGS no Porto, bem como a sede da Legião Portuguesa. No regresso de uma dessas missões, passará com os seus soldados pela sua terra natal, com isso vivendo um momento único de felicidade, dele e da imensa multidão de conterrâneos que vitoriavam os soldados, o MFA “o seu Capitão”.

Fará, ainda, uma outra Comissão em Angola depois do 25 de Abril, como representante do Presidente da República, General Costa Gomes.

O espírito do 25 de Abril manteve-se sempre no coração do Coronel Rui Guimarães, com uma imensa disponibilidade para partilhar experiências nos mais diversos meios, sobretudo escolas, junto dos jovens, em ordem a manter viva a chama que motivou os militares de Abril.

Em 2023 foi condecorado pelo Presidente da República com a Ordem da Liberdade pela participação directa na Revolução. A Associação 25 de Abril, de que é sócio fundador, refere –pela voz do seu Presidente, Coronel Vasco Lourenço- que Portugal fica mais pobre ao ver partir um dos seus melhores.

Partiu a 2 de Julho um dos nossos melhores, o Coronel Rui Guimarães. Como Vasco Lourenço, Salgueiro Maia, Melo Antunes e muitos outros, esteve do lado certo da História. Como eles, pagou o preço por estar do lado certo da História, sempre e sem vacilar. E pagou esse preço, desde logo dentro da própria instituição militar. Nenhum destes Homens chegou a General. Isso coube a outros que aparecem depois das revoluções realizadas. Mas isso seria uma outra história.

Rui Guimarães, Vimaranense, que nos enche de orgulho como Vimaranenses, esteve do lado certo da História e já está na História. Ficará connosco. É um dos nossos melhores. Para todo o sempre.

O que lhe ficamos a dever nunca poderemos pagar. Obrigado eterno Capitão Rui Guimarães, muito obrigado. 25 de Abril Sempre.

(As citações são retiradas de “Guimarães, Daqui Houve Resistência”, Recolha e Organização de Textos de César Machado, edição do Cineclube de Guimarães, 2014.)

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