Inadiáveis Leituras: “Contemplar África”

Por Sílvia Lemos.

© Sílvia Lemos

Por Sílvia Lemos

“Em tempo de guerra, cada dia conta como uma vida inteira.”
Mia Couto
Le Monde Diplomatique, Abril de 2004

Passam 60 anos sobre um encontro entre povos africanos que ousaram defender e emancipar o continente africano. Criava-se a 25 de maio de 1963, na Etiópia, a Organização de Unidade Africana com esses objetivos. Vinha longe a paz e a independência de tantos povos africanos… Quase 10 anos depois, em 1972, a ONU estabelecia o dia 25 de maio como Dia de África, ainda hoje celebrado. Por essa ocasião, portugueses continuavam a partir para uma guerra que manchava vários pontos desse imenso e arrebatador continente – África.

Dedico estas Inadiáveis Leituras aos povos africanos e a todos quantos desejam contemplar África. Contemplar para conhecer. Conhecer para amar, e amar para construir paz. Paz, mais que ausência de guerra. Paz, a verdadeira liberdade para vida em abundância.

Teria uma longa lista de livros e autores africanos se esta página permitisse. Destaco estes que se seguem porque sinto-os história minha.

“A confissão da leoa”, de Mia Couto, veio parar-me às mãos em novembro, por ocasião do meu aniversário, no ano da sua primeira edição, em 2012. Continha uma dedicatória que me emocionou, assinada por Mia Couto. Li este livro sobre as entranhas do mundo, vagarosamente, meia incapaz de compreender ataques de leões, vidas extremas, superstições. Um livro com dois narradores, mulher e homem versando os mesmos acontecimentos. Guardo a mulher, Mariamar, por me sentir identificada com ela, com a bravura interna a sobrepor-se à fragilidade do corpo. Por causa desse livro recuei a outros livros dele, como “Jesusalém” e “Venenos de Deus, Remédios do Diabo”. A minha visão, a partir da velha europa, trazia entraves ao entendimento sobre a (im)possibilidade das histórias. À medida que continuo a aprofundar o olhar em cada linha que leio, as dificuldades vão desaparecendo, dando lugar ao maravilhamento. Que bom existir Mia Couto a inventar palavras, a descrever batimentos de corações, com África sempre a pulsar, desde “Vozes anoitecidas” ou “Cada Homem é uma Raça” até aos livros mais recentes.

Mais recentemente fui tocada pelo livro “Balada de amor ao vento”, de Paulina Chiziane. Reflito sobre como é que só em 1990 surge o primeiro romance moçambicano escrito por uma mulher. Tem um título tão doce que parece uma canção de embalar, mas está muito longe disso. Paulina Chiziane, mulher africana, oferece-nos a história da mulher deste livro, tecida pela cultura africana, atravessada pelo colonialismo. Não deixem passar ao largo esta mulher. Água nos olhos, amor sem expoente definido, gigante, ela, a mulher, como África. África da abundância, a passar fome; África rainha, de joelhos como serva; África da bondade, explorada por mãos corruptas.

Por fim, trago às Inadiáveis Leituras, um livro daqueles que parece ser apenas para crianças. Trago-vos das minhas leituras o “Fatma”, de Conceição Dinis Tomé, ilustrado por Mariana Rio, para não esquecer a largueza do mar. Fatma, para ter presente o desejo de paz, os olhos das crianças, as travessias entre a (des)esperança e o (im)possível dos dias e das noites em que só desejamos um lar, casa de pessoas que se abraçam.

Vamos ler muito, queridos leitores, ler sempre, para ler o mundo.

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